• Nenhum resultado encontrado

Download/Open

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Download/Open"

Copied!
109
0
0

Texto

(1)

0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ELENICE FÁTIMA DE OLIVEIRA

A PAZ E A ESPADA NO EVANGELHO DE MATEUS

GOIÂNIA 2016

(2)

1 ELENICE FÁTIMA DE OLIVEIRA

A PAZ E A ESPADA NO EVANGELHO DE MATEUS

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião, como requisito para a obtenção do grau de mestre.

Professor: Dr. Joel Antônio Ferreira

GOIÂNIA 2016

(3)

2

O48p Oliveira, Elenice Fátima de

A paz e a espada no evangelho de Mateus[ manuscrito]/ Elenice Fátima de Oliveira.-- 2016.

109 f.; 30 cm

Texto em português com resumo em inglês Dissertação (mestrado) -- Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião, Goiânia, 2016

Inclui referências

1. Bíblia - N.T - Evangelhos. 2. Bíblia - N.T - Mateus. 3. Judaísmo. 4. Paz - Aspectos religiosos. I.Ferreira, Joel Antonio. II.Pontifícia Universidade Católica de Goiás. III. Título.

(4)
(5)

4

Dedico este trabalho ao meu esposo e companheiro Kaley Duarte Folha, pelo apoio, incentivo e compreensão nas minhas ausências.

À minha mãe Jovita Borges de Oliveira, pelo incentivo e apoio.

(6)

5 AGRADECIMENTOS

A Deus pela oportunidade de dialogar um pouco mais com as Escrituras através desta importante pesquisa.

À Pontifícia Universidade Católica de Goiás, na pessoa de seu digníssimo Reitor Dr. Wolmir Therezio Amado.

Á Escola de Formação de Professores e Humanidades

Ao meu orientador Prof. Dr. Joel Antônio Ferreira por todas as suas contribuições que possibilitaram o êxito deste trabalho.

A todos os professores do curso de Mestrado em Ciências da Religião, com os quais convivemos e dos quais absorvemos conteúdo de qualidade e compartilhamento de suas experiências.

A todos os colegas e amigos pela agradável convivência nesses dois anos, onde foi possível muitas trocas e assimilações.

Agradeço a minha amiga Dalva Pedro, pela agradável companhia em nossas viagens em busca de mais conhecimento e troca de experiências.

A todos os funcionários e servidores da Escola de Formação de Professores e Humanidades, com os quais convivemos durante todo esse período.

A todos os meus familiares em especial os meus sobrinhos Ítalo Roberto Borges de Jesus, Rodrigo Daniel Borges de Jesus e Alexandre Borges de Jesus, pela companhia, apoio e incentivo.

Aos meus alunos do curso de teologia, da Igreja Bethel do Setor Aeroporto, grandes incentivadores.

(7)

6

Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus; mas, aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai, que está nos céus. (Mt. 10, 32-33)

(8)

7 RESUMO

OLIVEIRA, Elenice Fátima. A paz e a espada no Evangelho de Mateus. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2016.

O Evangelho de Mateus é fruto de um trabalho coletivo produzido por uma comunidade de judeu-cristãos. A história dessas comunidades se confunde com a própria história de Israel. Os hebreus/judeus enfrentaram muitas resistências, por meio de uma sucessão de domínios e influências culturais, para construírem uma sociedade baseada na Aliança de Deus com o povo. Esses conflitos deram origem a muitas correntes de pensamento cultural/religioso, movimentos de libertação e grupos mistos. O movimento de Jesus foi um movimento messiânico/popular que defendia a renovação da Aliança e a resistência aos domínios. Os seus discípulos deram continuidade a esse movimento criando as comunidades de judeu/cristãos. O Evangelho de Mateus foi produzido para responder necessidades atuais da comunidade. Assim, este Evangelho traz o tema da paz e da espada em justaposição em Mt 10,34-36, para demonstrar a realidade da comunidade em crise com os líderes judeus da época e com o sistema da pax romana. Esta pesquisa trabalha este tema (A paz e a espada em Mateus) a partir da hipótese de que o Jesus de Mateus não se conforma com o sistema vigente e o subverte. O Evangelho de Mateus apresenta aos membros da comunidade um caminho alternativo.

Palavras-chave: Judaísmo, Evangelho de Mateus, comunidade de Mateus, paz, espada.

(9)

8 ABSTRACT

OLIVEIRA, Elenice Fátima. The peace and the sword in the Gospel of Matthew. Dissertation (Master of Religious Sciences), Pontific Catholic University of Goiás, Goiânia, 2016

The Gospel According to Matthew is a collective work produced by a community of Judeo-Christians. This communities history is intertwined with the Israel own history. Hebrews/jewels confronted much opposition, by a succession of dominations and cultural influences, to construct one Society based on God’s Alliance with the nation. These conflicts originated many schools of religious/cultural thoughts, liberations movements and mixed groups. The Jesus’s movement was a messianic/popular movement that defended the alliance renovation and resistance to dominations. Your disciples gave continuity to these movement making Judeo-Christians communities. The Gospel according to Matthew was produced to meet the community actual needs. Therefore, this Gospel brings the Peace and Sword theme in overlap in Mt 10, 34-36, to demonstrate the community in crisis reality with Jewish leaders of the same time and with the roman’s pax system. This search works this theme (Peace and Sword in

Matthew) starting to the hypothesis that Matthew’s Jesus does not conform to the

current system and subvert it. The Gospel according to Matthew presents to the community members an alternative way.

(10)

9 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 CONTEXTO SOCIO POLÍTICO E RELIGIOSO CULTURAL DA PALESTINA ... 16

1.1 Passos para se chegar ao JudaÍsmo ... 17

1.1.1 A esperança Messiânica dos Hebreus/Israelitas até o Judaísmo ... 26

1.1.2 O judaísmo após Esdras e Neemias ... 27

1.1.3 Configuração do judaísmo após a reforma de Esdras ... 28

1.2 O Período Macabeu e a Helenização da Cultura Judaica ... 31

1.3 Dominação Romana e o Nascimento de Jesus, o Cristo ... 36

2 O EVANGELHO DE MATEUS E A COMUNIDADE MATEANA ... 41

2.1 Autoria e data da composição do Evangelho de Mateus ... 42

2.2 Como Mateus apresenta o Messias ... 45

2.3 Grupos, Comunidades e Movimentos Judaicos no Novo Testamento ... 47

2.3.1 Essênios ... 48

2.3.2 Saduceus ... 50

2.3.3 Fariseus ... 51

2.3.4 Zelotas e sicários ... 53

2.4 Movimentos Populares e Proféticos e o Movimento de Jesus ... 54

2.5 Como Mateus situa os Fariseus no contexto de Classe e Status em Israel ... 58

2.5.1 Os fariseus no Evangelho de Mateus ... 61

2.5.2 Jâmnia ... 63

2.6 A Comunidade Mateana ... 66

2.6.1 A Comunidade mateana e o judaísmo formativo ... 70

3 A PAZ E A ESPADA NO EVANGELHO DE MATEUS ... 75

3.1 A Paz para os Judeus ... 76

3.1.1 Critica textual, crítica das fontes e crítica da redação ... 82

3.1.2 Crítica das Fontes ... 85

3.1.3 Crítica da Redação: Espada ... 88

3.2 Interpretando Mateus (10,34-36) ... 92

CONCLUSÃO ... 99

(11)

10 INTRODUÇÃO

Os Evangelhos são o resultado de um trabalho conjunto feito por comunidades que fizeram a opção de crer em Jesus, como o enviado de Deus. Eles, são a boa notícia de Jesus Messias, dada primeiro aos cristãos que se comprometeram com a sua vida e o seu projeto, e depois a todas as pessoas (STORNIOLO, 1991, p. 7). Assim, a fé se tornou um elemento indispensável para a construção da imagem de Jesus e para a elaboração de um vasto material narrativo sobre sua vida, obra, morte e ressurreição. Os Evangelhos também traduzem a forma como esses homens e mulheres se entregaram ao projeto de Deus, anunciado por Jesus, assumindo modo de vida condizente a essa fé.

Cada Evangelho narra, ou descreve, Jesus tendo como pano de fundo a realidade na qual está inserida a sua comunidade ou grupo. Entender esse contexto é indispensável para a interpretação dos textos que formaram cada Evangelho. Toda a Bíblia, bem como os Evangelhos, podem ser lidos de várias formas, sendo às vezes diferentes e até contraditórias as leituras. Isto se deve à distância que temos da realidade das primeiras comunidades que produziram esses escritos. Também é fato que há leituras diferentes porque somos diferentes e temos interesses diferentes. Somos pessoas situadas em contextos concretos (MOSCONI, 2004, p 8). A nossa realidade influencia a interpretação que damos àquilo que lemos.

A partir dessa perspectiva será investigado o texto de Mateus, com a intenção de compreender a intenção do redator final desse Evangelho. Estaria ele reproduzindo uma fala de Jesus, ou estaria fazendo uma interpretação, de forma intencional, para se encaixar na necessidade de sua comunidade?

Os textos que compõem os Evangelhos foram produzidos algum tempo depois da morte de Jesus, em diferentes lugares e por diferentes comunidades. Os Evangelistas estavam interpretando e atualizando o material informativo a respeito do Cristo. Os autores redatores dos evangelhos não tiveram a preocupação de simplesmente contar a História de Jesus, mas sim trazer a sua memória para dentro de suas comunidades, de maneira a significar como os cristãos deviam ser testemunhas do Mistério de Cristo vivo, nos diversos lugares e ao longo dos tempos (GALLAZZI, 2012, p 7). Em resumo, os evangelhos falam da mesma pessoa, contam a mesma história, de maneira diferente, porque diferentes eram os contextos e as pessoas que participaram da sua elaboração.

(12)

11 O Evangelho de Mateus reconta a história de Jesus de uma forma planejada, de acordo com um projeto elaborado, com a finalidade de retratar a sua própria realidade. Assim, a leitura que fizeram das práxis de Jesus tinha também a finalidade de influenciar o comportamento dos membros da comunidade. O Jesus de Mateus não se conforma com o sistema imperial da época e o subverte. Esta subversão de Jesus é mais que simplesmente resistência; é revirar, é inverter a ordem das coisas; é voltar de baixo para cima. É perverter o sistema imperial, político, religioso e social e isto deveria estimular os membros da comunidade a também persistirem na sua fé e ficarem firmes nela, diante das perseguições. O reinado de Deus e a nova justiça já havia despontado e haveria de prevalecer.

Entender um pouco mais do contexto que envolve a comunidade de Mateus é fundamental para a compreensão e para se obter respostas a muitas perguntas, sobre o conteúdo deste Evangelho, sobre a intenção do autor e sobre a expectativa da sua comunidade. Esta pesquisa tem por objetivo adentrar um pouco nos fatos históricos que contornavam essa comunidade. O nosso recorte recai sobre Mateus 10,34-36 cujo foco é “a paz e a espada no Evangelho e Mateus”. Entender paz e espada dentro de uma perspectiva histórica e dentro de uma perspectiva literária é o objetivo dessa pesquisa.

No primeiro capítulo faremos uma abordagem da origem, desenvolvimento e principais pontos da religião dos hebreus e também do judaísmo, as influências de fatos históricos sobre ambos, os principais períodos na história do povo judeu que trouxeram importantes modificações na visão cultural e religiosa desse povo, a interferência do helenismo, da pax romana, das correntes religiosas, políticas e mistas no período entre os testamentos.

No segundo capítulo serão abordadas questões referentes ao Evangelho propriamente dito, quanto à sua autoria, data, local, conteúdo literário, proposta do redator, intenção do autor, quanto à organização do material que compõe o Evangelho, fontes que este, possivelmente tenha se valido para compô-lo. A crítica textual, a crítica das fontes e a crítica da redação são considerados valiosos mecanismos de interpretação de todo tipo de literatura, principalmente textos tão antigos como os bíblicos. A formação de grupos, movimentos e correntes no período do segundo Templo. A comunidade mateana e sua relação com o judaísmo formativo. Provável local onde a comunidade mateana se encontrava. Os principais conflitos e tensões que refletem o contexto no qual a comunidade está inserida.

(13)

12 A questão da paz e da espada é o assunto do terceiro capítulo, devendo recair mais detalhadamente na perícope do capitulo 10, 34-36, onde será demonstrada a questão da paz para a comunidade judaica, tratada como uma dimensão teológica e/ ou uma questão social? Também acerca da espada, se investigará se possivelmente teria sido a arma que Jesus usaria em algum momento para subverter o sistema. O que isso significa no Evangelho de Mateus? Paz e espada, embora sejam termos antagônicos, em Mateus não se excluem, pois cada um a seu modo será um importante instrumento para a completude do projeto do Reino de Deus. Ambos fazem parte da história, tanto do Povo judeu, quanto das comunidades cristãs nascentes.

Dos Evangelhos sinóticos (visão comum), Mateus é o que mais faz citações do Antigo Testamento. Esse Evangelho é a porta de entrada do Segundo Testamento. Durante muito tempo foi considerado o mais importante dos Evangelhos e o mais lido nas comunidades. A vida, a obra, os ensinamentos, a morte e a ressurreição de Jesus, tiveram um significado para as pessoas que viveram à margem da sociedade da época. Esta situação de marginalidade se dera em virtude de um sistema despótico e cruel, que por séculos oprimiu e subjugou grande parcela dos habitantes da Palestina. Quais foram as principais vítimas desse sistema? Como elas reagiram? Para elas Jesus era sim, o Salvador, o enviado de Deus. Para a classe dominante, que se beneficiava com a situação de opressão, Jesus era apenas um agitador, um revolucionário, um inimigo do sistema que precisava ser silenciado, eliminado.

Essa relação tensa e ao mesmo tempo intrigante torna o Evangelho de Mateus, um livro profundo e ao mesmo tempo um instrumento de denúncia. A realidade social, política e religiosa, está bem desenhada nesse Evangelho, cujo redator final traz para a sua narrativa toda a tensão de uma comunidade em crise, vivendo em uma sociedade despótica e injusta. Vários são os fatores que contribuíram para a realidade retratada no Evangelho de Mateus, dentre eles, o político, o religioso, o cultural, o econômico, entre outros.

Paz e Espada, portanto, é o reflexo da tensão e da realidade vividas pela comunidade mateana. Não penseis que vim trazer paz à terra; eu não vim trazer paz, mas espada (Mt 10,34). Esta fala de Jesus, inserida no capítulo missionário, deve ser lida e compreendida dentro de seu contexto, sob pena de suscitar confusão e conflito com outros textos bíblicos que falam da missão pacificadora de Jesus (Is 9,6). O contexto no qual estava inserida a comunidade mateana revela a nítida oposição entre o judaísmo de Mateus e o Judaísmo conhecido como formativo.

(14)

13 O que encontramos nos vinte e oito capítulos do Evangelho de Mateus é o reflexo da dura realidade de uma comunidade de Judeu-cristãos, que viviam possivelmente, em Antioquia, na Síria. A palavra que melhor define esta comunidade é “resistência”. Indícios deixam transparecer que a comunidade mateana era composta, na sua maior parte, por camponeses. Algumas parábolas evidenciam as relações de trabalho e posse dos meios de produção, como a do semeador (Mt 13,3), a parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-30), do grão de mostarda, a parábola dos reis, descritas em Mt 18,23; 22,1; 25,14. Essa comunidade era formada por judeu-cristãos pós 70, e conviviam com a cultura helenística e judaica.

Saldarini (2000, p. 23), salienta que, “no século I, muitos grupos de seguidores

de Jesus ou eram partes integrantes da comunidade judaica ou ainda não estavam completamente separadas do judaísmo. Particularmente na grande Síria”.

Parece ser este o caso da comunidade mateana. Nisto se dá a tensão que percorre todo o Evangelho; O grupo de Mateus se vê diante da necessidade de estabelecer uma identidade própria, como seguidores de Cristo, e isto não estava no projeto de um judaísmo nascente, que tinha planos de se reorganizar após a destruição de Jerusalém, das instituições judaicas e do templo em 70 d.C. pelo general Tito, filho do Imperador Vespasiano. A questão é que esse novo judaísmo não tinha a pretensão de reconhecer Jesus, como Cristo, o enviado de Deus, então a comunidade mateana se viu diante da necessidade de influenciar e/ou de resistir.

Espada nesse contexto é um instrumento de juízo e este juízo depende da ação do próprio Deus, não é espada em seu sentido literal como se supunha e como esperavam que Jesus agisse (Mt 26,51). Ele era pacífico e pacificador. Mas era também fiel a Deus e ao seu projeto para a salvação dos que haviam se perdido. Em Mateus as sentenças de paz e espada juntas e colocadas no capítulo 10 tem como objetivo estimular a resistência da igreja diante da perseguição. De qual Paz Jesus estava falando é um dos desafios que se apresenta nesta perícope. Eis a questão que se coloca: A pax de Roma já era uma realidade imposta pela espada que trazia a ordem, mas também a exploração.

A paz tem vários sentidos, na vida, e nos textos bíblicos: pode ser a paz de espírito, a paz em relação à comunhão com o criador. Pode ser a paz como ausência de guerra, como a ausência de tumulto. Pode ser um estilo de vida de forma simples sem maiores agitações, pode ser um distanciamento dos grandes centros urbanos. A paz esperada pelos seguidores de Jesus, naturalmente seria o fim de toda tirania e

(15)

14 ofensa por parte dos dominadores. Mas seria somente esta paz que Jesus estava trazendo juntamente com o seu Reino?

O outro desafio é: O que representa a espada nesse contexto? Nesse sentido a pesquisa caminha, para tentar entender a proposta de Jesus para um mundo desestabilizado e à beira do caos. A proposta do Evangelho é realmente intrigante, conflitante, desafiadora, quem a aceitará? A quem ela fora feita? Jesus estava propondo uma incitação à rebelião? Diante dos grupos que se formaram na sociedade judaica, a qual deles Jesus pertencia? O que significa ser Ele um Galileu? O que representava a Galileia para o mundo de Mateus?

Esta perícope (Mt 10-34-36) sem dúvida, é um daqueles textos bíblicos, que ao serem lidos de primeira, causa um certo espanto. Temos medo de admitir que Jesus está se propondo a ser um revolucionário, um zelota? A imagem do Cristo Salvador, libertador está construída no imaginário de muitos como aquela imagem pacífica, (Is 9,6) cuja perícope, aparentemente, não combina. Os textos bíblicos, mesmo construídos a partir de fragmentos, devem formar um conjunto harmônico. Quando nos deparamos com aparentes contradições devemos fazer uma leitura dentro do seu contexto, assim se revelará o significado mais próximo do texto desde as suas origens. Esta pesquisa tem por objetivo ler este texto dentro do contexto da comunidade mateana. Para atingirmos esse objetivo faremos uma retrospectiva da história de Israel e do desenvolvimento do judaísmo para entendermos o significado da paz para os judeus. Vamos perceber que todo Israel e o judaísmo sempre estiveram muito íntimos dessa questão de paz e violência. Espada seria um sinônimo de violência?

Mateus, em seu Evangelho, traça um perfil de Jesus, começando pela genealogia, ligando-o a Abraão e a Davi, como o Messias. Entre os judeus a expectativa messiânica fora largamente incentivada por meio dos profetas e mestres de Israel. Mateus organiza seu Evangelho com a finalidade de apresentar à sua comunidade, o filho de Deus.

Os seus discípulos são comissionados a darem continuidade ao anúncio das boas novas e a viverem de acordo com a justiça do Reino. A comunidade de Mateus assimila esta mensagem e entende o comprometimento com o seu Mestre como um novo estilo de vida. Na época de Jesus, os povos da Palestina constituíam uma sociedade complexa, repleta de conflitos políticos, mais do que uma religião unitária (HORSLEY, 2004, p.16).

(16)

15 A paz e a espada em Mateus constituem tarefa relevante em vista da necessidade de sanar possíveis lacunas em relação à falta de publicação envolvendo este tema por inteiro. A maioria dos manuais ou trabalhos relacionados ao Evangelho de Mateus, abordam de forma sucinta o assunto, e algumas vezes não contemplam a totalidade dessa temática.

(17)

16 1 CONTEXTO SOCIO POLÍTICO E RELIGIOSO CULTURAL DA PALESTINA

Fundamental para a compreensão dos textos que compõem o Novo Testamento é o conhecimento do contexto no qual eles surgiram. A Palestina, berço do Cristianismo, foi palco de inúmeros eventos que culminaram, na visão de alguns intérpretes das Escrituras, no cumprimento de expectativas cristológicas e apocalípticas. Isto, porque esses eventos, registrados na história, foram interpretados, no Novo Testamento, como sendo a plenitude dos tempos. O tempo no qual Deus haveria de se manifestar. Por isso, torna-se importante o conhecimento do desenvolvimento da religião dos Hebreus e dos judeus.

O nomadismo dos Hebreus teve origem com o patriarca Abrão (Gen. 12-22). Esta religião cujo ponto principal é a aliança de Iahweh (Deus criador) com Abrão, prometendo-lhe filhos e terra como possessão (Gn. 12, 1,2), passou por um longo processo de assimilação e transformação, conforme a nação foi se desenvolvendo.

O elemento pessoal é característico da estrutura da religião do antigo clã israelita, como pode ser visto não só no modo pelo qual essa religião veio a se formar, e como era constituída, mas também em seus complementos éticos. Um segundo elemento é o relacionamento mútuo entre a divindade e o homem. Esse elemento aparece claramente na sequência: “revelação da divindade” – “decisão por parte do homem” - “promessa e compromisso pela divindade” - “responso crítico do homem”. Esta estrutura se tornou fundamental também no javismo (FOHRER, 2015, p 50)

De Abrão até Moisés o clã dos patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó) viveu como nômades forasteiros (Gn. 15,13-21) vindo a residir no Egito, onde permaneceram por quatrocentos e trinta anos aproximadamente (Êx. 12,40), sendo que nos últimos anos se tornaram escravos de Faraó, rei do Egito (Êx. 1,7-22). Moisés foi o libertador desse povo, conduzindo-os pelo deserto por quarenta anos. Durante o período de peregrinação no deserto com os grupos Hebreus, foram descobrindo os passos de uma nova comunidade diferente dos Egípcios e povos adjacentes. Devagarzinho, foram descobrindo as bases da futura Toráh.

A palavra “Toráh” designa, em linguagem coloquial da época do Antigo Testamento, o ensinamento da mãe (Pv. 1,8; 6,20; cf. 31,26) e do pai (4,1s) para introduzir seus filhos nos caminhos da vida e adverti-los diante das ciladas da morte. Expressa igualmente o mandamento e a história da instrução da qual emerge. No Deuteronômio, por fim, Toráh transforma-se no conceito mais importante da vontade de Deus universal e literariamente fixada (p.ex. Dt 4,44; 30,10,31,9). Mais tarde esse conceito deuteronômico

(18)

17 designa a lei de Esdras (p.ex. Ne 8,1, todo o Pentateuco, mas também a palavra profético-escatológica de Deus para os povos (Is 2,3 par.; Mq 4,2; Is 42,4). (CRÜSEMANN, 2002, p. 12).

Um dos pontos importantes da religião dos Hebreus é o nome de Deus e seu significado. Para se conhecer um pouco das origens do judaísmo e suas transformações é preciso considerar que, no decorrer de sua formação muitas foram as influências sofridas. O javismo (adoradores de Iahweh) de Moisés, está associado à origem da religião dos Hebreus no deserto, tendo como base a revelação recebida por este, cujo Deus revelador se identifica como o “Eu Sou o que Sou” (Ex 3,14). Significa uma presença dinâmica, não estática de Deus. Que a partir daquele momento estaria guiando seu povo pelo deserto para a posse da terra prometida. “O javismo mosaico, depois dos básicos e nômades elementos cananeus, foi a primeira influência na história da religião israelita” (FOHRER, 2015, p 107).

O primitivo povo israelita estabeleceu sua independência sob a liderança de Javé (Iahweh), como um campesinato livre de qualquer classe dominante. Esta liberdade estava condicionada à aliança feita entre o povo e Iahweh e entre si. O próprio Deus era o senhor e objeto de lealdade exclusiva. Pois bem, essa ideia fazia parte da memória coletiva do povo, e posteriormente foram registradas no que hoje conhecemos como os relatos bíblicos. Para esses nômades camponeses era o ideal serem livres de senhores e reis, independentes de dominação estrangeira, vivendo sob o governo de Deus numa ordem social justa e igualitária. Portanto, o inverso disso seria uma referência negativa às gerações posteriores.

1.1 Passos para se chegar ao Judaismo

O encontro dos javistas com a religião dos cananeus, cujos deuses principais eram El e Baal, provocou algumas mudanças em ambas as partes. Os javistas entendiam que o seu Deus era único, agia sozinho e por meio de aliança com seu povo, feita através de Moisés. Os cananeus tinham um culto mais elaborado, seus

deuses eram distintos e agiam através dos ciclos da natureza. “No Antigo

Testamento1, Iahweh é concebido exclusivamente como criador; a destruição da

1 Os textos que formaram o AT foram produzidos a partir de várias fontes. O estudo dessas fontes não

será objeto de nosso trabalho. Salientamos apenas, que em razão dessa diversidade de fontes os textos podem aparecer de forma divergente e até contraditória.

(19)

18 natureza e do homem são vistos como o resultado não do conflito no interior de deuses ou entre eles, mas do pecado humano” (FOHRER, 2015, p. 66).

No Antigo Testamento, há diferentes pontos de vista acerca dos inícios do javismo. O estrato-fonte J traça a origem do javismo inteiramente a partir da terceira geração de homens (Gn 4.26). Desde então, ele foi adorado com este nome. O estrato-fonte N também usa o nome “Iahweh” desde o começo. Permanece obscuro como se firmou o uso desse nome; o próprio nome não é revelado, nem é explicado o seu significado (FOHRER, 2015, pp.81-82). O javismo na Palestina, antes da formação do estado Israelita, sofreu um processo de absorção e assimilação pelas tribos nativas, conhecidas como cananeus. Aos poucos, o javismo de Moisés se revela superior e é aceito pelos nativos. Esse processo estava essencialmente completo por volta da metade do século XII antes de Israel se tornar estado israelita, governado por líderes ocasionais e regionais, conhecidos como juízes. “Para se pintar um quadro preciso do javismo desse período, seria necessário coligir abundante evidência de todas essas regiões particulares. Pode-se, contudo, admitir como característica central o conflito do javismo com os elementos existentes na vida nômade e na religião cananeia” (FOHRER, p. 122).

O conflito com a religião cananeia foi mais duro, prolongado e grave do que aquele com o nomadismo, que, de qualquer modo, estava sujeito a declinar senão a desaparecer inteiramente, uma vez que os israelitas se estabeleceram na Palestina. O novo modo de vida estava inteiramente relacionado com as ideias e com o comportamento que os israelitas encontraram entre a população nativa. Inevitavelmente eles começaram a se aproximar do modo de vida, das práticas cultuais e do ambiente religioso cananeus. (FOHRER, 2015, p. 130).

Apesar de todas as mudanças sofridas pelo javismo e de todas as transformações decorrentes de influências de fatos históricas, o javismo manteve as ideias básicas da soberania de Deus e da comunhão com Deus, da ação de Iahweh na vida dos homens e nações, e da ênfase sobre as exigências éticas do viver segundo as normas que expressam a vontade de Deus. Mesmo com todas as influências e tendências, ao que parece, o javismo se mostrou uma religião formada por conceitos firmes capaz de conservar seu núcleo mesmo que a forma viesse a mudar.

A História de Israel, conforme registrada nos textos sagrados, sugere que o período dos juízes é superado pelo início da monarquia. O estado de Israel se organizou como as outras nações, tendo o seu próprio reino (I e II Rs). Nesse período

(20)

19 o javismo era a religião oficial do Estado. Havia templo e culto. As ações políticas de reis, muitas vezes entravam em choque com os ideais do javismo provocando fortes reações por parte dos seus defensores mais fiéis.

Depois que eles se estabeleceram na Palestina, a organização nômade de clãs e tribos tornou-se antiquada. Em sua nova situação, os clãs e tribos transformaram-se em associações regionais. Assim, tornou-se possível incorporar membros de outras tribos e cananeus. [...] esta é uma das razões da posterior inimizade entre cidades e zona rural, até ao ponto em que não estava enraizada, como a antipatia da população rural de Judá para com Jerusalém, no fato de que a maioria dos habitantes da cidade eram cananeus (FOHRER, 2015, pp. 76,77).

A nação de Israel não era formada por um único povo. A ocupação de Israel se deu de forma gradativa e por diferentes tribos. A tribo de Moisés era mais uma que veio habitar essa região. Contudo a proposta do javismo já tinha a tendência de

unificação. Um único povo, um único rei e um único Deus. “Na realização desse

propósito de reconciliar israelitas e cananeus, o javismo foi guiado na direção do sincretismo até bem dentro do século VIII, a despeito de toda resistência e reação” (FOHRER, 2015, p. 181).

A proposta de reino unido não prevalece. Após o reinado de Salomão, Israel se divide em reino do norte e reino do sul. O reino do norte conhecido como Israel, e o reino do sul conhecido como Judá. Paralelo ao período dos reis havia a figura dos profetas que sempre agiram como boca de Deus. Uma figura importante no período da monarquia foi o rei Davi. O oráculo do profeta Natã prometeu uma dinastia eterna à Davi porque ele realizava do melhor modo o ideal do reino. Ele fez aquilo que se esperava que um rei fizesse para seu povo. Depois de Davi os outros reis foram avaliados tendo-o como parâmetro (2 Sm 7,12-14). A sua casa permaneceria, mesmo que seus sucessores fossem indignos.

A aliança de Iahweh com Davi permaneceria até se concretizar em outro governante, que seria outro e mais poderoso que Davi, destinado a estabelecer o reino ideal de Iahweh. Se a dinastia devia ser eterna, então alguém que fosse maior do que Davi teria que vir para restabelecê-la. O reino ideal de Davi é um dado fundamental da fé messiânica do Antigo Testamento (McKENZIE, 2015, p.200).

Esta é uma das tradições mais fortes do messianismo. O Rei Messias deveria ser descendente da casa de Davi. Seria esse um sinal para identifica-lo, mas não o único. O judaísmo foi construindo suas ideias centrais de forma muito definida, de

(21)

20 maneira a facilitar às gerações posteriores a leitura dos fatos e o seu encaixe dentro da própria história. A começar pela aliança entre Deus e os homens (Hebreus), (Gn 15, 1-14) através de Abraão, até à promessa da vinda de um Messias Salvador, descendente da casa de Davi. O cumprimento dessa promessa, tem mais tarde, um significado de renovação da aliança de Deus, agora com todos os que crêem, não mais com a raça eleita, Israel.

Durante o período da monarquia, a fé na eleição de Israel foi esposada, acima de tudo, pelo nacionalismo religioso. Segundo essa crença, o relacionamento especial de Iahweh com Israel estava baseado na eleição da nação. Essa eleição deve produzir uma benção para as outras nações, mas Israel é a nação abençoada acima de todas as outras. A consciência nacionalista, que ecoa através dessas declarações, não pode ser omitida: Israel é o elemento crucial no mundo de todas as nações; o destino das outras depende de seu relacionamento com Israel (FOHRER, 2015, p. 240-241).

O propósito real das diversas narrativas históricas do período da monarquia é justamente demonstrar que Iahweh é Deus criador de todas as coisas e é também Senhor da história. Os próprios livros históricos constantes do Antigo Testamento se referem à história como o lugar da ação de Iahweh. Sua revelação e suas atividades acontecem na história ou por meio dela. Porém, a Bíblia não é um livro histórico, embora a tenha levado a sério e construído suas narrativas não de forma atemporal.

A história é sempre um sistema seletivo com o qual os interpretadores interpretam não algo passado simplesmente, mas sobretudo ordenam e interpretam seu próprio mundo. Interpretação histórica significa criar uma relação coerente de sentido (SCHNELLE, 2014, p. 25).

A ideia da soberania de Iahweh e sua comunhão com os homens, desenvolvida pelo javismo, trouxe o raciocínio de que “se Iahweh é Senhor, o homem é seu servo, ou escravo, e ao aproximar-se dele sua atitude deve ser de temor e até de tremor” (Êx 20, 18-19, Sl 76, 8-9; Jz 6,23) (FOHRER, 2015, p 244). Mais tarde essa atitude se desenvolveu para uma atitude de amor e de confiança em Deus. “Desde o princípio, Iahweh foi considerado um Deus de propósito ético, que exige completa obediência, segundo leis que expressam a vontade de Deus” (FOHRER, 2015, p. 247).

A vontade de Deus também podia ser pronunciada na Torá concreta, divulgada por um sacerdote ou profeta cultual. O culto a Iahweh exigia a separação entre o sagrado e o profano, puro e impuro. Outro conceito importante desenvolvido no

(22)

21 judaísmo e que vai ter lugar de destaque no cristianismo é o conceito de justiça. O homem que obedece aos mandamentos de Deus pratica a justiça e a retidão.

A justiça abrange tanto a justiça social como a distribuição justa da justiça; Ela se refere ao comportamento que uma pessoa deve ter em relação ao Deus do seu povo, ao princípio que rege o comportamento dos homens uns para com os outros e refere-se também à sua atitude, para com Deus, que é medida e julgada e refere-se, ainda, às exigências de Iahweh aos seus adoradores (FOHRER, 2015, p 250).

Outro conceito também desenvolvido e que está intimamente ligado ás ideias do Novo Testamento é o conceito da shalom (paz). O completo bem-estar do homem, em todos os sentidos. É a harmonia entre o homem e Deus, é também a comunhão entre os homens. Enfim, uma relação pacífica e harmoniosa do ser humano com Deus, com o próximo e com a comunidade. Quando alguém possui paz, está em perfeita e segura comunhão com Iahweh. Ele deseja a paz daqueles que o servem (Sl 35, 37). “Deve-se esperar a paz perfeita da salvação messiânica (Is 9, 5-6) e em seu reino, haverá paz sem fim” (MCKENZIE, 2015, p. 644).

A história do desenvolvimento do judaísmo se confunde com a história de Israel. É possível contar a história de um através do outro e vice e versa. A questão da justiça social sempre esteve presente no direito escrito de Israel, ou seja, na Toráh. A proteção aos pobres, ás viúvas, aos órfãos e estrangeiros, crianças, escravos, figurava em Êx 22,20 a 23, 1-8. “O direito dos sem direito decide-se no lugar do direito (Êx 23,1-8). O critério do judiciário reside, assim, naquelas pessoas que ali mesmo não podem atuar e para as quais nada se prevê” (CRÜSEMANN, 2002, p. 259).

A inobservância dos preceitos legais parece ter sido a responsável pela ruína de Israel, de acordo com a doutrina da retribuição, presente nos textos dos Evangelhos. No período do Antigo Testamento pode-se dividir em três grandes momentos a história de Israel. O período pré-exílico, o exílico e pós exílico. Nesses três momentos Israel foi advertida de seus erros e instruída a se arrepender de seus pecados. O pecado aqui estava relacionado à desobediência da Lei. O judaísmo vai se transformando e se sofisticando à medida que a nação vai se modernizando.

A fé dos grandes profetas individuais, baseada na influência perene do javismo mosaico, estava fundamentada numa nova compreensão de Iahweh, oriunda do mistério da experiência pessoal. Os profetas aprenderam que o santo poder de Deus não reduz o homem a uma servidão involuntária, fazendo-o humilhar-se no pó, mas, ao contrário, coloca-o diante de uma decisão pessoal: a decisão se ele dirá sim ou não a Iahweh e à sua vontade, se tornará um homem realmente novo ou continuará a ser o homem que tem sido (FOHRER, 2015, p. 345).

(23)

22 Para os profetas, o pecado de Israel e as calamidades admoestadoras de Iahweh, bem como os seus outros esforços, são os fatores mais importantes para compreensão da história de Israel na Palestina. A sujeição de Israel a reis e impérios durante sua história, desmoronou o ideal construído no imaginário das gerações posteriores, que esperavam uma nação livre e justa, tendo como único Senhor, o

próprio Deus. “Conforme acreditavam essas gerações, a julgar por aqueles que

falaram em seu nome, como os profetas, o Deus de Israel permaneceu interessado em conservar seu povo livre da escravidão estrangeira e opressão interna” (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 25).

Na maioria das vezes, os profetas olhavam para dentro do próprio país, denunciando os desmandos das autoridades políticas que levavam o povo à idolatria. Desaparecendo a profecia, desapareceria também o olhar crítico sobre o modo como a sociedade funcionava. E isso era muito bom e conveniente para as autoridades. Dificilmente os profetas do Antigo Testamento mobilizavam o povo à resistência. Seu ponto forte era a denúncia contra as injustiças nacionais (BORTOLINI, 2003, p. 9)

Também “os profetas estavam ligados ás tradições, contudo eles interpretaram as tradições da eleição escatológicamente, resultando na visão dos novos atos salvíficos de Iahweh que se dariam na história futura” (FOHRER, 2015, p. 364). Jesus é um acontecimento histórico. A sua vinda está relacionada com a plenitude dos tempos (Gl 4,4). Esse tempo começa a ser contado desde a origem da criação, quando já era prevista a vinda do Cordeiro de Deus (Gn. 3:15). Os Evangelhos interpretaram Jesus Messias dessa forma, como o cumprimento das profecias a seu respeito dentro de um tempo marcadamente reconhecido pelos olhares mais atentos. Ou seja, os olhares da fé. Jesus é a boa notícia da parte de Deus.

Importante notar que no período dos profetas a forma de relacionamento de Iahweh com a nação de Israel deixa de ser exclusiva. De acordo com a fé dos profetas Iahweh conduz o destino de todas as pessoas e nações. Além dos profetas, a escola deuteronômica exerceu forte influência sobre o Judaísmo, promovendo interpretações importantes na teologia do Antigo Testamento. “A teologia deuteronômica, [ ] preparou o caminho para um cânone autorizado e marcou o começo do desenvolvimento de uma religião do livro, uma fé que podia ser ensinada e aprendida Dt. 7.6ss; 30.11ss” (FOHRER, 2015, p. 387).

(24)

23 A história do Judaísmo começa com o tempo do exílio babilônico. As dez tribos de Israel, estabelecidas no norte do país, tinham desaparecido depois da destruição da Samaria pelos Assírios, no ano 722 a.C. A tribo de Judá, ao sul, foi conquistada em 587 a.C. pelos Babilônios. A invasão de Judá provocou a destruição de Jerusalém e a deportação da classe alta da população para a Babilônia. Impedidos de continuarem o culto do templo, permaneceram, porém, fiéis à lei do seu Deus. Os mandamentos do sábado e da circuncisão eram sinais pelos quais Israel se tornava consciente da sua eleição entre todos os povos. Através dessa prática, criou-se o fundamento mental e espiritual para se poder recomeçar na terra dos antepassados, após o fim do domínio babilônico (LOHSE, 2000, p. 11-12).

Sob o domínio dos persas os judeus desenvolveram uma vida cultural independente, apoiada explicitamente pelo governo. Pouco depois da conquista da Babilônia, o rei Ciro decretou a reconstrução da “casa de Deus” em Jerusalém. Esdras e Neemias foram os encarregados dessa missão e um após o outro retornaram a

Jerusalém para pôr em ordem a situação (Ne 3). “Quando alguns judeus foram

deportados, a cidade não ficou desabitada, grande número de habitantes continuou a

morar nela (Lm 1,4-11; 5), só os pobres da terra2” (FOHRER, 2015, p. 400).

Confusão e divisão sempre existiram no seio na nação de Israel, justamente por ser um local de ajuntamento de diversas culturas e religiões, desde a antiguidade. Desde o período pré-exílico havia um forte sincretismo devido às influências dos vários povos circunvizinhos.

Politicamente, os judeus viviam sob um governador oficialmente nomeado, de início um herdeiro da dinastia davídica. Mas, pelo menos desde a época de Neemias, o governador era simplesmente um judeu não davídico ou outro funcionário imperial. As esperanças messiânicas de restauração do reino davídico passaram para o segundo plano, entretanto, com a autorização imperial direta, o escriba real Esdras reorganizou a comunidade judaica em torno da lei que ele tinha trazido da Babilônia. Esta continha material da tradição popular que havia sido oficialmente sancionado pelo governo “teocrático” da aristocracia sacerdotal e era em seu favor (HORSLEY e HANSON, 2015 p. 27).

As autoridades religiosas e civis agora estavam centralizadas no templo, tendo como administradores do governo os sumos sacerdotes, tornando-se estes os cabeças da sociedade judaica, cujas famílias detinham o poder político e econômico. Como o templo funcionava como um depósito do tesouro, ou mais precisamente,

2 Naturalmente, sua condição de vida era miserável: insuficiência de víveres (Lm. 1,11), canibalismo

(2,20; 4,10); sofrimento das criancinhas (2, 11-12,19); violência contra mulheres (5,11); assassínio de sacerdotes e profetas (2,20); enforcamento de homens respeitáveis e degredação de anciãos (5,12). A administração babilônica envolvia também a opressão, sobretudo o trabalho forçado (5,13) e impostos (5,4). Só gradualmente foi restaurada certa prosperidade, de modo que, pelo ano 520, muitos habitantes de Jerusalém possuíam casas bem confortáveis (Ag. 1,4ss) (FOHRER, 2015, p 400).

(25)

24 como um banco deu a estas famílias sacerdotais mais poder e autonomia (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 27).

No fim do império persa, o sumo sacerdote era reconhecido como o representante político e econômico, bem como o chefe étnico e religioso judeu. Na verdade, o que começou sob os persas continuou durante os impérios helenísticos e até ao império romano, isto é, a Judeia funcionava como uma comunidade do templo, sob o controle político externo de um governo imperial. Para os camponeses essa situação significava impostos religiosamente sancionados para sustentar o templo e seu complexo aparato cúltico regular e de ocasiões especiais, todos obrigatórios (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 28).

Não se pode negar que os fatos relativos ao cativeiro babilônico mexeram muito com a fé dos judeus. Tantas foram as questões relacionadas à prática e até mesmo na forma de conceber a imagem de Deus, que o javismo nesse período, se ressentiu de um grave golpe. Como consequência, as divisões de opiniões se acirraram, criando grupos que criam de uma forma outros de outra forma. Assim Israel vai sobreviver ao exílio. Dos que retornaram a Judá após o fim do cativeiro, poucos foram os que conservaram a antiga forma de culto. Pode–se dizer que um outro judaísmo estava nascendo após o cativeiro da Babilônia.

No exílio o culto primitivo javista se tornou extremamente legalista, pois necessitavam de algo em que se apoiar, já que estavam sem o templo, sem o culto. A escola deuteronomista teve grande influência na interpretação dos fatos e na esperança dos exilados. Para esta escola a única maneira de se chegar a Deus, agora, seria através da observância estrita da lei. “A lei era a rocha fixa e irremovível, a qual eles podiam aderir a fim de evitar que fossem varridos pela corrente da história” (FOHRER, 2015, p. 407).

No exílio também, foram concluídas as obras referentes ao Código da Santidade, contido em Lv. 17-26. “Código colocava diante do povo a exigência de que eles deveriam ser santos no sentido de pureza cultual e ética” (FOHRER, 2015, p. 408). A regra de conduta agora, seria ditada pelas exigências da Lei. Durante os períodos pré e pós exílico a figura dos profetas foi muito importante na história da teologia do judaísmo.

Entretanto o comissionamento dos profetas com uma palavra de Deus dirigida a terceiros é apenas um aspecto da autorização profética, o qual ocupa o lugar dominante na tradição veterotestamentária pela simples razão de que os assim chamados “profetas da escrita”, tiveram influência decisiva sobre esta tradição (JEREMIAS, 1985, p. 181).

(26)

25 O profeta Ezequiel, era da linhagem sacerdotal e foi levado ao cativeiro, onde exerceu o seu ministério. Uma importante contribuição de Ezequiel para a teologia do Antigo testamento foi a sua concepção de Iahweh, como um Deus independente da sua terra de origem, ou seja, Ele poderia ser adorado em qualquer lugar, independente se estivessem ou não em Jerusalém. Ezequiel também desenvolveu a ideia da responsabilidade individual de cada israelita (Ez 18). Cada um é responsável por si próprio e decide por sua salvação ou condenação

Outras questões teológicas também foram desenvolvidas em Ezequiel, de suma importância para a consolidação do judaísmo como um todo tais como: A teologia do pecado, do perdão (Ez 36,25) renovação por meio de um novo coração, que só Deus pode conceder, por meio do seu Espírito (Ez 11, 19-20; 36,26). Para ele seria um novo homem convivendo com outros novos homens, formando uma comunidade, vivendo não só em mútua comunhão, mas, acima de tudo, em comunhão íntima com Iahweh (Ez 11,20; 36,28). Esta mesma ideia de comunidade pode ser encontrada na interpretação dada pela Comunidade mateana, dos discursos de Jesus.

Outra corrente importante, desenvolvida durante o exílio, para a consolidação do judaísmo foi a corrente conhecida como escatológica. O Dêutero-Isaías (profeta anônimo, ao qual se convencionou chamar Dêutero-Isaías, cuja tradição está contida em Is 40-55), exerceu seu ministério nos últimos anos do exílio babilônico e esperava que Ciro libertasse os deportados judaítas e permitisse que eles voltassem a Jerusalém para reconstruir o Templo (FOHRER, 2015, p. 418)

A ideia essencial das esperanças escatológicas era a distinção entre duas eras, esboçadas por ele como o fim da era de transição de pecado e miséria e o começo da era futura de redenção e libertação (Is 40, 1-2, 3-5,6-8). (FOHRER, 2015, p. 424). A boa notícia de que esse tempo havia chegado é esboçada nos Evangelhos e nos demais escritos do Novo Testamento. A base de toda a esperança messiânica se encontra na interpretação dada aos escritos do Antigo Testamento. O Evangelho de Mateus, que é considerado o mais judaico de todos, contesta a interpretação das Escrituras feita pelos líderes do judaísmo de seu tempo. Para Mateus a verdadeira interpretação das Escrituras não poderia omitir a realidade chamada Jesus, o Cristo, como o enviado de Deus.

(27)

26 1.1.1 A esperança Messiânica dos Hebreus/Israelitas até o Judaísmo

O Messianismo é um conceito teológico desenvolvido dentro da profecia escatológica. Havia uma corrente que cria que o próprio Iahweh, reinaria e estabeleceria a soberania de Deus (Is 24, 23; 33,22; 43,15; 44,6; Mq 2,13; 4,7; Sf 3,15; Zc 9,1-8; Ml 3,1; Sl 47; 96-99; 146,10; 149,2). Outra corrente supunha um rei humano indicado por Ele, como seu representante e soberano, denominado Messias. Este é um termo comumente usado no Novo Testamento, mas começou a ser desenvolvido no Antigo Testamento.

Fohrer (2015, p. 451) destaca algumas passagens bíblicas que incluem as esperanças messiânicas do Antigo Testamento: Is 9,2-7, esta passagem fala do “menino” ou “filho” no trono de Davi, com o nome real de “Maravilhoso Herói Divino, possuidor dos despojos, possuidor da paz”. O capítulo 11,1-9 de Isaías fala de um “rebento do tronco de Jessé”, a dinastia davídica, e seu reino de paz é claramente messiânico. Soberano e Justo Juiz, Rebento da raiz de Jessé, são mencionados em Is 11,10 e 16,5. Também o profeta Jeremias menciona um ramo de Davi (Jr 23,5-6 e 33,15-16), que reinaria com retidão e justiça. Ezequiel usa a metáfora de um broto na ponta de um cedro no capítulo 17,22-24. O profeta Miquéias, fala do Soberano messias, proveniente de Belém de Efrata (Mq 5,2-4). Zacarias 9, 9-10 descreve a entrada real do rei messiânico em Jerusalém.

A esperança messiânica originou-se nos tempos iniciais do período pós-exílio, depois da queda de Judá e da deposição da dinastia davídica, após o exílio e a libertação, quando veio a existir na Judéia uma nova comunidade sob a soberania persa, mas a profecia escatológica prometia uma era eterna de salvação, como uma efetivação da soberania de Deus, a ser exercida primariamente dentro do contexto de uma nova nação e o império israelita em solo palestinense (FOHRER, 2015, p. 453).

É preciso ainda salientar que havia distinção clara entre os chamados profetas individuais e os profetas escatológicos. Os profetas individuais aguardavam uma transformação básica do homem enquanto os profetas escatológicos aguardavam uma nova era e uma nova forma do mundo em que o homem vivia. Os primeiros acreditavam que primeiro viria a transformação individual e depois juntos transformariam a comunidade. Os segundos acreditavam ao contrário, primeiro a mudança seria no mundo, no local onde o homem estaria vivendo e só assim ele seria atingido e transformado.

(28)

27 1.1.2 O judaísmo após Esdras e Neemias

Neemias e Esdras representam o período pós-exílio, pois eles foram os responsáveis pela recondução de parte da comunidade de Israel para Jerusalém. Dentro de uma ordem cronológica os fatos relativos à reconstrução dos muros de

Jerusalém se deram em torno 445-398 a.C. “Esdras e Neemias exerceram seu

ministério durante o tempo de Artaxerxes I e Artaxerxes II” (FOHRER, 2015, p. 464).

Estes ilustres judeus fizeram ou executaram alguns projetos para a recuperação do povo israelita. Tentaram resolver, a seu modo, os conflitos. O projeto de Zorobabel e Josué (Esd 3,1-13) com o apoio de Ageu e Zacarias: Achavam que reconstruindo o altar e o templo de Jerusalém movimentariam e reuniriam o povo e reorganizariam os trabalhadores, os levitas e os sacerdotes (FERREIRA, 2011, p. 187).

Acredita-se que primeiramente os muros da cidade foram restaurados por Neemias, que se tornou governador de Jerusalém e implantou medidas de ordem externa e interna. Restabeleceu as populações locais na cidade, que se encontrava parcialmente habitada (Ne 11,1-2) e implantou um sistema de remissão de dívidas. Internamente instituiu pagamento de dízimos aos levitas (Ne 12-44ss e 13,10ss), o descanso no sábado (Ne 13,15ss). Sua reforma foi mais política que propriamente religiosa. “Neemias foi o responsável por colocar as bases para o estabelecimento da paz e da independência relativa da nova província, tornando possível uma reforma religiosa” (FOHRER, 2012, p. 464).

Diferentemente de Esdras, o governador Neemias era sensível às assimetrias sociais e econômicas (Ne 5,1-19). Em Neemias 5, há um retrato de como ele via os ricos explorando os pobres. Ficou revoltado. O seu projeto é diferente e melhor que o de Esdras: exigiu que os ricos devolvessem aos pobres as terras roubadas e perdoassem as dívidas acumuladas (Ne 5,7-13). Procurou reconstruir as famílias e os clãs (Ne 7); reconstruiu as muralhas de Jerusalém (Ne 2,11-3,38); criou os anos jubilares, atualizando a visão do Levítico e do Deuteronômio. O problema de Neemias é que ele jogou as leis para os ricos e nós sabemos que os poderosos não agem por lei, principalmente quando é para haver transformação a serviço dos pobres. Então, o seu projeto, com o tempo, ficou só no registro (FERREIRA, 2011, p. 187-188).

Esdras foi o encarregado pelo rei para dar continuidade à reconstrução de Jerusalém e responsável pela segunda leva de exilados de volta àquela cidade. Esdras inicia seu projeto de reforma fazendo a recitação da Lei que portava consigo, diante do povo (Esd 7,1-10). A segunda medida de Esdras foi a aplicação da Lei ao

(29)

28 caso dos casamentos mistos (Esd 10,10). Estes casamentos aconteceram porque a população nativa que ficou na terra, quando ocorreu o exílio, se misturou com outros

povos que vieram habitar ali, acontecendo estes casamentos.3

O projeto de Esdras (Esd 9,1-10,4; Ne 8,1-18): ele estava a serviço do rei da Pérsia. Porém, para os judeus, o seu projeto foi marcante. Era da linhagem sacerdotal e um superespecialista em leis. Ele via que o sofrimento do povo era proveniente de um castigo de Deus. Então, tomou atitudes seríssimas: Nada de casamentos com estrangeiras; os costumes pagãos não podem entrar na convivência dos judeus; Observância total à Lei de Deus; A pureza da raça deve ser preservada (Esd 9,2). Esdras nacionaliza a fé. Deus está a serviço da raça judaica. O seu projeto vai se perpetuar na história israelita (FERREIRA, 2011, p. 187).

Para Esdras estes casamentos tinham que ser dissolvidos. Assim, “a

segregação da comunidade, introduzida pela lei deuteronômica e continuada pelo

profeta Ageu4, estava efetivamente completa” (FOHRER, 2015, p. 466). Esta medida

provocou protesto e agitações na Palestina, ameaçando a paz das províncias desagradando o rei persa e fizeram com que Esdras fosse chamado de volta à Babilônia, não mais retornando à Jerusalém.

1.1.3 Configuração do judaísmo após a reforma de Esdras

A primeira característica desse novo judaísmo foi a tendência legalista, que atribuía posição central ao ritual cultual. A segunda característica foi o desaparecimento da influência profética (FOHRER, 2012, p. 466). Esta religião nascente se apegava à Lei como seu ponto de apoio e as outras tendências ficaram

em segundo plano. “O caráter particularista dessa religião foi criticado através dos

livros de Jonas e de Rute” (FOHRER, 2012, p. 467). Jonas critica a restrição da salvação somente à Israel enquanto Rute vê a benevolência de Iahweh para com outros povos.

3 É preciso chamar a atenção para o aspecto autoritário do governo de Esdras. Durante o seu tempo

os estrangeiros/as foram expulsos da terra. Isso trouxe problemas socioeconômicos gravíssimos porque muitos estrangeiros eram casados com mulheres Israelitas. Quanto às mulheres, especialmente, as mulheres de Israel foram rebaixadas no nível social e começaram e experimentar as assimetrias que tinham o masculino como chefe.

4 Ageu e Zacarias são profetas do período pós-exílio. Ambos estavam seguros de que aqueles que

tinham retornado da Babilônia depois de 538 a.C. eram o resto sagrado de Israel, que devia ser libertado do julgamento. Para esses profetas esse resto que retornara era o povo da era escatológica da salvação (FOHRER, 2015, p. 434)

(30)

29 “O projeto dos pobres: livreto de Rute. Ao contrário dos projetos de Zorobabel, Esdras e Neemias, este não é um projeto pronto. Ia se construindo, à medida que a luta era mais desafiadora” (FERREIRA, 2011, p. 188).

“O período pós-exílio também foi marcado pela contribuição da história do

Cronista, que é baseada na doutrina da retribuição5”. O livro das Crônicas dos Reis

de Israel, revelam uma leitura aplicada mais aos indivíduos que à nação como um todo (FOHRER, 2012, p. 468). Houve uma elevada estima pelo culto do Templo de Jerusalém, uma elevação da posição dos sacerdotes e profetas (2 Cr 33). Para o cronista os acontecimentos na história de Israel estavam relacionados aos atos dos seus governantes e nada mais eram do que uma punição da parte de Iahweh por esses atos impiedosos.

Muitos salmos foram compostos nesse período, representando quase dois terços dos hinos e orações preservados no Saltério, cuja expressão de fé centralizava-se em dois pontos: o culto do Templo e a Lei (FOHRER, 2012, p. 468)

A supremacia do templo elevou Jerusalém para um patamar que parecia ser esta o verdadeiro centro do universo.

A Lei estabelecia uma conexão direta entre Iahweh e o homem. Toda a vida se ligava à Lei, porque Iahweh julga retamente e retribui a cada um de acordo com os seus feitos. A doutrina da retribuição foi duramente criticada no livro de Jó, fruto desse período (FOHRER, 2012, p. 469).

A Lei6 era o parâmetro para a divisão entre justos e ímpios. Esses escritos

também, sublevaram a dinastia davídica a ponto de omitirem todos os atos pecaminosos praticados por esse monarca. O tempo de Davi é descrito como o estado ideal das coisas, um digno objeto de aspiração.

Alguns profetas individuais exerceram seu ministério nesse período, como o profeta Joel, como profeta cultual no Templo de Jerusalém. Foi um profeta escatológico, pregou o retorno a Iahweh, para evitar que o desastre econômico atingisse a nação. Parte de Isaías (65, 66); o Dêutero-Zacarias (Zc 9-11). Esses profetas trouxeram uma visão escatológica com suas devidas consequências para o apóstata infiel. “Esse período é responsável por mudanças intelectuais profundas e

5 FOHRER, 2012, p. 468

6 Esdras ensinou aos habitantes de Jerusalém a lei, promulgando-a em nome do rei. Essa lei, abrangia

os cinco livros de Moisés, o Pentateuco, que coligiam e sistematizavam as antigas tradições de Israel (LOHSE, 2000, p. 13).

(31)

30 toda reflexão teológica podia ser organizada e unificada sob o termo geral “sabedoria” de modo antes não suspeitado” (FOHRER, 2012, p. 470-471).

O Judaísmo desse período foi ampliado em razão de muitos conceitos teológicos importantes serem discutidos e desenvolvidos em seu seio. Estes conceitos contribuíram para a consolidação do Judaísmo, pois as influências dessas tendências forçaram uma busca de identidade e unidade. Questionamentos sobre a própria existência vieram à tona, e os mistérios da vida só foram respondidos através de uma entrega incondicional a Iahweh. Aqui Iahweh é a solução para todos os problemas da existência humana.

Um fato importante na história de Israel foi a separação histórica entre Jerusalém e Samaria. Samaria era a capital do Reino do Norte e Jerusalém a capital do Sul, Judeia (2 Rs 17). “Por um decreto imperial a Lei de Israel tornou-se o direito comum de Jerusalém e da Judeia. A partir de então, o culto da comunidade judaica ficou sob a proteção do governo persa” (LOHSE, 2000, p.13). Isso provocou a desgosto dos vizinhos e, especialmente dos habitantes de Samaria.

Os adoradores de Iahweh que viviam na província de Samaria, romperam relacionamento com Jerusalém e constituíram sua própria comunidade samaritana com um templo no monte Garizim, no curso do século IV a.C. Os samaritanos eram complacentes com os casamentos mistos e não participavam das tendências exclusivistas da comunidade de Jerusalém. Mas, Fohrer (2015 p. 477) adverte que “a verdadeira razão da separação foi a oposição entre o norte e sul, desde os tempos de Davi e Salomão. Por esta razão os Samaritanos só adotaram o Pentateuco que era considerado sagrado, pois as demais escrituras traziam a glorificação de Jerusalém e de Davi”.

Essa separação brusca e o grande favorecimento de Jerusalém pelo rei persa causaram entre os habitantes da Samaria um sentimento de amargura, que contribuiu para um crescente distanciamento entre norte e sul. Tal distanciamento acarretou finalmente, a separação política das províncias da Samaria e de Judeia. Embora o historiador Flávio Josefo relate que os samaritanos teriam recebido a permissão da construção do templo no monte Garizim sobre Alexandre Magno, é mais provável que a construção do santuário seja anterior ao reinado do imperador macedônico. Nesse tempo reinava uma inimizade profunda entre eles e os judeus. Tal animosidade finalmente os levou à guerra. No ano 128 a.C., os judeus, sob o comando de João Hircano, destruíram o templo no monte Garizim (LOHSE, 2000, p. 14). O Antigo Testamento retrata a questão da violência como parte da cultura religiosa dos adoradores de Iahwé. O Deus do Antigo Testamento parece indiferente

(32)

31 à questão da violência. Às vezes aparece como autor ou idealizador da violência. Embora faça parte também da cultura Hebraica e Judaica a busca pela paz, os conceitos de paz concebidos no Antigo Testamento estão mais diretamente relacionados à comunidade, diferentemente do conceito, mais ampliado no Novo Testamento, que relaciona a paz tanto à comunidade quanto ao indivíduo.

Com efeito, a Bíblia não fala com um uma única voz acerca de Deus. Por um lado, Deus ouve o clamor dos oprimidos (Ex 3, 7-9) e, por outro, exige o extermínio de todas as cidades que resistam a entregar a seu povo todos os seus bens, suas mulheres, filhos e animais (Dt 20, 1-14) (PIXLEY, 2011, p. 14).

A forma como os textos bíblicos vão sendo construídos, traz certa luz para a compreensão da situação vital dos adoradores de Iahweh, desde as suas origens. Pode-se perceber, na trajetória desse povo, uma falta de acomodação. Em nome de Deus e de seu projeto de justiça, interpretado como condição vital para a sobrevivência de toda comunidade, eles se mostraram incansáveis em seus ideais. Pelo menos uma corrente mais tradicional parece estar sempre em conflito com outros movimentos. Sem falar que estão sempre se defrontando com movimentos de renovação, de vivificação e de resistência.

É assim que hebreus/judeus/ israelitas, vão construindo suas histórias. Esta história sempre foi lida de múltiplas e diferentes formas, ensejando o aparecimento inevitável de múltiplas visões de conteúdo religioso/cultural. Portanto, este não é um fenômeno só da atualidade. No passado, os intérpretes também foram tão variados quantas foram as suas concepções. O período que se segue retrata bem essa realidade.

1.2 O Período Macabeu e a Helenização da Cultura Judaica

Este período ilustra bem a insatisfação dos camponeses e a preocupação da corrente mais rigorosa do judaísmo com o rumo no qual a política estava levando a nação. O líder maior da religião judaica, o Sumo Sacerdote, a este tempo, demonstrava muito interesse na helenização da Judeia e consequentemente a relativização das Leis da Aliança. Isso trouxe instabilidade e preocupação por parte

(33)

32

da camada mais fiel às Leis da Aliança. Não só essa camada, mas os pobres7 que se

viam privados de sua liberdade religiosa e política e de seus bens (terra) se encontravam em uma situação de muito temor. Render-se ou lutar. Eles preferiam sempre lutar. O espírito aguerrido desse povo evidencia a presença constante da espada. Lutas, embates, guerras, sempre em defesa de um modo de vida construído ao longo dos séculos e constantemente ameaçado por domínios inescrupulosos que buscavam manter seu poderio e seus interesses a qualquer preço.

A história da guerrilha, promovida pelos macabeus e asmoneus, não representa nenhuma novidade de comportamento em Israel. Questões dessa natureza fazem parte de toda sua história. É preciso que se diga que essa foi uma batalha que teve origem entre o povo, o povo pobre de Israel. Mas, não necessariamente, só os pobres participaram, mas os pobres que tinham um ideal religioso construído desde muito tempo, naturalmente foram os protagonistas. As características dos idealizadores dessa revolta precisam ser salientadas. Esta revolta se originou do povo que era pobre, camponês, e vítima da opressão política que de muito lhes sobrevinha dos palácios e dos ricos. As razões desse levante também não são novas. Este mesmo povo sempre soube se juntar e defender seus direitos e sua fé. Eles sempre reagiram às ofensivas da classe dominante.

Os acontecimentos que prepararam e culminaram na revolta macabaica foram muitas vezes interpretados simplesmente como uma questão de perseguição religiosa por um império pagão hostil e uma subsequente rebelião dos judeus para recuperar a sua liberdade religiosa. Mas a situação foi muito mais complexa. E, como a reforma helenística, a resistência popular, o decreto imperial e a guerra de libertação, constituiu uma virada crucial para a história judaica posterior (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 29).

O Império Grego sucedeu ao Persa e o resultado foi uma total disseminação da cultura grega e da língua por todo o domínio de Alexandre, o grande e seus generais sucessores. Os gregos fundaram cidades na costa da Ásia Menor, estabeleceram postos avançados de comércio na costa da Síria, e mantiveram comércio com os Fenícios. Eles estavam sempre em expansão.

7 Os pobres da terra: as vítimas da política opressiva das monarquias de Judá e Israel. Expulsos de

suas terras, mão-de-obra barata nos campos dos latifundiários, obrigados a servir nas milícias, e pesadamente tributados pelo estado. São os “oprimidos da terra”, cujos maiores porta-vozes são os profetas pré-exílicos. Eles, depois da destruição da cidade e da deportação dos antigos opressores, recebem da Babilônia terra, campos, vinhas (Jr 39,10). (GALLAZZI e RUBEAUX, 1993, p.18).

(34)

33 Em termos de extensão e complexidade das terras que Alexandre sujeitou a seu governo, suas conquistas não tiveram precedentes na história grega e lhe valeram o epíteto de “Magno”. Em 323 a.C. Alexandre Magno morreu e seus generais foram incapazes de seguir uma política unitária, resultando no desmembramento do império (STAMBAUGH e BALCH, 2008, p.10).

A sucessão de domínios e influências que se impôs ao povo judeu/israelita por meio dos reinos que se levantaram, provocaram mudanças ou reflexões teológicas diversas. A prova disso se vê nas mais variadas tendências existentes entre os grupos ou correntes que se formaram no período que antecedeu ao nascimento de Cristo. Se torna importante perguntarmos pelo javismo, pelo judaismo, e pela corrente deuteronomista. Ainda sobreviveu alguma herança dessas interpretações no período intertestamentário? O que teria acontecido a essas correntes depois de tantas interferências de natureza religiosa, espiritual, cultural e econômica?

A memória deuteronomista voltou à tona, sua mística alimentou a resistência, seu projeto de um único povo ao redor de um único Deus empurrou-o para a luta. Este era o coração do grupo de Matatias e seus filhos, que iniciou a guerrilha (GALLAZZI e RUBEAUX, 1993, p. 29).

Contra o que, exatamente, esses guerrilheiros lutaram? Para Koester (2015, p.

214), “o estopim foi uma divergência entre os partidos pró-sírio e pró-egípcio com

relação à função sumo sacerdotal e ao controle dos interesses financeiros do templo”. “Para a maior parte da população judaica, a reforma helenística não envolvia apenas a classe ociosa. Ela era uma ameaça à sua própria existência e identidade” (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 30).

A palestina foi objeto de disputa entre os Tolomeus e os selêucidas8.

Historicamente, os Tolomeus (Ptolomeu) impuseram uma administração eficiente e pacífica e conseguiram extrair da Palestina abundantes tributos (PIXLEY, 2011, p. 43).

O governo dos selêucidas, que começou no ano de 198 a.C. foi, por contraste um tempo difícil em Israel. Os reis selêucidas governaram com graves dificuldades, já que, a partir de sua derrota em Magnésia em 190 a.C. diante dos romanos, foram submetidos a reparações de 15.000 talentos em 12 anos, uma soma astronômica que os obrigou a explorar as nações súditas, entre elas, Israel (PIXLEY, 2011, p. 44).

Os povos do Oriente Próximo se abriram à influência grega, às atitudes dos gregos, à sua cultura e herança espiritual. Além da língua foram completamente

Referências

Documentos relacionados

A pesquisa no uso de cinzas em concreto autoadensável prossegue com a produção e análise de desempenho dos concretos autoadensáveis produzidos com elevados

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Na sua qualidade de instituição responsável pela organização do processo de seleção, o Secretariado-Geral do Conselho garante que os dados pessoais são tratados nos termos do

A dose inicial recomendada de filgrastim é de 1,0 MUI (10 mcg)/kg/dia, por infusão intravenosa (foram utilizadas diversas durações: cerca de 30 minutos, 4 horas ou 24

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise

 Para os agentes físicos: ruído, calor, radiações ionizantes, condições hiperbáricas, não ionizantes, vibração, frio, e umidade, sendo os mesmos avaliados

No 8º dia após o último comprimido de DELLAX 20 e DELLAX 30 (ou seja, após os 7 dias da semana de intervalo), inicie a fita seguinte, mesmo que a hemorragia não tenha parado.