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Movimentos Populares e Proféticos e o Movimento de Jesus

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O grupo dos essênios, saduceus, fariseus, zelotas e sicários representam uma parte da resistência judaica, mas não toda. A resistência proveniente dos grupos populares é digna de nota. É de lá que sairá o movimento de Jesus, bem como o movimento de renovação proposto por Mateus.

Estudos anteriores compararam Jesus e seus seguidores apenas a um “judaísmo sectário” abstrato, particularmente aos fariseus supostamente normativos e, desde a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto em 1947, aos essênios ou à comunidade de Qumrã. Para ele esses são pertencentes aos grupos letrados, e dificilmente representavam o povo comum. Jesus e seu movimento, recentemente tem sido comparado aos movimentos populares (HORSLEY, 2012, pp. 158-159).

Os líderes e movimentos populares podem ter certas implicações para a nossa compreensão de Jesus de Nazaré e da igreja primitiva.

Horsley e Hanson (2015, p. 215), afirmam que o debate sobre “Jesus e os

zelotas”, está historicamente mal fundamentado e equivocado. A discussão deve

considerar a ação violenta ou não violenta por parte dos grupos26. A tentativa de

26 A ação dos grupos dominantes era quase sempre violenta, manifesta nas próprias condições que

deram origem aos vários tipos de movimentos. Os romanos conquistaram e continuaram seu controle por meios violentos, incluindo intimidação e terror. Herodes manteve a segurança por meio de violência repressiva. Os sumos sacerdotes saqueavam e torturavam o seu próprio povo. (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 215).

55 associar o movimento de Jesus aos zelotas também está equivocada, pois os zelotas propriamente dito só surgiram como um grupo quase quarenta anos depois da vinda de Jesus, ou seja, quando as tradições dos evangelhos tinham assumido forma e já quase no tempo em que foi escrito o primeiro evangelho, o de Marcos (70, d.C.).

O estudo do banditismo social judaico pode lançar alguma luz sobre a maneira como Jesus foi preso (como um salteador, Mc 14,48) e a cena da crucificação, em que Jesus foi crucificado com dois salteadores (não ladrões, Mc 15, 27). Mais importante que isso a cena do banditismo ilustra as condições de desintegração social em que as palavras e as ações de Jesus encontraram eco. A frequente ocorrência de grupos populares com as formas particulares de movimentos messiânicos e proféticos têm muito mais importância para o estudo de Jesus e do primitivo cristianismo palestinense (HORSLEY e HANSON, 2015, p, 218).

São ainda mencionadas as ocorrências de reis populares27 e de profetas

oraculares e rústicos como parte da sociedade palestinense. Estes movimentos ocorreram em um período da história judaica em que aparentemente estava bastante

difundido o espírito apocalíptico, pelo menos em época de tensão e de conflito. “A

prova de que houve uma onda de iminente expectativa escatológica na sociedade em

geral vem principalmente da literatura apocalíptica28 e dos evangelhos cristãos”

(HORSLEY e HANSON, 2015, p 212).

No decorrer de sua história, caracterizada por muitas vicissitudes, guerras e momentos de necessidade, a pergunta que cada vez mais afligiu o judaísmo foi: quando Deus, de fato, cumpriria suas promessas? Como as promessas salvíficas se encontravam em visível contradição com o presente, repleto de sofrimento e tristeza, a esperança dos piedosos não se voltou para os acontecimentos intra-históricos, mas para a futura transformação do mundo, pela qual tudo deveria ser mudado. Dessa expectativa fala a literatura apocalíptica que surgiu entre o início do século II a.C. até p começo do século II d.C. (LOHSE, 2000, p. 49).

O banditismo na Palestina judaica e os movimentos proféticos populares foram provavelmente “pré-políticos”. O Banditismo foi um protesto sério, mas não revolucionário. Ao contrário do simples banditismo, os movimentos proféticos eram animados por uma esperança, quando não por um programa efetivo, de liberdade da sua sociedade (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 213).

27 Tanto antes como depois de Jesus de Nazaré, houve diversos líderes populares judeus, quase todos

oriundos dentre os camponeses, que, nas palavras de Josefo, “reivindicaram a realeza”, “usaram o diadema real” ou foram “proclamados reis” pelos seus seguidores (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 89)

28 O tipo de movimento mais claramente enquadrado numa mentalidade apocalíptica foi o dos

movimentos proféticos populares. Esses profetas e seus seguidores concebiam a solução da sua situação intolerável em termos de uma repetição nova, escatológica, de um dos grandes atos históricos de libertação (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 213).

56 Os mais notórios de todos os protestos promovidos pelos habitantes da Judeia e da Galileia aconteceram imediatamente antes e depois da missão de Jesus de Nazaré. Judeus e Galileus organizaram demonstrações gigantescas, disciplinadas e não-violentas contra a provocação romana. Em ambos os casos o povo subjugado da Palestina demonstrou sua disposição de sofrer e morrer para defender seu modo de vida tradicional, especialmente o princípio da aliança mosaica de fidelidade exclusiva ao seu Deus (HORSLEY, 2004, p. 53).

Em comparação com os movimentos proféticos29, os profetas oraculares e os

movimentos messiânicos foram politicamente mais conscientes. Mais que os movimentos proféticos, e muito mais que o banditismo, os movimentos messiânicos tinham uma clara consciência política (HORSLEY e HANSON, 1995, p. 214).

Os dois tipos de profetas populares oferecem sem dúvida o material comparativo potencialmente mais frutífero para o estudo de aspectos da vida de Jesus. A julgar pelos primeiros estratos das tradições dos evangelhos cristãos, Jesus apresenta mais semelhança com essas figuras proféticas que com os reis populares. Por exemplo, a lamentação de Jesus sobre Jerusalém (Lc 13,34-35 e par.) e outros soam muito semelhantes ao oráculo de condenação pronunciado por Jesus, filho de Ananias. De maneira geral, as tradições dos evangelhos associam Jesus e João Batista (HORSLEY E HANSON, 1995, p. 218).

Considerando a classificação das ações desses grupos e movimentos como violentas e não violentas, pode-se dizer que o grupo de Jesus e o dos fariseus estão entre os grupos de ações não violentas. Sendo o grupo de Jesus um grupo profético, visto posteriormente como messiânico e escatológico. Pode-se dizer, também, que as tentativas de associar o movimento de Jesus a um dos grupos já conhecidos não encontram respaldo, pois o grupo de Jesus é simplesmente o grupo de Jesus. Embora com características semelhantes aos demais, todavia, tendo sua própria peculiaridade.

A análise de fatores mostrou: o movimento de Jesus surgiu em meio a uma profunda crise da sociedade judaico palestinense. Se ele fosse apenas um reflexo das circunstâncias sociais, já estaria dito tudo com a análise das suas condicionantes sociais, e uma análise específica de funções seria desnecessária. Partimos, portanto, do pressuposto de que o movimento de Jesus não apenas se originou de uma crise da sociedade, mas articulou uma resposta a esta crise que não pode ser inferida sociologicamente (THEISSEN, 1997, p. 80)

29 De fato, durante o século I da era cristã a memória dos antigos movimentos proféticos de libertação

inspirava novos movimentos proféticos, e o profetismo oracular tradicional havia revivido entre o povo (HORSLEY E HANSON, 2015, p. 144).

57 O líder camponês Galileu, Jesus de Nazaré, terá dado uma primeira expressão a uma corrente de renovação religioso-social das sagradas tradições judaicas da aliança, que encontra expressão semelhante entre os camponeses judeus numa

situação de crise posterior30.

O que é distintivo sobre a representação da tradição do Evangelho do ensinamento de Jesus não é um individualismo itinerante radical, mas a renovação ou revitalização da comunidade local (e do casamento/família; por ex: Mc 10, 1-45: Lc/Q 6,20-49; 22,28-30). As tradições evangélicas de Jesus simplesmente não se adaptam a uma situação de desaparecimento da vida comunitária tradicional (na forma social básica, a aldeia) em que um estilo de vida individual radical era uma alternativa viável. Elas antes se adaptam a uma situação em que o modo de vida da aliança tradicional baseado na reciprocidade nas comunidades camponesas estava ameaçado, de modo que os camponeses galileus responderam à tentativa de Jesus de uma renovação da cooperação e reciprocidade da aliança mosaica (HORSLEY, 2012, p. 160).

Theissen (1997, pp. 11, 33) afirma que o movimento de Jesus31 era um

fenômeno palestinense com irradiação para as regiões sírias adjacentes. Este movimento veio a constituir o cristianismo judaico autônomo após 70 d.C. O Movimento de Jesus conviveu e competiu com outros movimentos de renovação intrajudaicos. É um movimento popular e profético.

“São fatores sócio econômicos que determinam as características predominantes do movimento de Jesus que é o “desenraizamento social dos carismáticos itinerantes” entendido como [...] ruptura mais ou menos forte com normas usuais” (THEISSEN, 1997, p. 33).

Tão importante quanto o estudo sobre o movimento de Jesus é o estudo sobre sua identidade judaica, pois “os discursos sobre o judaísmo de Jesus estão cunhados pelo fato de terem, duas possíveis grandezas referencias: sua pertença ao povo judeu, e o seu posicionamento em relação às convicções do judaísmo” (STEGEMANN, 2012, p. 230). A questão é a identidade de Jesus como Galileu e não como um Judeu. Os Galileus não eram considerados puros, “legítimos” pelos Judeus.

30 Muitos movimentos e revoltas contra a dominação imperial romana assumiram formas sociais típicas

da tradição e sociedade israelitas, formas sociais muito sugestivas por suas semelhanças com temas importantes na pregação e prática de Jesus (HORSLEY, 2004, p. 55).

31 Jesus e seu movimento emergiram no final de uma série de situações que exerceram profundo

impacto sobre a vida na Galileia. Ao longo de sucessivas gerações, a Galileia foi incorporada ao estado- templo pelo sumo sacerdócio asmoneu, invadida repetidamente pelos exércitos romanos, subjugada por Herodes e finalmente governada por Antipas, que reconstruiu duas cidades para seu regime diretamente na Galileia (HORSLEY, 2000, p. 157).

58 Jesus e os primeiros integrantes do seu movimento, naturais de aldeias como Nazaré, Cafarnaum e Corazim, deviam ter suas raízes profundamente firmes nas tradições israelitas. Não há base, portanto, em evidência para a identidade dos galileus ou nos primeiros estratos da tradição evangélica, para a afirmação de que Jesus e/ou seu movimento, nas três ou quatro décadas estava de algum modo invocando julgamento contra (todo) Israel ou judaísmo. Pelo contrário estavam envolvidos com a renovação de Israel (HORSLEY, 2012, p. 161).

As diferenças regionais entre a Galileia e Jerusalém compunham as diferenças de classe entre as comunidades camponesas e os grupos dirigentes, tanto das

famílias sumo sacerdotais como dos reis herodianos32. O campo era tão habitado que

toda a terra era cultivada. As repetidas ocorrências de guerras significavam para os camponeses pesadas taxas de tributos. Tanto os romanos quanto os sacerdotes exigiam altas taxas dos camponeses (STAMBAUGH, 2008, p. 92).

A principal razão por que os galileus e os judeus perseveraram tão persistentemente sua revolta contra o domínio imperial romano foi a robustez do espírito de resistência ao domínio estrangeiro opressor entranhado na tradição israelita (HORSEY, 2004, p. 53).

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