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2.2 PROCESSOS FILOSÓFICOS E SOCIETAIS DA SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA E AS POSSIBILIDADES DE

2.2.2 Dimensões para Fundamentar a Socioeconomia Solidária

Esta perspectiva leva para o desafio da sustentabilidade. Guio-me nesta exposição no pensamento de Sachs (1986; 1993), que contrapõe ao que denomina de “mal desenvolvimento”, ou as relações do economismo. Vale dizer, dos processos produtivos que reduzem os fazeres ao campo da conquista das mercadorias e do lucro rápido, sem incorporar variáveis que refletem a complexidade da sociedade contemporânea.

Para a construção de referenciais teóricos e empíricos, fundamenta o conceito de ecodesenvolvimento, que expressa a incorporação das dimensões culturais e ecológicas, da ética, da participação, da solidariedade sincrônica e diacrônica, do desenvolvimento endógeno, das mudanças de estilo de vida, para superar o crescimento predatório do desenvolvimento exógeno e mimético. Estes fundamentos explicitam conforme Sachs, que o “enorme desafio do ecodesenvolvimento consiste, [...] na identificação e satisfação, em base sustentável, das necessidades genuínas de cada pessoa e de toda a população, respeitando-se a sua diversidade e potencialidade criativa de mudança” (SACHS, 1986, p. 67).

No livro “Estratégias de Transição para o Século XXI”, Sachs (1993) explicita cinco dimensões do ecodesenvolvimento, isto é, as sustentabilidades: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. A sustentabilidade social tem uma conotação superadora da civilização do ter para inaugurar perspectivas da civilização do ser. Esta característica engendra princípios

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sociológicos que direcionam para o reconhecimento das diversidades sociais e das criatividades endógenas, dos recursos e das visões de mundo constituidoras das sociedades e dos grupos sociais.

O princípio da sustentabilidade social desafia na busca da consolidação das sociedades que possam se autodesenvolver. Este postulado não deve, no entanto ser compreendido como um processo de fechamento de uma sociedade. Postula sim o não globaritarismo e o terrorismo global, processos de imposição de um estilo de vida, de um grau de desenvolvimento de um povo ou país sobre outros. Combate este princípio o sociocentrismo, afirmando a capacidade de intercâmbio solidário entre os grupos sociais e os povos.

A sustentabilidade econômica é gestora de relações que viabilizam o desenvolvimento sem a conexão de dependência destruidora das economias e dos recursos materiais. A pobreza é neste sentido um fator de insustentabilidade, por que é fonte destruidora dos recursos naturais renováveis, como instituidora de relações sociais e culturais violentas, destruidora das sociobiodiversidades. Neste quadro, entram em questionamento as relações entre o Norte e o Sul, as políticas de juros nacionais e internacionais, as dívidas internas e externas, as políticas monoteristas, as formas de financiamentos priorizadoras dos grandes capitais, as ações de renúncia fiscal em prol dos grandes investimentos privados. As políticas econômicas geradoras da concentração e centralização das riquezas são insustentáveis.

Acresce-se a este desafio a sustentabilidade ecológica, que representa a mobilização para a diminuição dos resíduos, a reciclagem de recursos, a incorporação de “tecnologias limpas”. Implica a sustentabilidade ecológica o conhecimento das diversidades, das inter-relações e das interdependências dos ecossistemas naturais e culturais. Esta perspectiva leva à consideração da complexidade formadora das configurações sociais, dos espaços naturais e da relacionalidade existente entre os campos sociais e naturais. Desta forma podem-se visualizar atitudes que diminuam, ou de preferência que eliminam os impactos predatórios em relação à diversidade biológica e cultural.

Estes postulados e práticas levam para a quarta dimensão do ecodesenvolvimento, a sustentabilidade espacial. Nesta dimensão, Sachs chama a atenção para os processos de êxodos que provocam os grandes aglomerados urbanos, para os projetos colonizatórios ocupadores de grandes ecossistemas, para a agricultura convencional e para a defesa da agroecologia e de

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sistemas agroflorestais. Incluo a questão da erosão dos solos e assoreamento dos rios, a destruição dos espaços rurais, assim como o desflorestamento, a poluição, os agrotóxicos, as monoculturas. A sustentabilidade espacial requer um planejamento que descentraliza a indústria e que associa as atividades econômicas aos processos ecológicos, configurando espaços não impactantes e não predatórios.

A sustentabilidade cultural, apresentada por Sachs se embasa na afirmação do multiculturalismo e na consolidação da endogeneidade, isto é, da consolidação dos valores, das crenças, das visões de mundo, das tecnologias dos diversos grupos socioculturais. O princípio da endogeneidade leva a uma antropologia que desenvolva a alteridade, vale dizer, que olha para o outro e o percebe nas suas qualidades, estabelecendo relações dialógicas, portanto, que elevam as diversas culturas em espiritualidade, em compaixão, em conhecimentos. O Outro não é avaliado como uma fronteira estranha para o Eu, mas constitui-se na afirmação familiarizada para a glorificação das diferenças, que gestam identidades e se recriam no encontro.

Além das cinco dimensões de Sachs, acrescento uma discussão em torno da sustentabilidade política, religiosa e pedagógica. Avalio que um projeto societal sustentável e solidário só é possível se se concretizar com a participação política. É necessário enfrentar aquilo que Demo (1996) denomina de pobreza e tutela política, isto é, “é politicamente pobre o cidadão que somente reclama, mas não se organiza para reagir, não se associa para reivindicar, não se congrega para influir” (p. 23).

Constato que a sociedade brasileira em geral e a matogrossense em particular é muito tênue, as organizações que promovem a inserção política ainda são poucas quantitativamente e pouco influentes em termos qualitativos. A tenuidade da sociedade facilita as ações políticas clientelistas e assistencialistas, que reforçam as dependências e as submissões dos indivíduos e dos grupos sociais. A sustentabilidade política é gestora de uma contra-política no sentido da afirmação do espaço público, da fala, da participação, da cidadania e da democracia. É a desconstrução dos cinismos das elites dominantes e a incorporação das sapiências dos grupos sociais, dos indivíduos que gestam conhecimentos a partir das experiências cotidianas.

A sustentabilidade religiosa é o reconhecimento, como ensina Boff (2000) que o homem necessita e desenvolve uma espiritualidade e que se põe constantemente na direção da transcendência. Esta não é desenhada com a constatação da existência de um ser sobrenatural,

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mas a afirmação de uma perspectiva que eleva o homem dos seus grilhões rígidos e limitadores. O princípio da transcendentalidade coloca os homens em comunhão, consigo e com a natureza, estabelecem conexões de compaixão com a terra, inventam o compartilhar, a solidariedade e o cooperar. A religião é a práxis da religação e, portanto não suporta o isolamento e a solitária. O homem é um ser que está ligado e a religião constrói a transcendência da ligação.

A sustentabilidade pedagógica se refere ao processo de construção de um pensamento que seja pertinente (MORIN, 2001) e dialógica (FREIRE, 1983), isto é, que seja crítica e criativa nos mais diversos contextos. Todos os contextos são diversos, apresentam-se nas suas configurações múltiplas, contraditórias, dinâmicas, portanto complexos e historicizados. O pensamento pertinente é aquele que apreende a complexidade do contexto, o recria e o reinventa. Portanto não é uma postura linear de cópia e reprodução, mas é aquele pensar que é aberto e admite o novo, o diferente, o alternativo. O desafio para a sustentabilidade pedagógica é a invenção constante e contínua de dinâmicas, teorias e metodologias capazes de concretizar a pertinência e de avaliar a sua concreção, para reinventá-la e recriá-la.

Todos os fundamentos explicitados são necessários para a socioeconomia solidária. Trabalharei com maior atenção o movimento que está se constituindo em torno do processo de fazimento da solidariedade e da popularidade aplicados na economia e na sociedade.

2.2.3 Movimentos Ideopolíticos Constituintes da Socioeconomia Solidária