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Crítica das Fontes

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3.1 A Paz para os Judeus

3.1.2 Crítica das Fontes

Importante o estudo relacionado à fonte dos ditos encontrados nos textos bíblicos, pois uma pequena parcela apenas dos escritos do Novo Testamento e de outras peças da literatura do cristianismo primitivo pode ser considerada como produto criativo de um autor individual. O recurso a fontes escritas era disseminado e determinou consideravelmente o conteúdo e a forma desses escritos (KOESTER, 2005, p. 47).

O Evangelho de Mateus é considerado o mais judaico de todos os Evangelhos em razão do número de citações de textos provenientes das Escrituras. As citações feitas por Mateus são objeto de investigação da crítica das fontes. Isto nos remete para o que se convencionou chamar de problema dos sinóticos. “Embora praticada de maneira esporádica e isolada desde meados do século XV, a crítica das fontes só se tornou verdadeiro método científico no século XIX” (MAINVILLE, 1999, p. 65).

No Novo Testamento, foi o problema sinótico que levou ao desenvolvimento das pesquisas relativas à crítica das fontes. Chamou-se sinóticos os três primeiros evangelhos: Mateus, marcos e Lucas. As semelhanças entre eles podem ser observadas tano na utilização e ordenação dos materiais literários como nas expressões adotadas pelos três autores. Este fato levou naturalmente a se colocar o problema da dependência literária: quem copiou de quem? (MAINVILLE, 1999, p. 66).

Como ensina Koester (2005, p. 162), o testemunho mais importante para a teologia escatológica das comunidades que transmitiram a palavra de Jesus é a fonte dos Ditos Sinóticos, também designada como “Evangelho de ditos Q”.

86 É um evangelho de ditos que pode ter sido composto já em torno do ano 50 d.C. com base em coleções ja existentes de ditos que haviam sido reunidos para fins catequéticos, polêmicos e homiléticos. As porções das falas sobre o envio dos discípulos que derivam de Q exigem uma vida ao desabrigo e o abandono de todas as posses (Q/Lc 10,2-12.16) Estes ditos revelam o perfil dos discípulos que deveriam adotar uma forma de vida itinerante. Este mesmo dito foi usado por Mateus capítulo 10, para ensinar os discípulos sobre o perfil dos enviados (KOESTER, 2005, p. 162).

Ferreira, (2012, p. 61s) afirma que provavelmente a fonte Q foi redigida por um grupo que conviveu com Jesus, ou estava bem próximo dele. Era o grupo do cristianismo primitivo Galileu. Estes textos são comuns nos atuais evangelhos de Mateus Marcos e Lucas. Esse documento continha ditos sobre o “filho do homem” e o “Reino de Deus”, e acenos apocalípticos e éticos do dia a dia.

Jesus, na fonte Q é bem humano, ocupado com a vida concreta das pessoas. A comunidade de Mateus encontrava-se na Galileia, portanto bem longe de Jerusalém, do Templo. Este não era problema para a Galileia. Também não falava em “Lei”, porque esta não fazia parte de suas preocupações. Não eram encontrados títulos cristológicos, como salvador (soter), na fonte Quelle. Quando Jesus era chamado de senhor (Kyrios) era com “s minúsculo”. O julgamento estava muito próximo do juízo, onde os pobres eram felizes. A expressão “filho de Deus” não definia um eixo cristológico. Ser filho de Deus era privilégio de todos que cumpriam os ensinamentos de Jesus (FERREIRA, 2012, p. 62-63).

A vinculação entre os evangelhos sinóticos tem como característica uma relação de proximidade e distância. Mateus e Lucas possuem maior volume de material. A descrição da tentação de Jesus é bem mais desenvolvida em Mateus e Lucas (Mt 4,1-11; Lc 4, 1-13), do que em Marcos (Mc 1,12-13) (LEONEL, 2013, p. 14).

O Evangelho de Marcos omite o período da infância de Jesus, enquanto Mateus e Lucas o fazem (Mt 1-2; Lc 1-2). Alguns sermões como o do Monte, (Mt 5-7), o da Planície (Lc 617-49) e o Sermão do envio em Mateus (10), e também o capítulo 23 de Mateus não se encontram em Marcos. Entre os sinóticos não há apenas diferenças na comparação entre Mateus e Lucas com Marcos. Entre Mateus e Lucas também há consideráveis divergência (LEONEL, 2013, p. 16).

Ainda, Leonel (2013, p. 42) citando Stanton argumenta que é necessário que o estudioso dos evangelhos agregue aos elementos literários de análise um estudo contextual sério no qual eles se apresentam.

Na crítica moderna a prioridade e a importância da tradição oral na formação dos evangelhos são quase universalmente aceitas. Os textos de Q (Quelle) eram

87 comuns em Mateus e Lucas. Eles eram os que aproximavam do Jesus histórico. Muitas colocações poderiam ser do próprio Jesus. Para Quelle, era vital compreender o homem Jesus. (FERREIRA, 2012, p. 64).

Leonel (2013, p 86) comenta que mais do que promover a expansão dos discursos emprestados de Marcos, o narrador mateano inclui outros, provenientes em sua maior parte da fonte Q. São eles: o sermão do Monte, (Mt 5-7) e o discurso sobre a missão dos discípulos, (Mt 10), para a qual absorve apenas Mc 3,14-19 e 6,8-11, situados em um contexto não discursivo. Apesar da presença de segmentos de Marcos, o capítulo 10 de Mateus pode ser considerado como um discurso presente

apenas neste evangelho54.

No campo da pesquisa bíblica a questão sinótica adotou com mais precisão a teoria das “duas fontes”. Na crítica moderna o termo “problema sinótico” indica o problema que surge das relações entre Mateus, Marcos e Lucas e comporta o problema das origens (MACKENZIE, 2015, p. 810). Quando um texto parecido aparece em Marcos, Mateus e Lucas significa que os dois últimos se fundamentaram em Marcos. Quando aparece só em Mateus e Lucas significa que a fonte foi Quelle (FERREIRA, 2012, p. 66).

Nesse caso podemos concluir que esse dito provavelmente teve origem em Quelle e pode ter sido proferido por Jesus. Como não é possível comprovar se Jesus o disse de fato, Mateus o atribuiu a Jesus, por ter sido provavelmente proveniente de Quelle.

Leonel, (2013, pp. 16-19) observa que “a consciência de que há

interdependência entre os evangelhos sinóticos e a busca de soluções para essa questão, surgiu de modo consistente no século XVIII”.

Concluiu-se que os três evangelhos fizeram uso de uma fonte anterior a eles, oral ou escrita, e que Marcos seguiu de modo mais acurado tal fonte. Portanto, Marcos contém uma tradição dos evangelhos mais antiga do que os outros dois. O curioso é que esse material, oriundo dessas fontes, são colocados dentro de contextos

54A mais antiga composição sinótica deste gênero é o discurso com instruções para a missão,

transmitido em formas diferentes em Mc 6, (8s), 10s; Mt 10,7-14; Lc 9, 3-5 e em Q (Lc 10,1-16; Mt 10, 7-16). Trata-se de instruções na segunda pessoa do plural. As orientações sobre objetos que se podem levar têm seus paralelos mais próximos nas listas a respeito do traje e dos objetos de uso dos filósofos cínicos itinerantes. As instruções de Mt 10,5-11,1 apresentam a composição mais elaborada; Mt 10,5- 11: instruções sobre a viagem missionária; (V12-15) paz e maldição; (v 16-33), comportamento nas perseguições; (v 34-36) decisão e separação; (v 37-42) admoestações em forma condicional, relacionadas nos vv 40-42 ao comportamento para com os discípulos (BERGER, 1984, p 66).

88 diferentes pelos evangelistas para atender ao seu projeto, pensado para suas comunidades. Cada evangelista usou de forma independente também o produto de suas pesquisas. Com base nisso “são aceitas a existência de duas outras fontes: M (usada apenas por Mateus), e L (usada apenas por Lucas)”. (LEONEL, 2013, p 18).

Apenas em Mateus, em seu relato sobre a crucificação de Jesus, traz o extraordinário conto com um terremoto e do que parece ser uma ressurreição localizada, mas em grande escala, de mortos. Imediatamente após Jesus ter dado seu último suspiro. Mateus segue seu próprio caminho e levanta seus próprios problemas ele tem duas histórias, cada uma delas em duas partes, o que o distingue dos demais evangelhos: um par de terremotos, e uma guarda de soldados que é paga para que espalhem contos. Tem também a história do túmulo vazio, bastante parecida com a de Marcos, embora com diferenças significativas (WRIGHT, 2013, p. 874).

A crítica das fontes tem a finalidade de examinar o texto com o objetivo de reconstruir materiais escritos mais antigos (ou fontes) que estão atrás do texto atual e a partir dos quais o texto final foi composto (MAINVILLE, 1999, p. 65).

A crítica textual, a crítica literária e a crítica das fontes, são importantes instrumentos para uma interpretação moderada das escrituras. Muitos métodos interpretativos foram propostos para os textos bíblicos desde o período do cativeiro na Babilônia, ou seja, o período do segundo Templo. Questão de Mateus com os líderes judaicos, no tocante às Escrituras, em parte se deve à forma como estes a interpretavam. Isso significa que já naquele tempo se praticava com certa liberdade métodos e técnicas de interpretação das Escrituras. A busca de sentido do texto e a intenção do autor, são prioridades na análise proposta de Mateus 10, 34-36.

Não podia haver nenhuma interpretação definitiva da Escritura. Essa ideia foi defendida já nos primeiros dias em Yavneh (Jâmnia), quando o rabino Eliezer envolveu-se numa irredutível discussão com seus colegas sobre um preceito legal (halachá) (ARMSTRONG, 2008. p. 89).

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