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Critica textual, crítica das fontes e crítica da redação

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3.1 A Paz para os Judeus

3.1.1 Critica textual, crítica das fontes e crítica da redação

A importância da crítica textual para a interpretação de textos bíblicos se deve ao fato de não possuirmos nenhum manuscrito original desses textos. “Nenhuma das

83 cópias reproduz o texto original integralmente; pelo contrário, cada uma delas apresenta variantes de natureza diferente” (MAINVILLE, 1999, p. 39). Outra dificuldade para reproduzirmos com exatidão a intenção do autor é quanto à distância

e a língua46 na qual foram escritos ou produzidos os originais.

Em seu desenvolvimento histórico, o método de crítica textual do Novo Testamento tem sido em cada instância uma combinação de vários fatores, como disponibilidade de manuscritos, julgamentos dogmáticos dos especialistas, desenvolvimento gradual de cânones básicos de crítica, procedimentos estatísticos e mecânicos, reconstrução de famílias de manuscritos e crítica do conteúdo, que por vezes resultou em emendas conjeturais47. No estado atual da evolução da disciplina, a tentativa é de

considerar todos esses fatores de modo abrangente (KOESTER, 2005, p. 45).

A prática da crítica textual distingue dois tipos de exercícios: a crítica externa -avalia uma lição partindo da qualidade dos manuscritos que a contém, e interna,

consiste em avaliar uma lição48 partindo de seu conteúdo literário específico

(MAINVILLE, 1999, p. 40). Como não é possível se chegar aos originais de nenhum

texto bíblico, deve-se considerar as traduções49 mais antigas também, como fontes

literárias50.

A partir de 1947, foram encontrados em onze grutas de Qumrã cerca de oitocentos manuscritos bíblicos. Essa descoberta fabulosa nos pôs em contato com testemunhas do texto bíblico de mais de mil anos anteriores às que eram conhecidas até então. Todos os livros bíblicos, com exceção de Ester estão representados nos manuscritos de Qumrã, embora, em muitos casos, apenas em fragmentos (MAINVILLE, 1999, p. 23).

De grande importância para a reconstrução dos textos bíblicos são os manuscritos de Qumrã, que, como os textos mossorético e protomassoretico são testemunhas diretas da existência de textos bíblicos hebraicos. Outros ainda podem

46 Todos os livros do Antigo Testamento foram escritos originalmente em hebraico, língua semítica cuja

existência é atestada há três milênios.

47 O valor dessas considerações, porém, é limitado, tanto por causa do grande número de manuscritos

quanto pela complexidade de sua transmissão. O estabelecimento de famílias de manuscritos não resultou num estema cristalino e coerente, pois as vias da transmissão dos manuscritos se entrecruzam frequentemente (KOESTER, 2005, p. 45).

48 Uma lição designa um fragmento de texto tal como foi transcrito por um copista diferentemente de

um texto de referência (MAINVILLE, 1999, p. 40).

49 São consideradas testemunhas indiretas. As versões que interessam para a crítica textual são

aquelas que foram traduzidas diretamente do grego. São elas a siríaca, latina, cóptica, gótica, armênia, etiópica, geórgica, arábica e eslávica (MAINVILLE, 1990, p. 34).

50 Os primeiros escritos cristãos, inclusive todos os documentos que compõem o Novo Testamento,

são fontes literárias muito problemáticas para a compreensão do início do cristianismo. Durante os dois primeiros séculos, a única Sagada Escritura que os cristãos aceitavam era a Bíblia de Israel, a “Lei e os Profetas”, que só bem mais tarde foi chamada de Antigo Testamento (KOESTER, 2005, p. 2)

84 ser citados como: o Pentateuco samaritano, o papiro de Nash e os fragmentos de Gueniza do Cairo (MAINVILLE, 1999, p. 17).

Se a reconstrução de um texto “original” dos escritos do Novo Testamento é uma tarefa desanimadora e talvez até impossível, deve-se acrescentar que apenas

uma porção muito pequena do texto no Novo Testamento está sujeita a dúvidas51

(KOESTER, 2005, p. 47).

A prática da crítica textual é também esclarecedora dos métodos de trabalho dos escribas e da importância que eles atribuíam ao seu trabalho. Além disso, a crítica textual tem muito a dizer sobre o processo de transmissão do texto bíblico, mesmo se o contato com essa grande quantidade de manuscritos bíblicos mostrar como seria ilusório querer chegar ao texto original. Enfim, e apesar de seus limites, a crítica textual abre diante de nós um mundo de enormes riquezas (MAINVILLE, 1999, p. 59)

“Quando foram escritos os livros do Novo Testamento, a Torá escrita e a Torá oral não tinham alcançado ainda o ponto de cristalização definitiva” (BARRERA, 1995,

p. 593) Por isso, o Novo Testamento faz uso do Antigo Testamento liberalmente52.

“Os primeiros cristãos utilizavam os princípios e métodos da exegese judaica, com uma única diferença, embora determinante: a leitura cristológica do Antigo

Testamento53” (BARRERA, 1995, p. 594).

A exegese Neotestamentária do AT desenvolve todos os métodos de interpretação conhecidos no judaísmo da época: literal, pesher, midráxico e alegórico. Conhece também gêneros como o Testimonia e o do “proêmio homilético”. As discussões de Jesus com os rabinos revestem-se com frequência desta forma midráxica. Na transmissão evangélica mais antiga está bem enraizada a ideia de que Jesus considerava que as profecias bíblicas tinham cumprimento na sua pessoa e na sua missão escatológica (BARRERA, 1995, pp. 596, 599).

51 O novo Testamento é o mais bem confirmado de todos os documentos da história antiga, e a

abundância de evidências, na forma de manuscritos gregos, traduções e citações dos primeiros pais da igreja, tem tornado possível a restauração de seu texto a um grau realmente admirável (CHAMPLIM, 2014, p. 86).

52 A exegese pesher dos cristãos foi tão meticulosa que não há praticamente versículo algum no Novo

Testamento que não se refira às Escrituras mais antigas. Os quatro evangelistas parecem ter usado a Septuaginta como outra fonte para a biografia de Jesus (ARMSTRONG, 2008, p. 70-71).

53 Os desvios textuais nas citações que Jesus ou o Novo Testamento fazem do Antigo Testamento

inscrevem-se, no panorama de fluidez textual com que o texto bíblico era transmitido na época correspondente aos anos de vida de Cristo e da formação da tradição evangélica. O número de citações do Antigo Testamento é maior em Mateus e João do que em Marcos e Lucas (BARRERA, 1996, p. 602).

85 Mateus faz uso bem amplo do AT, em torno ao tema do Novo Êxodo e do Novo Moisés. Na vida e na doutrina de Cristo tudo acontece e tudo se diz “para que se cumpra” o dito pelos profetas (Mt 1,23; 2,6;5,3;27,9) (BARRERA, 1996, p. 608).

O Evangelho de Mateus, como os ‘Pesharîm’ de Qumrã, interpreta as passagens bíblicas como profecias do presente e do futuro das respectivas comunidades, essênica e cristã. O característico do midraxe praticado na escola de Mateus é que precisa desenvolver toda uma biografia de Jesus como marco no qual inscrever as citações, a partir das quais o AT é interpretado à luz do acontecimento cristão (BARRERA, 1996, p. 609).

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