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2 TEORIA DOS JOGOS E COOPERAÇÃO

2.3 ELEMENTOS QUE COMPÕEM A TEORIA DOS JOGOS

2.3.3 Regras

O terceiro componente da Teoria dos Jogos: as regras. Estas permitem a estrutura ao jogo e a segurança aos jogadores. Conforme explana Flores (2004), na linguagem cotidiana a palavra regra é utilizada com significados diferentes, inexistindo definição única. Regras, no entendimento sintetizado de Fundenberg e Levine (1998) e Silva (2004), é um conjunto de princípios, normas e preceitos que norteiam as ações dos jogadores nos jogos. Por sua vez, Skinner (1978) acrescenta os conceitos de instruções e os padrões a serem seguidos.

Percebe-se que os estudiosos da Teoria dos Jogos, ao seu turno, não restringem o conceito de regras. Usam-no com o intuito de determinar como se joga: o modo apropriado de pensar, agir e expressar dos agentes envolvidos nas jogadas. Serve de modelo, regulamento, sendo algo determinado antecipadamente que visa regular as estratégias e as relações entre os jogadores, estabelecendo limites. Vê-se, portanto, que existem nuances interessantes no uso do termo regra. Levar em conta esses matizes pode ser frutífero para a teorização acerca do comportamento dirigido por regras em Teoria dos Jogos.

É interessante citar Skinner (1978) porque faz uma análise de algumas funções que podem ser desempenhadas pelas regras. As cinco funções que esse autor explora diz respeito primeiro à função de ensino, em que as regras muitas vezes são apresentadas no momento da aquisição de uma habilidade. Em segundo, tem-se a função de elucidação, com foco nas regras como explicações padronizadas que servem para inserir o comportamento de alguém no contexto de uma atividade gerida por regras. Em terceiro, a função de justificação: as

regras são usadas para justificar e também para criticar ações que ocorrem em atividades governadas por regras. Em quarto, a função de avaliação, sendo as regras vistas como padrões de correção, parâmetros utilizados para avaliar se algo é correto ou incorreto. Por fim, como quinta função, a de definição, a indicar que as regras definem ações.

Esta última função, na verdade, não se aplica a qualquer tipo de regra e aponta para uma interessante distinção feita por Searle (1984) entre regras normativas e regras constitutivas. Enquanto as regras constitutivas, além de um conjunto de comportamentos, gerem suas novas formas, as regras normativas regulam atividades preexistentes, cuja existência independe logicamente das regras. É oportuno expor que, de todas essas funções, dá-se destaque à de ensino, discutida por e Skinner, Gassenheimer e Kelley (1992) – que incentivaram diversas pesquisas empíricas por parte de teóricos como DeGrandpre e Buskist (1991). As demais funções, por sua vez, têm recebido menos atenção nos estudos de análise do comportamento.

Essas funções são convenientes de serem analisadas na Teoria dos Jogos, pois permitem que os estudiosos analisem a sua utilidade na construção e avaliação das regras que administram os jogos. Brandenburger e Nalebuff (2000) expõem que as regras são estipuladas pelos participantes de um jogo e precisam ser criadas, revisadas e alteradas por estes, de forma a se adequarem às necessidades e objetivos. É mister estipular regras que possuam preceitos que, de alguma maneia, beneficiem os jogadores, pois, como são feitas pelos próprios participantes dos jogos, precisam estar a seu favor. Desse modo, percebe-se, em acordo com Weber (1963), que as regras do jogo constituem uma orientação, limitando a variedade de ações de cada jogador, permitindo, também, a ele agir. Saliente-se que as ações dos seus rivais estão direta e igualmente sujeitas à limitação.

Em Teoria dos Jogos constata-se que inexiste um conjunto universal de regras e, sim, um conjunto de regras feitas de maneira apropriada a cada jogo. Depende do tipo de jogo, das características dos jogadores envolvidos, das estratégias estipuladas, das formas de relação e interação abarcadas, e das relações de poder exercidas. As regras são úteis também, segundo Brandenburger e Nalebuff (2000), para limitar as possíveis reações a qualquer ação dos jogadores. No caso da Teoria dos Jogos, conforme os autores expõem, toda ação provoca uma reação. Assim, para se analisar o efeito de uma regra, é necessário antecipar e raciocinar retrospectivamente.

Neiva (2003) enaltece que a Teoria dos Jogos não é imparcial. Ela depende diretamente do critério adotado pelos analistas para a descrição das regras e dos propósitos do jogo. Uma mesma negociação pode, por exemplo, ser representada por vários jogos diferentes; depende do analista e do critério por ele adotado. A Teoria dos Jogos é usada tanto para a análise de negociações já concluídas quanto para a avaliação das possibilidades de escolha.

Desse modo, pensar nos diferentes papéis que as regras desempenham nas ações humanas pode ser um passo útil na formulação de perguntas empíricas, como as formuladas pelo teórico de jogos Souza (2003, p. 45). Este lança indagações pertinentes para que se pense a respeito:

1) Em que medida se estabelece a comunicação entre os jogadores (até que ponto e como os jogadores podem se comunicar entre si)?

2) Existe a possibilidade de os jogadores estabelecerem acordos entre si (nem toda situação de jogo permite que os jogadores estabeleçam convenções)?

3) São admissíveis resultados colaterais (deve ficar claro se os prêmios conseguidos no jogo podem ser repartidos entre os jogadores)?

4) Qual é a relação causal entre as ações dos jogadores e o resultado do jogo (quais estratégias os jogadores dispõem para realizar seus objetivos)?

5) Quais as informações de que os jogadores podem dispor (em outras palavras, a amplitude de consciência da realidade do jogo que os jogadores inseridos possuem)?

As interrogações expostas acima, e diversas outras que possam ser feitas, dependendo do jogo e de seus jogadores, possibilitam que os critérios de ação e reação sejam pensados, estipulados, avaliados e revisados. Isso com foco no processo de interação entre os seres humanos – considerando-os em situação de jogo, ou seja, como jogadores –, que são a comunicação e o processo de informação existente nessa relação estratégica, pelo exercício de influência que possuem (SILVA, 2004).

Soma-se a esse pensamento, o entendimento de comunicação apresentado por Martino (2001): um tipo de relação que se pode expressar por ação e reação, tendo o significado de interação e relação. É um processo de compartilhar um mesmo objeto de consciência, isto é, uma sensação, um pensamento, desejo, afeto. A comunicação é vista como o contato de uma

pessoa com outra (DORIA; LIMA, 1971). Por sua vez, Gerbner (1967) já havia atestado que pode ser definida como interação social por meio de mensagens.

Além do sentido de relação apontado acima, complementa-se o entendimento de comunicação com as idéias de Thayer (1967), Berlo (1970), Rego (1986) e Simões (2001), que a definem como um meio de influência ou mudança de comportamento entre emissor e receptor, sendo uma forma de exercício do poder. Ela é a base da relação entre os homens, uma vez que o indivíduo se comunica para afetar ou influenciar outrem, na concepção de Berlo (1970). Essa definição coincide com a de Rego (1986), que percebe comunicação como o exercício de ascendência sobre o comportamento humano.

Expressões como “relações”, “meio de influência” ou “mudança de comportamento” compõem a polissemia do termo comunicação; contudo, na sua essência, comunicação tem um sentido original de relação e influência que se estabelece entre jogadores na composição de qualquer jogada. Em termos de informação, segundo Rasmusen e Blackwell (2001), tem-se o conhecimento comum de parte dos jogadores. O autor indaga se cada jogador sabe que todos os demais jogadores conhecem a informação e se cada jogador sabe que todos os jogadores sabem que todos a conhecem, e assim por diante. Dessa forma, no instante em que se consegue fazer com que sua estratégia seja efetivada frente ao oponente, ou companheiro, sendo compreendida por estes, estaria ocorrendo o fenômeno da comunicação.

Weaver (1987) sintetiza que a comunicação pode ser entendida como processo de transmissão de mensagem por uma fonte, por meio de um canal, a um destinatário e receptor da mensagem – concepção que é adotada nesta tese. O emissor ou fonte, segundo Mattelart (1999), é o ponto de partida da comunicação e, neste estudo, é entendido como uma das partes ou um jogador que interage. É o elemento que dá forma à mensagem, que é codificada e transmitida, sendo recebida no outro extremo da cadeia. Já o receptor, na concepção de Weaver (1987, p.26), é “uma espécie de transmissor ao inverso, que transforma novamente o sinal transmitido em mensagem, levando-a a seu destino”. Neste estudo, o receptor é visto como a outra parte ou outro jogador. Na comunicação, segundo Weaver (1987), estão incluídos todos os procedimentos pelos quais uma mente pode influenciar outra. O fator de influência aparece pelo êxito do emissor, ao provocar a conduta desejada no receptor por meio do significado da mensagem transmitida.

Transpondo esse conceito à Teoria dos Jogos, no jogo de emissor e receptor entre dois participantes, por exemplo, o emissor pode possuir uma informação privada, mas depende da

escolha de uma ação por parte de um receptor que possa estar desinformado, conforme expõem Crawford e Sobel (1982). De acordo com esses autores, o emissor passa a enviar um sinal ao receptor, que, por ser sujeito a ruído, exige uma interpretação estimada de seu significado, a partir da qual será tomada a decisão sobre a ação a seguir.

Para a comunicação ocorrer, entende-se que os envolvidos no processo necessitam estar predispostos a compartilhar informações, percepções, conhecimentos. Devem estar receptivos, pois o receptor é influenciado, de uma maneira ou outra, pela mensagem que recebe, optando por responder a ela. Dessa forma, a comunicação somente se faz quando o receptor compreende e interpreta a mensagem enviada, emitindo, assim, uma resposta, isto é, um feedback. Hohlfeldt (2001) salienta que um modelo verdadeiramente comunicativo necessita pressupor feedback ao longo de todo o processo. Feedback, em português “retroalimentação” ou “realimentação”, é o princípio de quase todo sistema de controle utilizado (DORIA; LIMA, 1971). Dance (1967) acrescenta que o princípio da retroalimentação permite a análise atualizada do comportamento do receptor, no sentido de promover alteração do comportamento futuro, com base no sucesso do comportamento deste. Além disso, mostra que a comunicação, em sua interpretação mais ampla, pode ser vista como a estimulação de uma resposta. Constata-se que só há comunicação se um reage ao estímulo do outro. Caso inexista reação, atesta-se que processo de comunicação não se efetivou.

Resta examinar se regras e convenções podem estabelecer e determinar por completo, e de que modo, a ação dos indivíduos. Isto é, se os indivíduos agem obedecendo a coações do todo sobre as partes ou se obedecem a interesses estritamente individuais. Nesse último caso, os indivíduos atuam universalmente conforme seus interesses egoístas. No entanto, Axelrod (1981) apresenta que as regras são eficazes porque expressam os interesses da coletividade.

Portanto, depois dos jogadores definidos, das estratégias preparadas com base em regras adequadas, a jogada progride de um estágio a outro, sendo do estado inicial do jogo até a jogada final, com a obtenção dos objetivos propostos, dos ganhos almejados. Contudo, é preciso estar atento, pois as jogadas estão cheias de incertezas. A tática influencia na maneira como os participantes percebem a incerteza e, dessa maneira, molda seu comportamento, conforme observam Brandenburger e Nalebuff (2000). Esses autores destacam que algumas táticas operam com a redução das percepções errôneas; metaforicamente, levantam a névoa, tornando mais precisa a “visão” do jogo. Outras funções criam ou mantêm a incerteza, esperando a névoa.

Além disso, é necessário considerar que, em Teoria dos Jogos, ao se jogar o jogo se está em constante mudança. O pensar, o agir, o olhar, a colaboração competitiva, a rede de valor que forma o jogo é desenhada, preparada, treinada; contudo, transformações existem, são diversas, e afetam as partes envolvidas. Reconhecer e saber lidar com isso são fundamentais, pois a busca do equilíbrio é essencial para a Teoria dos Jogos, como se verá adiante.

Após a evolução dos estágios no processo de jogada rumo ao seu final, com atenção aos percalços que se enfrenta no caminho, chega-se, finalmente, à solução do jogo, isto é, à prescrição ou previsão sobre seu resultado. Esta ocorre quando, segundo Doria e Doria (1999), todos os participantes escolhem uma estratégia comum que, de certo modo, satisfaça todos os envolvidos. A partir desse momento, encaminha-se ao último elemento que compõe a Teoria dos Jogos, aos resultados obtidos, ou, como usualmente se emprega na linguagem de Teoria dos Jogos, ao payoff.