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Corpo, expressão e pensamento: desvios experimentais de liberdade

CAPÍTULO III – CORPO E DISCIPLINA NA ARTE CONTEMPORÂNEA

3.3. Corpo, expressão e pensamento: desvios experimentais de liberdade

Segundo Lula Wanderley (2002), quase todos conseguem identificar no cotidiano um objeto como “obra de arte”, embora dificilmente consigam conceituar o que é arte. Todavia, sabe-se que, consensualmente, toda arte é uma forma de comunicação com o outro intermediada por um suporte que se nomeia de “objeto de arte”, possuidor de atributos majoritariamente físicos ou conceituais. “Mas o que aconteceria se tivéssemos uma linguagem artística que não fosse essa expressão em um determinado plano, que eliminasse o suporte, e, consequentemente, em que não existisse “o objeto de arte”? (Ibid., p.17). Seria necessariamente uma linguagem orgânica que se expressa não apenas pela palavra que foi provocada por mediações e por objetos externos, que sustentam meras projeções e conceituações da realidade. Essa linguagem se expressaria por meio de uma elaboração experimental de um corpo integral, não fragmentado. Nos termos de Lygia Clark:

[...] O objeto perdeu o seu sentido como meio de comunicação e o homem entra como temática sendo o objeto de si mesmo e do outro. Mas aí o expressar-se era ainda uma projeção e hoje já não se trata de projeção, mas ao contrário de introversão. Receber em bruto as percepções, vive-las, elaborar-se através do processo, regredindo e crescendo para fora, para o mundo. Anteriormente, na projeção, o artista sublimava os seus problemas através dos símbolos, figuras ou objetos construídos (CLARK, 2006, p. 350-351).

Diferentemente das produções de arte que consideraram o corpo como suporte da obra ou, em outro sentido, como espetáculo, as proposições de Lygia Clark revelavam o corpo enquanto uma imensa trama de sentidos que se estende e se distende a partir da experimentação, do ato. Por essa ótica, o corpo, como expressão e pensamento, é concebido no entrecruzamento de conceitos e processos, de ação e reflexão, ou seja, essas dimensões aparecem conjugadas no contexto da experiência estética.

A arte, pois, como expressão da trama do ser por dentro – não imitação, re-presentação ou fuga – e, neste sentido, testemunho e rebento de uma reversibilidade irredutível (do expresso e da expressão, do signo e do sentido, do corpo e do espírito, de mim e de outrem, da palavra e do silêncio) no que toca a experiência do ser. Traços estes que circunscrevem a verdade no crivo da abertura e da coexistência e, com isto, do inacabamento da linguagem, da ação e do pensamento, compreendida, em última instância, como coesão sem conceito e, deste modo, não adequação (SANTOS, 2013, p. 12). Nessa perspectiva, o corpo, ao ser posto do avesso, se impregna do rumor do mundo externo, confundindo-se com ele sem, contudo, constituir uma identidade fixa e permanente, apenas um esboço provisório por suas inerentes

diferenciações/singularidades, tendo em vista que o corpo se realiza no espaço do mundo, com o qual nunca atinge uma estabilidade. “É preciso estar sempre captando. A expressão é, portanto, imanente. As coisas não são eternas, mas precárias” (CLARK apud MORAES, 2001, p. 173).

Neste capítulo percorreram-se algumas tendências em meio às produções da arte do século XX nas quais o corpo foi apreendido como parte indispensável das obras e que, embora fragmentado, desconstruído, distorcido era objetivado e facilmente identificado ou, em outros casos, pulverizado em uma multiplicidade de referências históricas, sociais, políticas, religiosas, etc., em que não existia um aspecto que lhe restituísse a sua organicidade. “Em todas essas abordagens, há sempre uma ideia de prolongamento do corpo – o corpo individual está expandido em seus desdobramentos conceituais e, ao mesmo tempo, na acepção plástica da obra” (VIEIRA, 2009, n.p.).

Como se viu, nas proposições coletivas de Lygia Clark, entretanto, os corpos individuais dos participantes tornavam-se um “todo orgânico” ou uma “arquitetura viva” (Ibid.). “Trata-se de um abrigo poético onde habitar é equivalente do comunicar” (CLARK apud MILLIET, 1992. p.131). As ações, através dos gestos dos participantes, construíam um corpus-obra, dito em outros termos, uma obra com qualidade de corpo, considerando que “Ser corpo é estar atado a um certo mundo” (MERLEAU-PONTY, 2011a). A criação do sentido de organicidade ratificou a redescoberta de um mundo atado ao nosso corpo e a imbricação de um no outro, “a arte passou [então a] ser concebida como linguagem primeira, anterior a qualquer representação, [tendo em vista que] com a experimentação Clark queria transmitir uma maneira de estar no mundo.” (BITTENCOURT, 2002, p. 174). Nesse sentido, o corpo fala, expressa-se, seja diretamente, através de comportamentos, seja provocado por meio dos órgãos dos sentidos, elementos de ligação com o mundo. A língua do corpo é feita de sensações – táteis, visuais, gustativas, olfativas, auditivas (Ibid., p. 205), por conseguinte, o corpo é a expressão de uma conduta e, ao mesmo tempo, criador de seu sentido a partir de uma intencionalidade esboçada que exige a sua complementação. “Antes da expressão há apenas uma ausência determinada que o gesto ou a linguagem procura preencher e completar” (FURLAN; BOCCHI, 2003, 449).

As produções que movimentaram a fronteira da modernidade deslocando suas bases nos termos da contemporaneidade, resguardadas as suas diferenciações internas, exerceram uma crítica contundente aos processos de representação do mundo, tanto ao pensamento de sobrevoo da ciência e da filosofia quanto à objetividade e à racionalização da arte. Foi necessário deslizar todos esses processos até as sensações da

vida, arrebentar os quadros dos processos usuais de elaboração de significações, por meio da abertura dessas ações para dimensão da vida, aliando conceitualismo (pensamento, reflexão) e participação corporal (gestualidade, movimento e rituais do corpo). Em outros termos, as proposições mais próximas do caráter vivencial não excluíam o rigor na elaboração dos processos. Acerca desse movimento de ruptura propalado no campo da arte, Celso Favaretto (1994, p. 9) disse que os artistas fronteiriços, embora de tendências diversas:

Pretendiam ser contundentes na ruptura dos códigos de produção e recepção, na dissolução dos comportamentos que habitualmente envolviam o campo da arte e na contribuição para novos aprendizados perceptivos, reflexivos e vivenciais; individuais e coletivos. Liberar significações, propor condições de apropriações diversificadas delas e, principalmente, gerar possibilidade para a elaboração de novas significações. Desaparecem a pintura e o objeto; surgem experiências em que confluem arte, psicanálise, expressão corporal, teatro – nenhuma delas em especial, pois o interesse está no que acontece nas interseções, nos atos e nos processos de investimento do desejo. Nessa perspectiva, o corpo é o lócus onde se desenrola a trama que atribui sentido e corpo ao desejo, sendo também um meio de expressão e sede das pulsões. A cada expressão do corpo vemos a ocorrência de outros modos de existência possíveis do homem, é nesse movimento que reside a liberdade da experimentação, a possibilidade de modelar (criar) as formas, “não mais condicionadas pelo desempenho funcional e sim pela vitalidade da imaginação, converte a expressão do pensamento em fonte de prazer. Os gestos soltam os movimentos, descobrindo novos modos potenciais de convívio em sociedade” (BITTENCOURT, 2002, p. 191). A expressão poética (do fazer) resulta da interação entre a linguagem viva do corpo e o pensamento, produzindo uma nova linguagem. Contudo, não há como codificar a experiência, uma vez que é aberta ao acontecimento do ato, é a linguagem experimentada com todos os sentidos do corpo, fora dos limites e enquadramento gramaticais e verbais da linguagem (Ibid., p. 199). Esse tipo de linguagem deforma, pois, além de ocultar os nossos pensamentos, contribui para nos escondermos de nós mesmos. Nos termos de Mário Pedrosa a linguagem enquadrada é:

Veículo automático da tradição, por intermédio dela recebemos prontinhas as receitas de muitas de nossas atitudes morais. E a esta nos habituamos, desde crianças, a absorver e a transmitir às gerações sucessivas. A arte e a psicologia se empenham hoje em acabar com a separação crescente entre a ciência moderna e o modo rotineiro de pensar e sentir do homem atual. Temos de retomar o contato com a coisa, e não com a relação conceitual dela na nossa mente

burocratizada. Pensar nas coisas é raciocinar como se elas não estivessem ausentes. É experimentar (PEDROSA, 2015, p. 68-69). Nesse sentido, o crítico ratifica que não se deve buscar um substituto verbal ou um nexo narrativo para a experiência estética. O conceito, instrumento indispensável a um pensamento de sobrevoo abstrato, confere ao pensamento “esse caráter convencionalizado, seco, vazio de conteúdo e de seiva, limitando a sua maneira de processar-se ao mecanismo discursivo.” (Ibid., p. 70).

O movimento e a expressividade corporal escapam às construções dos sistemas que buscam uma verdade estável e acabada. Nem a perspectiva naturalista, em que a expressão corporal, realizada através do movimento, é considerada anterior e independente da linguagem verbal, nem, em outro sentido, a interpretação discursiva, onde a expressão só é possível por meio da linguagem verbal. Ambas as concepções não esquecem o paradoxo e a ambiguidade inerente a nossa condição de ser corpo que é, simultaneamente, física, sensível e linguística (FERNANDES, 2007).

O corpo humano é um local de relação entre paixão e ação, entre impressão e expressão, entre percepção e movimento. É uma tela de projeção para obsessões imaginárias e o instrumento próximo às fantasias pressionando para serem encarnadas e realizadas. O corpo oscila; ele não é inteiramente um campo, não inteiramente meio. Ele pode ser descrito e ele pode falar. Ele flutua entre sintoma e símbolo. A oscilação provavelmente descreve a figura oito de um Anel de Moebius. Ele nunca é inteiramente visível (KAMPER, 1988, p. 46). Por conseguinte, não há fragmentação entre pensamento e gesto na linguagem do corpo, como se vê nos sentidos construídos artificialmente por meio de conceitos, linguagem, afetos e através da cultura, de modo geral. Na concepção fenomenológica de Merleau-Ponty, a relação da linguagem com o repertório gestual, como expressão corporal e as diversas possibilidades abertas pela arte, notadamente pela pintura, associam-se com o silêncio, enquanto “a linguagem diz, as vozes da pintura são as vozes do silêncio” (MERLEAU-PONTY, 2013b, p. 117). O silêncio mencionado pelo filósofo é o dos gestos, que são poderosos criadores de sentidos, de significação, um meio capaz de “admitir uma verdade que não se assemelhe às coisas, que não tenha modelo exterior, nem instrumentos de expressão predestinados e que seja, contudo, verdade” (Ibid.). Nesses termos, a verdade como não adequação é abertura que ocorre em situação e não se dá por encerrada. Essa verdade é nutrida na experiência do artista, onde o movimento é expressão atual e não uma representação de um movimento ausente. O artista converte o movimento em expressão, em uma indistinção entre a expressão e o expresso que é, por assim dizer, a verdade em ato (SANTOS, 2003).

É no desvio que a arte promove a liberdade. A partir de uma ressensibilização da existência e da sua capacidade de comunicação que coloca em xeque as supostas verdades absolutas, arrebentando a pele das coisas e abrindo caminhos até então desconhecidos, através de um gesto expressivo e autêntico de liberdade. “A liberdade reconhecida e cultivada no domínio da arte deve se estender a todos os outros domínios. Uma revolução da sensibilidade é capaz de alcançar o âmago do indivíduo, para que ele possa olhar o mundo com novos olhos.” (D’ANGELO, 2011, p. 55-56). Não se está, contudo, defendendo um tipo de mito salvacionista da arte, mas sim “cavando para fora”, abrindo a sua história e as suas produções de ruptura com os academicismos, dogmatismos e cânones para fazê-la reverberar em outros domínios, no caso específico desta pesquisa, na educação.

A expressividade do corpo e a dimensão sensível foram interditadas ao longo da história da formação do homem e, obviamente, esse contexto repressivo se estendeu para todos os âmbitos da sociedade, como se viu no breve panorama da arte na segunda metade do século XX. As relações de poder revestiram as instituições de um caráter disciplinador e domesticador nos processos formativos, notadamente por meio do cerceamento e do alijamento do corpo e das suas disposições sensíveis e orgânicas. A padronização dos gestos, das condutas e dos movimentos desinvestiram as nossas capacidades expressivas, inventivas e comunicativas, em favor de uma postura servil e desencarnada, imposta por sistemas arbitrários de pensamentos dogmáticos ou racionalistas em sua origem, que procuraram, a despeito dos fatos naturais, impor o modelo lógico ou intelectual ao mundo da vida orgânica. Diante desse cenário, ratifica- se a adoção do que Herbert Read, em seu livro A educação pela arte (2001), designou, com base na psicologia analítica de Jung, como função da educação:

Será a minha intenção mostrar que a função mais importante da educação diz respeito a ‘orientação’ psicológica, e que, por esse motivo, a educação da sensibilidade estética é de fundamental importância. É uma forma de educação da qual apenas traços rudimentares são encontrados nos sistemas educacionais do passado, e que só aparece de maneira muito acidental e arbitrária na prática educativa de hoje. Deve ficar claro, desde o princípio, que o que tenho em mente não é apenas a ‘educação artística’ enquanto tal, o que seria mais adequadamente chamado de educação visual ou plástica: a teoria a ser apresentada compreende todos os modos de auto expressão, literária e poética (verbal), bem como musical e auricular, e constitui uma abordagem integral da realidade dos sentidos nos quais a consciência, e, em última instância, a inteligência e o julgamento do indivíduo humano estão baseados. É só quando esses sentidos são levados a uma relação harmoniosa e habitual com o mundo externo que se constitui uma personalidade integrada (READ, 2001, p. 8).

Read (2001) admite que temos dois estados existenciais internos que podem ser exteriorizados por meio das faculdades estéticas. O primeiro é somático, que armazena imagens que não derivam da percepção exterior, mas das tensões musculares e nervosas de origem interna. O segundo, mais denso e significativo do que os estados proprioceptivos, são os níveis da personalidade mental subconscientes, cujas características entram no primeiro plano da nossa consciência sob a forma de imagens, por meio de sonhos ou período de sonolência. Para o crítico de arte britânico, essas imagens mentais constituem uma forma de expressão, uma linguagem que pode ser ‘educada’. “Trata-se de um dos elementos fundamentais de todas as formas de atividade artísticas. Teremos de considerar até que ponto essa atividade imaginativa, enquanto tal, pode ser incentivada por nossos métodos educativos” (Ibid., p. 9). Por essa ótica, ambas as atividades mentais, a percepção (como princípio da forma) e a imaginação (como princípio da criação), em interação dialética, esgotam todos os aspectos psíquicos da experiência estética.

A proposta de educação estética de Herbert Read segue o viés interpretativo da psicologia analítica de Jung, mas também dirige um olhar retrospectivo para as propostas educativas que estabeleceram suas bases referenciais na arte, desde a função da arte no projeto educativo da Grécia clássica, sustentado por Platão, até a defesa de uma formação estética do homem, desenvolvida por Schiller. Nas distintas perspectivas filosóficas toda a discussão em torno da arte no processo educativo estava amplamente enredada no desenvolvimento singular do indivíduo, mas também em sua integração à unidade social, à comunidade. A educação estética, nesse sentido, só pode ser estabelecida fundada em uma proposta de sociedade democrática, no sentido libertário101 do termo, cuja função prioritária seja a de promover a integração social do indivíduo. Com o propósito de desenvolver as capacidades singulares do indivíduo, a educação deve, portanto, explorar todas as suas possibilidades expressivas, inicialmente restabelecendo os vínculos entre ciência e arte enquanto modos de apreensão de uma mesma realidade e, posteriormente, buscando integrar todos os aspectos psicofísicos imprescindíveis para uma única tentativa orgânica. Nesse sentido, “não há distinção entre ciência e arte, exceto quanto aos métodos, a oposição entre elas no passado deveu- se a uma visão limitada de suas atividades” (READ, 2001, p. 12).

Historicamente os processos formativos tradicionais têm enfatizado o desenvolvimento das descobertas do pensamento lógico que isola, compara,

101 Herbert Read, embora não tenha sido filiado a um grupo anarquista, declarou-se anarquista com

correlaciona e estabelece os conceitos abstratos. Não restam dúvidas de que as teses que investiram no conhecimento infantil como, por exemplo, a de Claparède102 sobre o

funcionamento da mente da criança e a epistemologia genética de Piaget103, estabeleceram as bases fundamentais para a compreensão dos processos mentais e seus efeitos nos modos de expressão da criança. Contudo, não se pode ignorar a relevância dos modos de expressão visuais e plásticos (imagéticos), que dentro dos sistemas tradicionais de educação acabam por ser reprimidos até o seu aniquilamento. A essa tendência deve-se se colocar em frontal combate, com o propósito de preservar não apenas a função da imaginação e a unidade da percepção, mas também para promover as trocas vitais entre a mente e os eventos concretos do mundo, além da contínua alimentação da psique do indivíduo a partir dos níveis mais profundos da mente (Ibid., p. 184). O não reconhecimento da imaginação como modo de expressão e construto de conhecimento tende a afastar cada vez mais a arte do processo de aprendizagem. Em uma análise sobre a ausência da arte no sistema de educação e as consequências dessa realidade para a civilização, publicada originalmente em 1963, Herbert Read atestou que:

A arte da criança declina depois da idade de 11 anos porque é atacada por todos os lados – não apenas excluída dos currículos, mas também da mente, pelas atividades lógicas que chamamos de aritmética e geometria, física e química, história e geografia, e até a literatura da maneira como é ensinada. O preço que pagamos pela distorção da mente adolescente é altíssimo: uma civilização de objetos hediondos e seres humanos disformes, de mentes doentes e lares infelizes, de sociedades divididas e equipadas com armas de destruição de massa. Alimentamos esses processos de dissolução com nosso conhecimento e nossa ciência, com nossas invenções e descobertas, e nosso sistema educacional tenta manter-se no ritmo do holocausto; mas as atividades criativas que poderiam sanar mente e tornar belo nosso meio ambiente, unir o homem com a natureza e nações com nações, nós as descartamos como se fossem fúteis, irrelevantes e vazias (READ, 2001, p. 185).

A experiência da arte e a sua possível função na educação não devem, entretanto, ser reduzidas à mera compreensão e ao exercício formal artístico e perceptivo, embora possam conter tudo isso (FAVARETTO, 2010), a sua função deve seguir, sobretudo, o fluxo arte e vida. Nesse sentido, é preciso abrir caminhos para uma formação capaz de provocar certa atitude estética, não apenas no tocante ao que se pode chamar de “obra de arte”, mas em relação à vida, com suas contradições, desvios e

102 Cf.: CLAPARÈDE, É. Psicologia da criança e pedagogia experimental. (A. Mata Machado Filho e

T. Pereira, Trad.). 11ª ed. Belo Horizonte: Imprensa oficial, 1934.

incertezas, uma atitude estética na qual se pode incluir qualquer proposta de educação, escolarizada ou não (PEREIRA, 2011). Por esse motivo, não se busca aqui compreender a arte como um fenômeno estético, no sentido formal do termo, nem mesmo deter-se em análises pormenorizadas em torno dos resultados das obras dos artistas elencados. Trata- se de abrir o processo de criação artístico, que amplia as nossas capacidades expressivas, para a possibilidade de uma formação de caráter integral, cujo exercício aponte para a liberdade humana.

A educação é incentivadora do crescimento, mas, com exceção da maturação física, o crescimento só se torna aparente na expressão – signos, símbolos audíveis ou visíveis. Portanto, a educação pode ser definida como o cultivo dos modos de expressão – é ensinar crianças e adultos a produzirem sons, imagens, movimentos, ferramentas e utensílios. Todas as faculdades de pensamento, lógica, memória, sensibilidade e intelecto, são inerentes a esses processos, e nenhum aspecto da educação está ausente deles. E são todos processos que envolvem a arte, pois esta nada mais é que a boa produção de sons, imagens, etc. Portanto, o objetivo da educação é a formação de artistas – pessoas eficientes nos vários modos de expressão (READ, 2001, p. 12).

A ampliação dos modos de expressão do homem demanda uma revisão das práticas formativas que reservaram ao corpo e à dimensão sensível um espaço secundário, recusando as suas potencialidades imagéticas nos processos de construção do conhecimento. Para a reformulação dessas bases, coloca-se como necessidade premente a reativação do caminho de retorno às nossas disposições orgânicas, que institui e estabelece, como primeiro plano das nossas ações, a sensibilidade natural enquanto base de todo o desenvolvimento humano. Nesse sentido, “a preservação da sensibilidade requer um cuidado com os métodos pedagógicos para que os processos de criação não sofram interferências prejudiciais ao seu desenvolvimento.” (D’ANGELO, 2011, p. 62-63). Tendo um caráter eminentemente sensível, os processos de criação da