• Nenhum resultado encontrado

Esse primeiro subitem se dedica à descrição de aspectos da sociabilidade local que perpassam as diferentes gerações. São ações realizadas durante anos pelos habitantes e que, independente da idade, continuam a ser realizadas. Com certeza, existem várias “releituras”, no sentido de fazer entrar em contato as expectativas do futuro, as experiências do passado e algumas “vontades” que são postas a partir da agência dos diferentes atores envolvidos no processo. Poderia dizer que são práticas com releituras, como proposto por Ortner (1984, 2007), ou até mesmo discutido por Sahlins (1999) quando da chegada do capitão Cook.

O cotidiano de Várzea Queimada é marcado pelo intenso trabalho na roça. Todo o processo de obtenção de alimentos e outros recursos é realizado quase que exclusivamente com a mão de obra da família na terra, por meio do plantio do feijão, milho, mandioca e outros alimentos. A divisão das roças segue, como veremos adiante, a mesma divisão da vila: ela se organiza em torno de núcleos familiares, sob a gerência do pai patriarca. As terras são divididas após o casamento dos filhos (ou o nascimento dos netos), porém, todos continuam a trabalhar em todas as terras. A divisão, pelo que parece, serve apenas como forma de organizar a responsabilidade, visto que o trabalho é coletivo e, a rigor, está submetido ao pai.

Raras vezes as famílias realizam os plantios de forma individual. Além da participação dos membros do núcleo familiar nas plantações, em momentos específicos, outros membros da comunidade são

chamados, formando imensos mutirões coletivos, como, por exemplo, para a feitura do broque. O broque é o momento em que a terra é limpa antes do período de plantio: momento de trabalho pesado e que necessita da colaboração de mais pessoas, principalmente homens, para além do núcleo familiar.

A ida para a “chapada” (local das roças), como exposto anteriormente, é diária e vários são os afazeres, mesmo quando não é tempo de plantio, colheita ou cuidado com os vegetais plantados.

Por exemplo: é necessário limpar com regularidade a roça para “não criar mato”. A presença de mato ecoa como uma “falta de vergonha” do homem da família. As cercas, feitas com pequenos pedaços de paus extraídos de árvores da mata da região, também devem ser constantemente arrumadas, visto a presença de animais que podem cruzar as fronteiras, de um lado para o outro (seja os animais do proprietário da terra, seja outros animais que, atraídos pelas pastagens que crescem, passam os domínios de terras de outrem).

Constantemente, os homens abrem novas roças com a retirada das árvores que ainda vivem. Nem todo o espaço das terras é usado para o cultivo, visto a necessidade de deixar partes de mato virgem para a retirada de lenha para manter o fogão aceso. Além disso, o mato também é produtor de outros tipos de alimentos, como frutas.

O caju também é um produto cultivado em Várzea Queimada. Grandes áreas são destinadas ao cultivo de grandes ou pequenas árvores de caju, diferenciadas como “natural” ou “precoce” (grande ou pequena, respectivamente). As árvores de caju também precisam ser cuidadas. Estão sempre sob a observação do dono. O cajueiro é uma fonte riquíssima de obtenção de recursos financeiros na região, especialmente pela venda da castanha. A polpa do caju não é muito utilizada, apenas para o consumo da família in natura, com sucos ou para a alimentação de animais.

Quando da colheita do caju, que inicia em meados de julho indo até setembro ou outubro, todos os membros da família vão para a roça e, lá mesmo, separam a castanha do restante da fruta. A mão direita, fechada sobre o punho, gira segurando a castanha, apoiado na mão esquerda. Quando do consumo da polpa do caju, é pela castanha que a mão direita a sustenta, colocando o fruto dentro da boca.

Algumas vezes, as castanhas são “queimadas” para o consumo dos habitantes. Fogueiras, com lenhas da mata, são feitas no quintal das casas e as castanhas são jogadas no fogo. Aos poucos, estalos são ouvidos e o fogo aumenta consideravelmente. É a casca da castanha que estoura e o óleo respinga para todo o lado: todos falam que é necessário

ter cuidado para não se queimar. As castanhas são cuidadosamente retiradas do fogo com pequenos pedaços de pau e, após esfriar, são batidas com uma pedra sobre a outra. Uma pedra maior, de preferência lisa serve como base, enquanto outra assume a tarefa de quebrar a casca dura para retirar a castanha de seu interior.

A “chapada” é o espaço das “criações”. É lá que os animais são postos para viverem até o seu abate. As famílias costumam criar algum tipo de animal em suas terras: vacas, ovelhas cabras ou carneiros. Estes precisam ser diariamente alimentados. Homens se deslocam da vila para a chapada para dar água para os animais, visto a dificuldade de obtenção do líquido no sertão em dias de seca. Carneiros são os animais vistos como os mais resistentes ao clima sertanejo. Não precisam de muito cuidado dos donos e se alimentam com facilidade da vegetação da caatinga. Esses animais facilmente conseguem alimentos e, com seus pulos, alcançam espaços de difícil acesso para outros animais em busca de água.

Nas divisões das funções por gênero, é reservado aos homens o dever de cuidar dos animais no campo e prover a carne para a família. Isso se dá, principalmente, de duas formas: 1) criação de cabras, ovelhas ou boi/vaca; 2) caça de animais da fauna nativa. Requisito necessário para ser um bom homem é, como contam, saber cuidar bem dos animais, não os deixando se perder pela mata, boa parte ainda virgem.

A caça é realizada, geralmente, em grupo de dois ou mais homens do mesmo núcleo familiar (por exemplo, pai e filho). Dificilmente os homens saem sozinhos para caçar e sempre voltam com alguns animais. Além dos ainda hoje apanhados nas matas da região, como “lesh” e “peba”19

, são pontuadas no passado a caça de imensos veados, suficientes para a alimentação de toda a família por mais de uma semana.

Quanto às mulheres, a tarefa primordial está no cuidado da casa e das tarefas domésticas. Tarefa essencial, acima de tudo, é o preparo dos alimentos nas três refeições bem marcadas na localidade: café da manhã, almoço e jantar. Quase o tempo todo em torno dos fogões a lenha, as mulheres possuem como tarefa o cozimento do feijão, arroz e a mistura do dia a dia.

19

Como uma espécie de tatu é chamada na localidade. O tatu-peba é muito admirado na localidade e ainda encontrado pelas matas da região. O lesh nada mais é do que uma espécie de tamanduá-mirim, também muito apreciado pelos meus interlocutores de campo.

“Eu mesma, graças a Deus, nasci pra cozinhar pra marido e filho”, me dizia uma senhora moradora da comunidade, orgulhosa por nunca, em hipótese alguma, ter atrasado os momentos das refeições e sempre ter agradado os homens da casa com seu arroz bem cozido e o feijão muito bem preparado. Nesse dia, gastava a sua manhã (como as outras manhãs) cozinhando o feijão para deixar preparado para quando seus filhos (os dois que ainda moram com ela mais os filhos ou parentes que, porventura, cruzassem ou parassem na casa dela durante o almoço) chegassem para almoçar.

Além do preparo das refeições e do cuidado da casa, tarefas que já exigem dias e mais dias de trabalho, é tarefa da mulher a busca pela água no cotidiano familiar. Tanto água para beber, quanto água para “banhar” ou realizar outros serviços domésticos. É daqui que aparecem, sem dúvida, as grandes imagens lendárias do sertão do Brasil, mulheres com imensos potes de barro ou baldes de plástico na cabeça, lotados de água. E isso, mesmo que não tão estereotipado, aparece no cotidiano local como uma forte marca: a mulher deve deixar sempre água preparada para o consumo (beber) e água pronta para o banho de toda a família.

Em Várzea Queimada, antes da instalação da primeira caixa d’água (e do sistema precário de água), a água potável era retirada de pequenos poços cavados no interior da localidade ou de “vertentes” naturais. Água limpa não é fácil, dizem quase todos. Mas, nessa tarefa do improvável, as mulheres desafiam a gravidade com potes com mais de 10 litros de água na cabeça, mais filhos no colo e outros sendo puxados pela mão.

Em Várzea Queimada, não é de bom grado estar sozinho, nem em casa, nem na vida. A circulação constante de pessoas pelas casas, bem como o alto número de membros nas famílias e nas casas, auxilia os moradores a não ficarem sozinhos em casa. Dificilmente alguém é visto sozinho, seja em casa ou pela rua. Mulheres vão às novenas sempre acompanhadas. Passeios são realizados em grupos. Visitas são constantes e, dificilmente alguém dorme solitário em casa. Se isso acontece, uma rede gigante de solidariedade de forma para “não deixar sozinho” ou condolências são disparadas para aquela pessoa “coitado, passa a maior parte do tempo sozinho”.

Para não ficar sozinho “na vida”, é necessário que homens e mulheres se casem, e formem assim novas famílias. A busca pelo matrimônio pode ser vista em vários espaços e, em qualquer horário, pode ser um bom momento para esse encontro.

Nessa busca pelo matrimônio, é dever do homem ir à procura de uma esposa para casar20. O homem, em seu dever, precisa encontrar a esposa nos imensos rituais festivos elaborados em Várzea Queimada. Em festas, “festejos”, missas, visitas, ou até mesmo no dia a dia, a pretendente é cortejada e, a partir disso, o movimento de convencimento da família da futura esposa é iniciado. O casamento, de alguma forma, é a união entre duas famílias e ambos (não apenas a esposa e o marido) devem estar de acordo com a união.

Depois de encontrar a mulher desejada, inicia-se o cortejo, que se dá por meio de conversas, muitas delas ao pé do ouvido. O segundo momento é de namoro, momento em que a família de ambos precisa ficar sabendo (e aprovar). Nessa etapa, os beijos em público são permitidos e os enamorados podem frequentar um a casa do outro. O terceiro momento é o noivado, em que uma aliança é dada à noiva pelo noivo que também passa a usar um anel igual em sua mão direita. O casamento é o último degrau da escalada da relação afetiva, fato consumado na igreja, pelo padre – na comunidade ou na cidade. O casal, assim, sela o matrimônio, saindo da igreja “de mãos dadas”.

Se os homens precisam encontrar uma esposa, para as mulheres é reservado o dever de esperar por um marido. Um dever que precisa ser seguido com a presença nos rituais festivos e religiosos da comunidade, bem como, com a demonstração de sua capacidade de tomar conta da casa (com boas comidas e limpeza) e dos filhos. “Uma moça trabalhadeira” vale muito na localidade e possui alto status na roleta do casamento.

Uma das estratégias adotadas pelas mulheres para obter o casamento é fazer uma novena para São Gonçalo. Esse santo é visto como casamenteiro e é responsável por arranjar um marido para a solteira em busca de casamento. Após a novena e, caso o pedido seja realizado (com a obtenção do marido), a devota deve pagar a promessa com um número específico de rodas de São Gonçalo. O número de rodas e de anos em que essas rodas devem acontecer depende do grau de dificuldade de alcançar a graça, bem como, das promessas feitas para o santo casamenteiro.

20

Como veremos nos próximos capítulos, se a primeira geração de desbravadores da Várzea Queimada fez este trabalho para seus filhos (e propôs o casamento entre primos – especialmente os cruzados -), a segunda geração teve que ir em busca das pretendentes maritais.

A roda de São Gonçalo é dançada por mulheres, puxada por homens músicos. Mulheres da comunidade (e fora dela) são chamadas para participar da roda. Elas são dispostas em duas fileiras com igual número de dançantes. As filas são arrumadas de acordo com o número de participantes presentes no momento ritual.

“Caqueiros” especializados são chamados para puxar as filas no momento da dança. São, geralmente, quatro homens que tocam instrumentos feitos com a ponta do galho da carnaúba e outro pedaço da mesma planta. Além deles, geralmente, um sanfoneiro e, quando possível, um violeiro e um tocador de triângulo formam o quadro musical do ritual. De preferência, um homem “com voz boa” e que conheça toda a letra da música assume a primeira voz, sendo acompanhado, no momento do ritual, pelo canto das mulheres que dançam.

No altar há uma imagem de São Gonçalo (e na inexistência dela, a de outro santo de devoção da pagadora da promessa). Aos pés do santo é colocada uma quantidade de grãos de milho suficiente para todos os caqueiros comerem no encerramento de cada roda. Uma garrafa de cachaça é bebida como acompanhamento aos grãos de milho ingeridos pelos caqueiros.

A dança propriamente dita é composta por um número específico de rodas que diz respeito ao número de vezes que todas as mulheres devem dançar em frente ao santo. Pode durar de poucos minutos a mais de seis ou sete horas, dependendo do número de mulheres. Essas, que puxadas pelos caqueiros, devem dançar passando uma pela outra, em grupos de duas em cada fileira (totalizando quatro). E isso repetidamente até completar o número de rodas necessárias para a promessa ser paga e a devota estar em dia com o santo.

Os caqueiros retiram as mulheres que estão atrás da fila para dançar em frente ao santo e, quando acaba a dança, elas se posicionam em frente à fila. Quando a primeira a ser retirada está na sua posição inicial, no final da fila, a roda se dá como acabada e, dependendo da promessa, inicia-se outra roda.

Abaixo podemos visualizar a letra da música, cantada cada estrofe duas vezes, e repetida quantas vezes forem necessárias para completar o ritual.

Olé lele lele agora São Gonçalo vai embora

Faça uma roda bem grande, e vai na beira do rio Se o rio tiver muito cheio

Reze por Santa Maria Olé lele lele agora São Gonçalo vai embora Os homens que não tem rede Dormem no couro da vaca Olé lele lele agora

São Gonçalo vai embora São Gonçalo é homem velho Casamenteiro das velhas Olé lele lele agora São Gonçalo vai embora Essas moças que não dançam É que vieram rezar

Pra comer do meu arroz Beber do meu aluá Olé lele lele agora São Gonçalo vai embora São Gonçalo de Fulo

[Nome da pagadora de promessa] mandou buscar Pra pagar uma promessa

Pois aqui neste lugar

A ordem das estrofes é modificada de acordo com os cantadores. Não há, necessariamente e em seu uso prático, um posicionamento específico. Os cantadores são acompanhados pelas mulheres das filas que dançam com os pés descalços, geralmente, em passos duplos. É valorizado quando, em meio às mulheres dançadoras, há alguma que se aventura com a filha ou filho pequeno no colo. Ao final, todas estão muito cansadas, visto a noite dançada em homenagem ao santo.

É interessante que a música da promessa que deve ser paga para o santo nos lembra a sua especialidade: casamentos e, especialmente, de mulheres velhas. Promessas feitas, a longa data em Várzea Queimada, e que, não raras vezes, continuam sendo pagas pelas gerações posteriores à devedora.

Tive a oportunidade de participar de mais de um ritual para São Gonçalo. Em um deles, fiquei durante toda a festa que foi de mais ou menos 8 horas da noite até às 3 horas da manhã. A pessoa que estava pagando promessa (que voltou a Várzea Queimada, saído de São Paulo) terminava a obrigação da mãe, já falecida. Todos convidados e mulheres dançando em torno do santo. Aos homens, além dos necessários para o

desenvolvimento das rodas, é dado o direito de assistir as mulheres na maratona de danças ao santo.

Nesse caso que aqui relato, quase todos os parentes estavam na casa da devota. Incluindo homens. Enquanto as mulheres dançavam, os homens assistiam e, vez por outra, saiam do local do evento para locais vizinhos que, em função das rodas de dança, também ficavam cheios. Os bares próximos da casa foram lugares certos para aqueles que, nos intervalos, passavam por lá para tomar alguma coisa ou somente jogar uma sinuca.

O que as pessoas falam é que hoje as meninas não fazem mais esse tipo de promessa. Porém, as meninas jovens também dançam as rodas. Dançar as rodas de São Gonçalo também é uma forma de pedir auxílio para o santo casamenteiro. Interessante que, mesmo com os relatos de que as promessas não estão mais sendo feitas, elas continuam sendo pagas e, dessa forma, as rodas de São Gonçalo continuam como um evento ritual em Várzea Queimada. Como dito, dançar para o santo, em uma roda qualquer, também pode ser visto como uma forma de devoção.

A dança de São Gonçalo (e todo o processo que antecede e sucede a performance) é um evento importante para esta tese. Ela aponta para uma estratégia marital adotada pelas mulheres e engloba todos no culto ao santo. Surge como uma possibilidade de casamento para aquelas que, por um motivo qualquer, não conseguiram encontrar um esposo. O tornar-se esposa (e ter um marido) é uma forma de fazer com que a mulher em Várzea Queimada saia do status de extremamente dependente do pai e da mãe, ganhando a sua própria casa e, principalmente, sua própria cozinha e “muringas”21

.

Porém, há outra forma de obter uma independência da família paterna. Essa forma é tendo um filho ou filha, mesmo que sem marido. As mulheres com filhos geralmente possuem os mesmos benefícios das casadas. Ganham uma casa dos pais e um pedaço de terra para plantar, com a divisão dos produtos obtidos pelo plantio das roças. A autonomia das mulheres com filhos que, aqui, chamaria de relativa, não se dá por completa, pois elas ainda estão subordinadas ao desafio do casamento.

21

Muringa é o nome dado às garrafas utilizadas para o armazenamento de água, seja ela para beber ou para tomar banho ou lavar a casa. Uma mulher deve, também, cuidar bem das muringas e uma casa montada é uma casa que seja auto sustentável em termos de muringas (suficientes para o armazenamento de água para o consumo de toda a família)

A tarefa de cuidar dos filhos e, principalmente, de tê-los é uma das mais valorizadas entre (e para) as mulheres. Percebemos, facilmente, as diferenças no número de filhos gerados pelas mulheres no decorrer dos anos. Mais de dez filhos vivos (e isso não contando os anjinhos22) são a base da família em épocas de outrora. Mulher boa, de alguma forma, é uma mulher que consegue ter muitos filhos e tomar conta de todos.

A transformação feminina pode se dar, assim, nas duas instâncias que podem estar vinculadas, mas também separadas uma da outra. Contemplando uma delas (tendo como ideal as duas), a mulher transforma seu status e passa a circular por outras esferas da socialização, com outras responsabilidades.

Caso a mulher que já tenha filhos venha a se casar novamente com um homem que não seja reconhecido como o pai, o filho desta, quando solteira, fica sob a responsabilidade dos seus pais. Aliás, a relação do filho da mulher solteira com os pais é um pouco tênue, visto também a responsabilidade dos pais em auxiliar no cuidado das crianças. Porém, cabe salientar, que a decisão final sobre a criança quanto às formas de cuidado é da mãe biológica, ou seja, da mãe ainda solteira.

Não raras crianças, filhos de mães não casadas, são dadas para os pais da mulher (avós da criança). Outras circulam por diferentes membros da família, o que faz com que a criança possua outro pai e mãe e a mulher retorne para o seu status de solteira. O filho, dessa forma, é um marcador de outro status da mulher, assim como o casamento.

Outra questão importante na sociabilidade local é o uso da reza e da benzedura no cotidiano local. Pude perceber que as práticas direcionadas à cura de certos malefícios são atribuídas aos mais velhos, seja pelo peso da idade e da experiência acumulada, seja pela impossibilidade dos mais jovens de ainda exercerem essa prática, ou seja, ainda, pela não aprendizagem dos mais novos.

22

Scheper-Hughes (1993) realiza algumas considerações sobre os “anjos” no nordeste, apontando que estes são crianças que, mortas no nascimento (ou com poucos dias de vida), são tidas como sendo anjos. Na Várzea Queimada existem vários “anjos”. Quase todas as mulheres mais velhas tiveram vários que são contados como tal, em detrimento de serem chamados de crianças. “Eu mesmo tive dois anjos”, é um tipo de fala recorrente. São anjos aqueles indivíduos que