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2 TEORIA DOS JOGOS E COOPERAÇÃO

2.4 CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS

2.4.1 Cooperação

A cooperação não é um fator novo. Ela aparece em todas as sociedades, das mais primitivas às mais modernas. Valadares (2004) apresenta que os povos antigos já praticavam a cooperação na sua luta pela sobrevivência. A caça e a pesca em comum, a construção de habitações e a defesa da comunidade eram realizadas em conjunto pelos membros dos grupos. De acordo com Aumann (1959) e Schelling (1960), um mínimo de cooperação é pré-requisito de uma sociedade próspera. Por sua vez, Axelrod (1984) entende a cooperação de maneira diferente, indo além das relações humanas. Passa a olhar a cooperação existente entre os seres vivos, que é comum entre membros da mesma espécie e até entre membros de espécies diferentes, sob a perspectiva da Teoria dos Jogos.

No estudo da evolução por associação, Sapp (1994) historia que Albert Bernhard Frank cunhou o termo Symbiotismus (Simbiose) para designar os casos nos quais duas espécies vivem juntas, ou uma na outra, sem importar o papel que ambas desempenham, baseadas apenas na mera coexistência. O autor explica que embora esse estudo fosse bem conhecido, a origem do termo simbiose foi creditada a Anton de Bary, que em 1877 usou pela primeira vez o termo para designar a vida em conjunto de organismos diferentemente denominados. Sob o nome ‘simbiose de Bary’ incluíram-se vários tipos de associações complexas, que vão das relações parasitárias às relações nas quais os associados ajudam-se mutuamente, ao que ele definiu como mutualismo, expõe o autor supracitado. Esse termo foi criado por Pierre-Joseph van Beneden em 1873, e em 1876 ele argumenta que os tipos de relações sociais nas sociedades animais são tão variados quanto nas sociedades humanas, e as classifica em parasitismo, comensalismo e mutualismo, observa Sapp (1994).

Constata-se, então, que estudar a cooperação e sua evolução tem sido alvo de diversas pesquisas, por parte de diversas áreas do conhecimento humano, principal durante os últimos 50 anos (AXELROD; HAMMOND, 2006). Estuda-se a cooperação entre seres vivos, vegetais, animais e humanos, e em relação a estes, de maneira detalhada, entre países, empresas, instituições de ensino, religiosas, comunidades, famílias, enfim, entre todo o tipo de organizações. Valadares (2004) acredita que é possível alcançar melhores resultados atuando por meio de parcerias, acordos e ações conjuntas do que atuando isoladamente. Como sintetiza Camerer (1991), a Teoria dos Jogos é sobre o que acontece quando gente ou genes ou nações interagem.

Nessa busca por desvelar o significado, a importância e a aplicabilidade da cooperação, colocam-se em evidência os estudos de Axelrod (1984). O seu trabalho e contribuições possibilitaram, nos últimos 20 anos, um avanço no estudo e na abrangência das condições da cooperação. O autor centrou suas pesquisas em compreender como a cooperação emerge em um mundo de egoístas e sem autoridade central. Essa pergunta intrigou não somente ele, mas outros estudiosos por muito tempo. Contudo, para responder à indagação, busca-se compreender o que seja cooperação. Tal problema desempenha papel relevante em campos diversos, como político, filosófico, econômico, social, indica Axelrod (1997).

Assim, cooperação abrange a interação, o trabalhar junto, o ajudar-se mutuamente, o tentar conseguir, com a ajuda de outros, o que, com maior dificuldade, se conseguiria sozinho, conforme expõe Valadares (2004). Fala-se em atuação conjunta, esforços, auxílio, adaptação de atitudes e comportamentos, motivações e ações convergentes. Dugatkin (1992) enfatiza que, para haver a cooperação, algum tipo de ação coletiva precisa existir. Boyd e Richerson (1990) registram que as sociedades humanas são baseadas na cooperação entre grande número de indivíduos que geneticamente não apresentam relações. Isto é, não se coopera somente por laços sangüíneos, mas por afinidades, por escolhas, como colocou anteriormente Axelrod (1984), em relação à cooperação entre espécies semelhantes ou diferentes.

A base da cooperação, de acordo com Axelrod (1992), está relacionada à durabilidade das relações, e não somente com a confiança, que, aliás, é dispensável para que haja cooperação, enfatiza o autor. Assim, quando se têm condições adequadas para que a cooperação emerja entre os indivíduos, estes podem vir a cooperar por meio de um aprendizado – via tentativa e erro, por possibilidades de recompensas mútuas, imitação de outros indivíduos bem-sucedidos, ou até mesmo por meio de um processo de seleção cego dos comportamentos mais viáveis (AXELROD, 1997).

No caso de se analisarem seres humanos que sejam perspicazes e racionais, as relações entre estes precisam ser estabelecidas e mantidas, conforme observa Kondo (1990). Em contraponto, no entendimento de Axelrod (1997), os seres vivos não têm de ser racionais para serem cooperativos, porque, em seus estudos, ele considera que a cooperação pode emergir entre qualquer tipo vivo, não restringindo suas análises aos seres humanos. Apesar de os seres animais e vegetais serem não-racionais, o que os diferencia dos seres humanos (MARCONI; PRESOTTO, 1985), Axelrod (1984) entende que a cooperação entre eles pode existir. Esse

autor prossegue, expondo que o processo evolutivo permite as estratégias de medrar, mesmo que os envolvidos no jogo desconheciam por que ou como.

Em relação à evolução biológica, o autor coloca ainda a dispensabilidade do cérebro para que um organismo jogue um jogo. As bactérias são um exemplo, dada a sua alta capacidade responsiva a aspectos selecionados do seu ambiente químico. Podem responder, por isso, diferencialmente ao que outros organismos estão fazendo. Essas estratégias condicionais do comportamento podem, ainda, ser herdadas. Além disso, o autor asserta que o comportamento de uma bactéria pode afetar a aptidão de outros organismos, tanto quanto o comportamento de outros organismos pode afetar a aptidão de uma bactéria. Do mesmo, Axelrod (1984) coloca que as ações que os jogadores tomam não são necessariamente escolhas conscientes. O autor exemplifica com a ação de um indivíduo que às vezes devolve um favor e outras vezes não, e que pode não pensar em que estratégia está sendo usada. Axelrod (1984) é enfático ao afirmar que, em absoluto, inexiste necessidade de se assumir a escolha deliberada às ações.

Retornando à questão da racionalidade, saliente-se que Axelrod (1997) não vê problemas em o ser humano mostrar-se racional em relação à cooperação. Quanto ao aspecto da racionalidade, considerada relevante por Kondo (1990) em seres humanos, esta pode ser mantida com as expectativas de reciprocidade, ao olhar desse autor. Tal pressuposto é compartilhado por Axelrod (1984), quando afirma que a reciprocidade é necessária e suficiente para que os agentes cooperem, sendo prescindível, portanto, a confiança entre os seres. Além disso, esse autor evidencia que a cooperação baseada na reciprocidade pode levar aoautopoliciamento. Boyd e Richerson (1990) propõem que a cooperação ampla entre seres humanos pode ser entendida como resultante de redes da reciprocidade indireta. Os autores apresentam como exemplo o indivíduo A que pode ajudar o indivíduo B, embora A não receba benefício recíproco direto. Em vez disso, B poderia ajudar C, que ajuda D, que finalmente devolve a ajuda indiretamente a A. Assim, percebe-se, como relata Axelrod (1984), que as pessoas, para cooperarem, precisam aprender a se importar com os outros. Altruísmo é um motivo para a ação, é o caminho para a reciprocidade.

Comte (1989) expõe que o ser humano é em parte altruísta. Sua natureza instintiva propicia a preocupação com o outro, o amor desinteressado ao próximo. Contudo, é preciso que haja a retribuição da cooperação (AXELROD, 1984), evitando, assim, ser explorado. O autor acrescenta que o indivíduo também pode beneficiar-se da mútua cooperação, mesmo

quando explora os esforços cooperativos dos outros. Durante certo período, os mesmos indivíduos podem interagir, levando em conta modelos complexos de interações estratégicas.

Dessa forma, conforme expõem Axelrod (2000), Bêrni (2004) e Marinho (2005), uma condição necessária para o surgimento da cooperação é a perspectiva de continuidade das interações. Todavia, apenas a existência dessa condição é insuficiente para a estabilidade da cooperação. O princípio estratégico básico da Teoria dos Jogos relativo à cooperação, sob a ótica de tais autores, com foco na Teoria da Cooperação, é a estratégia Tit for Tat, que significa coopera-se com quem coopera, e não com quem trai esse conceito.

Em continuidade às características da cooperação, Kondo (1990) complementa, afirmando que a cooperação é instável, sendo que a perturbação ou o comportamento fora dos padrões derrubam a cooperação. Contudo, para trazer estabilidade ao processo, a normatização é de relevância. O autor destaca que até na existência da perturbação, caso os indivíduos comportem-se normativamente, pode-se manter a cooperação. Dessa forma, o comportamento normativo trabalha como um estabilizador. Constata-se, então, que o estudo da cooperação é algo complexo e que exige tratamento exclusivo para cada situação. Isso porque, como deixa claro Ramos et al. (2006), as variáveis de escolha dos indivíduos alteram- se por inúmeros fatores: o objeto da coalizão, o número de participantes envolvidos, o tipo de relações de poder entre os participantes e a perspectiva de ganhos com a participação, entre outros aspectos.

Em relação a toda essa complexidade, Caporael et al. (1989) expõe outro fator determinante para a existência da cooperação: o egoísmo, que faz parte dos indivíduos e dos dilemas sociais. Assim, para a análise da cooperação, além do altruísmo, tem-se de dar espaço a considerações sobre o egoísmo. Balabanis (1998), nesse sentido, afirma que os indivíduos são racionais, mas também individualistas e egoístas. Axelrod (1984, p.3), em concordância, aponta o fato de o indivíduo ter estímulo para ser egoísta, mas evidencia que a cooperação, ainda assim, pode emergir entre egoístas, mesmo sem uma autoridade central, dada a premência de assegurar a própria proteção e a satisfação de suas necessidades. Dessa maneira, o autor expõe que “sabemos que as pessoas não são anjos e que elas tendem em primeiro lugar a se preocupar consigo mesmas e com o que lhes pertence. Sabemos que a cooperação existe e que a civilização se baseie nela". Esses elementos auxiliam para compreender como a cooperação emerge em um mundo de egoístas e sem autoridade central, conforme exposto acima. Axelrod (1984) mostra que a cooperação pode emergir espontaneamente entre

indivíduos que buscam o seu próprio interesse, desde que na interação entre eles prevaleça um princípio de reciprocidade que possibilite, como se viu anteriormente, o policiamento por parte do indivíduo.

Seguindo essa perspectiva, Valadares (2004) acrescenta que a cooperação surge simultaneamente com a competição – outro processo social no qual os indivíduos e grupos são envolvidos. De acordo com o autor, no instante em que os indivíduos trabalham juntos, com um objetivo comum, seu comportamento é de cooperação; no instante em que disputam espaços e recursos, e se opõem uns aos outros, seu comportamento é de competição. O autor salienta que, em alguns casos, essa disputa pode evoluir para situações de conflito.

Como fica evidenciado, o indivíduo terá comportamentos que se alternam entre o egoísmo e o altruísmo, dependendo de cada situação que se está vivendo e das complexas relações que se mostram. Nash (1994) enfatiza a importância que um modelo baseado em egoísmo possui. O mesmo pode ser complementado por uma fundamentação que considere relações de ganhos e benefícios mútuos. Isso em consonância com o pensamento de Axelrod (1984), de que se deve buscar retribuir a cooperação, evitando a exploração.

Tem-se, assim, na busca pela cooperação, forças diferentes, mas que podem ser unificadas. Isso porque o ser humano não é movido somente por forças divisoras, isto é, conflitantes, de competição, nem somente por forças unificadoras, de cooperação. Constata- se, assim, que é do equilíbrio, da busca por igualdade de forças em oposição de que vivem as sociedades.

Seguindo com a exposição das características da cooperação, apresenta-se a comunicação entre as partes que interagem. Relembre-se que a comunicação é entendida, nesta tese, como o processo de transmissão de mensagem do emissor, ou fonte, a um receptor ou destinatário, com o sentido de compartilhamento de informações, percepções e conhecimentos por parte dos envolvidos.

De acordo com Davis (1983), a extensão na qual os jogadores podem comunicar-se tem um efeito profundo no resultado de um jogo. Para que isso ocorra, faz-se necessário que os jogadores, emissores e receptores, sejam receptivos e, conseqüentemente, predispostos a cooperar. Souza (2003) acrescenta que a possibilidade de comunicação entre as partes que interagem ascende em importância quanto mais cooperativo for o jogo, coincidindo os interesses dos participantes. Em Teoria dos Jogos, têm-se os jogos em que inexiste

comunicação entre os jogadores, os jogos não-cooperativos, e outros nos quais os jogadores podem comunicar-se livremente, os jogos cooperativos. Nesse tipo de jogo, em que os interesses dos jogadores coincidem, o mais significativo é a capacidade de se comunicar. Por sua vez, Axelrod (1984) enfatiza que, para que os jogadores cooperem, é dispensável o uso de palavras, tendo em vista que, para o seu entendimento, falam as ações.

Prosseguindo com a comunicação relacionada à cooperação, Souza (2003) complementa que, em princípio, não há muitas dificuldades para que as partes que cooperam possam se comunicar livremente. No entanto, conforme Hall (1973), a comunicação entre os seres humanos é imperfeita, tendo em vista que uma mensagem, ao passar pelo sistema de comunicação, é modificada. Com isso, surgem interferências ou ruídos no processo de intercomunicação humano, o que dificulta seu pleno acontecimento. Tais ruídos podem ser vistos como barreiras que afetam a eficácia e a eficiência da comunicação. Mesmo que problemas de comunicação possam dificultar a troca de informações entre os emissores e receptores, podendo prejudicar a compreensão do seu significado, Silva (2004) enfatiza que modelos de situações em que se busca a coordenação demonstram que pontos focais podem ser descobertos por jogadores que partilhem interesses comuns e convivam sob convenções semelhantes.

Complementando com as características da cooperação, Axelrod (1984) coloca em evidência que caso seja impossível futuros encontros entre os jogadores, o que ele entende por interação repetida, torna-se difícil que a cooperação surja. Isso porque, no curto prazo, segundo o autor, valeria mais a pena evitar a hipótese do outro não cooperar do que arriscar a esperança vã de uma recompensa pela cooperação mútua. Além disso, a perspectiva de tempo é crítica na manutenção da cooperação. Axelrod (1992) expõe que, quando há interação repetida, há a probabilidade de ela continuar por longo período, o que envolve a preocupação dos jogadores com o seu futuro coletivo, denotando condições maduras de parte dos jogadores para a emergência e a manutenção da cooperação. Constata-se, então, que o futuro, para o estabelecimento das condições da cooperação, é relevante, mas olhar o passado também se faz necessário, como desvela Axelrod (1987b). Isso porque este serve de modelo e monitorização do comportamento real. É essencial, aos olhares desse autor, que os jogadores sejam capazes de observar e responder a cada uma das escolhas prévias dos outros. Na incapacidade de parte do indivíduo fazer uso do passado, as defecções não podem ser punidas e o estímulo para cooperar desapareceria, finaliza o autor.

Assim, observa-se que os seres humanos, algumas vezes, lutam uns com os outros e algumas vezes cooperam entre si. Por isso, para estudar fenômenos sociais, exigem-se métodos que permitam analisar diferentes tipos de comportamentos. Marinho (2005) expressa que, quanto a esse aspecto, a Teoria dos Jogos tem despertado interesse, devido as suas múltiplas aplicações a problemas sociais, econômicos, políticos.

Contudo, devido à complexidade da Teoria dos Jogos, em termos de composição e abrangência e, em especial, aos inúmeros conceitos expostos sobre cooperação, destaca-se novamente que o olhar primordial desta tese, em termos de Teoria dos Jogos, está na cooperação centrada na Teoria da Cooperação, fundamentada por Axelrod (1984), que será posteriormente desvelada.

Para finalizar, a seguir, o quadro elaborado a partir das referências estudadas, que oferece uma visão sumarizada dos aportes teóricos referentes à cooperação, no sentido de facilitar a sua fixação e compreensão.

SINTESE SOBRE COOPERAÇÃO

Interação. Apoio mútuo.

Há em todos os seres vivos de mesma espécie ou diferente. Fundamental para manutenção das relações.

É relevante, entre outros fatores, porque as ações dos jogadores são interdependentes. Coopera-se por afinidade e escolhas, e não somente por laços sangüíneos.

Abrange reciprocidade e durabilidade das relações. A cooperação pode ocorrer de maneira direta ou indireta. Ao se cooperar, evita-se a exploração.

Quadro 2 – Síntese sobre cooperação

Fonte: Elaborado pela autora para este estudo a partir das referências teóricas estudadas.