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Dominação Romana e o Nascimento de Jesus, o Cristo

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Na sua conquista inicial, e nas subsequentes, os romanos trataram brutalmente os habitantes, a fim de obter submissão. Os exércitos romanos incendiaram,

10 Os que amam estão combatendo. A espada anda junto com o amor de Deus. Longe de qualquer

forma de alienação, o amor e o conhecimento de Deus não nos afastam da história, mas nos jogam para dentro dela, até o fim, até à derrota dos inimigos, para que todos possam cantar hinos de louvor e exaltação a um Deus que por todos será assim conhecido (GALLAZZI e RUBEUX, 1993, p. 109).

37 destruíram, massacraram, crucificaram ou escravizaram as suas populações. (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 44).

O que se segue à dominação asmonéia é uma violenta conquista por parte de Roma, seguida por lutas devastadoras pelo poder. O controle da área era disputado por facções asmonéias rivais, pelo império dos partos a leste e até por facções rivais da guerra civil romana, que então assolava o Mediterrâneo Oriental e a Itália. (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 43)

Herodes11 consegue ser reconhecido como rei dos territórios judaicos da

palestina, em 40 a.C. depois de muitas manobras. Para se manter no poder não hesitou em eliminar muitos membros da antiga aristocracia asmonéia, de quem era parente, e criar uma nova aristocracia leal a ele. Como político que era, favoreceu algumas famílias sacerdotais colocando-as no sumo sacerdócio mesmo não sendo sadoquitas (HORSLEY e HANSON, p. 44-45).

Tornou-se o protótipo da dominação imperial helenística como rei romano dependente. De 37 a 4 a.C. manteve rigoroso controle do povo por meio de mercenários estrangeiros pessoalmente leais a ele, criando fortalezas por todo o país e colônias militares, além de contar com um importante serviço secreto de informantes (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 44).

Herodes acabou com qualquer participação do povo no processo político, reduzindo os fariseus a mera irmandade religiosa. Herodes era um simpatizante da cultura helenística e empreendeu esforços desmedidos na construção de cidades, ginásios, e outras obras relacionadas à cultura helênica. Para sustentar tudo isso sobrecarregou o povo com taxas cada vez mais elevadas de impostos, o que provocou o constante descontentamento dos camponeses e dos defensores de vida tradicional judaico, livre de qualquer dominação ou opressão.

A imposição romana da monarquia dependente herodiana na palestina e o controle do Estado-Templo por parte de Herodes significavam que a população estava agora sujeita a várias camadas de governantes com suas exigências de impostos ou tributo além dos dízimos e das ofertas. Os projetos de desenvolvimento teriam aumentado o fardo dos camponeses, que formavam sua principal base econômica. Os galileus, que apenas recentemente haviam passado para a jurisdição de Jerusalém, provavelmente teriam alimentado sentimentos ambíguos com relação ao Templo e ao sumo sacerdócio, a quem até então não haviam pago o dízimo e outros encargos (HORSLEY, 2004, p. 91).

11 Herodes era considerado ilegítimo para estar no cargo de rei, pois era só meio judeu: Era filho de pai

idumeu e de mãe árabe, adepto ao helenismo e uma criatura de Roma (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 45).

38 Horsley e Hanson (2015, pp. 45-46), afirmam que Herodes, no seu ambicioso projeto de helenização movido por sua ambição desmedida forçou ao máximo a exploração econômica do país e do povo que dominava. O ônus recaiu pesadamente sobre os camponeses e foram muitos os descontentes. A vista disso, Herodes manteve rígido controle político e social, impedindo qualquer forma de protesto e reclamações. Proibia reuniões públicas, formação de grupos e até a vida comunitária normal.

Quando finalmente Herodes morreu em 4 a.C., o descontentamento profundo e longamente reprimido explodiu, primeiro em atos de desafio ao tirano moribundo e depois em revoltas populares espontâneas em toda a parte do reino (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 46).

Herodes Antipas12, (filho de Herodes, o grande) que assumiu como tetrarca a

Galileia e a Pereia, deu sequência ao governo tirano de seu pai. Isso provocou fortes

reações dos camponeses que eram os mais prejudicados. “Arquelau (outro filho de

Herodes) assumiu o governo da Judeia e da Samaria, sob os protestos de uma

delegação de anciãos judeus que preferiam um governo romano em seu lugar”

(HORSLEY e HANSON, 2015, pp. 46-47).

Quando se diferencia a história do judaísmo, de forma mais rústica, procurando enquadrar Jesus dentro do tempo na história dos judeus, Jesus pertence ao grande espaço de tempo da história designado pela classificação judaica tradicional das épocas de tempo do segundo templo (second temple

judaism). Este tempo principia com o retorno do exílio babilônico (539 a.C.) e

se finda com a destruição do templo pelos romanos (70 d.C.). Dentro desse espaço de tempo, alguns períodos podem ser distinguidos, tendo critérios distintos para esta distinção. Podem ser destacados os tempos por meio dos “poderes politicamente dominantes do momento”. Esta tipificação resulta das épocas de domínio persa, helenista, no tempo dos macabeus e asmoneus, e finalmente, na época romana. Se forem escolhidas outras classificações de época, mais gerais, então Jesus pertence bem genericamente ao “antigo judaísmo” (ancient Judaism) ou à religião do judaísmo na época helenista tardia (STEGEMANN, 2012, pp. 29-30).

Todo o período do governo romano direto de 6 a 66 d.C. foi marcado por um descontentamento generalizado e periódica turbulência na sociedade judaica palestinense (HORSLEY e HANSON 2015, p. 47).

12 Herodes Antipas (4.a.C.-39 d.C.) foi estabelecido tetrarca das regiões da Galileia e da Pereia. Este

é o Herodes cujo casamento João Batista condenou e o rei Herodes em cujo reinado Jesus desenvolveu suas atividades (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 46)

39 Este foi o período de maior interesse em relação a movimentos e líderes populares, como Jesus de Nazaré e também por rebeliões camponesas de grande escala: insurreições se seguiram à morte de Herodes no ano 4. a.C. e a maciça revolta contra Roma em 66-70, seguida de uma segunda grande revolta contra Roma em 132-135 d.C. (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 47).

A História de Jesus é contada nos Evangelhos algum tempo depois de sua morte e ressurreição. Cada um a seu modo apresenta Jesus, o Cristo, de forma diferente, para responder aos anseios de cada comunidade que participou da sua elaboração. O Evangelho de Mateus apresenta Jesus como Senhor da História. “A realidade de Jesus como o verdadeiro sujeito da história está contida em seu nome Emanuel. Ele é a manifestação da presença de Deus na história” (Mt. 1,23 e 28,20) (GORGULHO e ANDERSON, 1981, p.19).

O Messias Salvador nasce por intervenção de Deus na história humana. Jesus não é homem qualquer. O significado primário do nascimento virginal, por obra do Espírito Santo, faz aparecer essa ação divina como segunda criação, que supera a descrita em Gn 1, 1ss. Na primeira (Gn 1,2), o Espírito de Deus agia sobre o mundo material; agora faz culminar em Jesus a criação do homem. Essa culminação não é mera evolução ou desenvolvimento do passado; por ser nova criação, realiza-se mediante intervenção do próprio Deus (MATEOS e CAMACHO, 2011, p. 22).

A relação paz e espada revela–se nos eventos que antecederam e sucederam ao tempo do Messias. Com o domínio de Roma as conquistas da revolta camponesa macabaica são desfeitas; tudo volta a ser até pior do que antes. A tão sonhada independência de Israel não se mantém. Era preciso a chama da fé e da esperança reacender no coração do povo novamente. Apesar da dureza do regime imposto por Roma e das dificuldades decorrentes desse regime, Israel não se dá por vencido. As

várias correntes, movimentos e grupos que vão se formando revela que “os povos

judeu e galileu apoiavam-se e estavam firmemente comprometidos com a tradição israelita e com o modo de vida que ela representava” (HORSEY, 2004, p. 57).

O olhar “a partir de cima” sobre o brilho de Roma não faz perceber toda a realidade. Ele apresenta contexto de sentido contradito pelas vítimas. Seria importante inverter a perspectiva numa percepção “ a partir de baixo”, para que a realidade experimentada como sofrimento não seja entregue ao esquecimento através da glorificação e para que os vencedores na história não triunfem novamente sobre as suas vítimas na descrição da história (WENGST, 1991, p. 19).

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A questão é muito complexa: não se pode falar de um judaismo unificado13, ao

tempo de Jesus. Nem de um único povo vivendo sob uma mesma expectativa e fé. Nem se pode dizer que o que movia a população para as revoltas estava totalmente relacionado à defesa da Lei (Torah). Havia pessoas e interesses diferentes,

envolvidos no contexto das resistências judaicas14. É preciso procurar em meio a toda

essa complexidade o seguimento, ou a corrente responsável por não deixar que se perdesse toda a tradição da religião dos Hebreus/Judeus.

Em vários momentos durante o primeiro século de dominação imperial romana na Judeia, grupos escribais promoveram protestos ad hoc e resistência organizada. Até metade do século I d.C., essas ações eram todas não violentas, aparentemente muito conscientes de que qualquer provocação, por pequena que fosse, quase certamente levaria à tortura e execução cruel. Nos três casos relatados por Josefo, a resistência estava profundamente enraizada na aliança mosaica, fundamento da sociedade judaica. Em cada caso fica claro que, fundamentadas no princípio da fidelidade exclusivaa Deus e à Sua Lei, as dimensões religiosas e político- econômicas são inseparáveis (HORSLEY, 2004, p. 46)

Bem, em meio a tudo isso surge Jesus, o Cristo, considerado por muitos o enviado de Deus. Mas nem todos o viam assim. Para testemunhar a respeito de Jesus e de sua messianidade, um grupo de Judeus, interpretando as Escrituras encontrarão os fundamentos para a defesa de sua fé. Assim, formularão as bases de uma proposta de renovação intra-judaica, no princípio, que mais tarde se transformará numa religião independente do judaísmo, o cristianismo. Para contar história de Jesus, o Cristo é que os evangelistas se esmeraram na coleta de dados e nos testemunhos a fim de demonstrar para suas comunidades a veracidade de tudo a seu respeito. Cada evangelista elabora seu projeto com uma finalidade específica. O Evangelho de Mateus apresenta Jesus como o Messias, o enviado de Deus.

13 Entre os elementos que provocaram fragmentação no século I d.C. estiveram a ocupação romana,

as escolas judaicas rivais e a destruição do Templo de Jerusalém (OVERMAN, 1997, p. 22).

14 No tempo de Jesus, além de inúmeras comunidades coesas de judeus (de língua grega ou aramaica)

em várias cidades do Império Romano e da Babilônia, havia vários povos de origem israelita, os galileus, os samaritanos e os judeus, vivendo na Palestina sob diversos governantes indicados pelos romanos. Talvez a autoridade dirigente mais importante fosse o Templo e os sumos sacerdotes de Jerusalém. Mas, no tempo de Jesus, a Galileia não era governada diretamente pelos sumos sacerdotes do Templo, mas pelo filho de Herodes, Antipas. Em razão de histórias locais e regionais diferentes, os judeus, galileus e samaritanos tinham costumes e práticas um tanto diferentes, ao mesmo tempo em que compartilhavam uma história e tradição cultural israelita comum. Na época de Jesus, os povos da Palestina constituíam uma sociedade complexa, repleta de conflitos políticos, mais do que uma religião unitária (judaísmo) (HORSLEY, 2004, p. 16).

41 2 O EVANGELHO DE MATEUS E A COMUNIDADE MATEANA

Para falar sobre a vida, obra, morte e ressurreição de Jesus o autor do Evangelho de Mateus, juntamente com sua comunidade, elaboram esse Evangelho. Trata-se de um projeto cuidadosamente preparado com a finalidade de apresenta-lo aos judeus cristãos e também a todos os que vierem a crer nele. Com a vinda do Messias, o reinado de paz seria instaurado, conforme a tradição deuteronomista. Como o reinado de Deus se tornaria uma realidade, destronando o império romano e a autoridade sacerdotal dominante em Israel por ocasião de sua missão?

O Evangelho de Mateus contesta cada uma das pretensões imperiais de Roma a respeito da soberania divina, presença, ação e bem-estar social. O esquema apocalíptico do evangelho responde à questão: “a quem pertence a soberania do mundo”?15 Jesus, o ressuscitado manifesta sua autoridade

total sobre céu e terra (Mt 28,19). O Reino de Deus [...] é manifestado parcialmente agora, em Jesus, exigindo lealdade humana (Mt 4, 17-22), submetendo pecado (1,21; 9.1-8), enfermidade e o reino de satanás (Mt 12, 28). O Reino de Deus, não o de Roma, durará para sempre (Mt 24-25) CARTER, 2002, p. 71).

Quando esse Evangelho foi concluído fazia mais de cinquenta anos da morte e ressurreição de Jesus. Muitas coisas haviam acontecido; Jerusalém tinha sido destruída, em 70 d.C. o templo, e os sacerdotes haviam desaparecido. Os judeus estavam dispersos por todo vasto império. O redator desse Evangelho, juntamente com os seus colaboradores estavam fazendo memória da trajetória de Cristo. É provável que não houvessem testemunhas oculares, devido à distância e o tempo que separavam a comunidade de Mateus dos eventos relacionados à pessoa de Jesus.

Neste capítulo serão tratadas questões relacionadas ao Evangelho de Mateus, à comunidade mateana, o contexto onde o Evangelho surgiu, a finalidade dos autores/redatores ao elaborar esse material. Os Evangelhos testemunham a relação existente entre os vários grupos, comunidades e movimentos existentes na sociedade judaica ao tempo de Jesus, e como estes grupos interpretaram a sua mensagem. Estamos enfim, em busca de um fio condutor, que nos ajude a compreender a interpretação que Mateus fará, algum tempo depois, em seu Evangelho, dos atos e dos ensinamentos de Jesus. Em qual desses movimentos, correntes, grupos, se encaixava Jesus e seu movimento? Responder a esta pergunta é fundamental para

42 compreendermos a sua proposta para um judaísmo tão fragmentado e sectário de seu tempo.

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