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O Período Macabeu e a Helenização da Cultura Judaica

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Este período ilustra bem a insatisfação dos camponeses e a preocupação da corrente mais rigorosa do judaísmo com o rumo no qual a política estava levando a nação. O líder maior da religião judaica, o Sumo Sacerdote, a este tempo, demonstrava muito interesse na helenização da Judeia e consequentemente a relativização das Leis da Aliança. Isso trouxe instabilidade e preocupação por parte

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da camada mais fiel às Leis da Aliança. Não só essa camada, mas os pobres7 que se

viam privados de sua liberdade religiosa e política e de seus bens (terra) se encontravam em uma situação de muito temor. Render-se ou lutar. Eles preferiam sempre lutar. O espírito aguerrido desse povo evidencia a presença constante da espada. Lutas, embates, guerras, sempre em defesa de um modo de vida construído ao longo dos séculos e constantemente ameaçado por domínios inescrupulosos que buscavam manter seu poderio e seus interesses a qualquer preço.

A história da guerrilha, promovida pelos macabeus e asmoneus, não representa nenhuma novidade de comportamento em Israel. Questões dessa natureza fazem parte de toda sua história. É preciso que se diga que essa foi uma batalha que teve origem entre o povo, o povo pobre de Israel. Mas, não necessariamente, só os pobres participaram, mas os pobres que tinham um ideal religioso construído desde muito tempo, naturalmente foram os protagonistas. As características dos idealizadores dessa revolta precisam ser salientadas. Esta revolta se originou do povo que era pobre, camponês, e vítima da opressão política que de muito lhes sobrevinha dos palácios e dos ricos. As razões desse levante também não são novas. Este mesmo povo sempre soube se juntar e defender seus direitos e sua fé. Eles sempre reagiram às ofensivas da classe dominante.

Os acontecimentos que prepararam e culminaram na revolta macabaica foram muitas vezes interpretados simplesmente como uma questão de perseguição religiosa por um império pagão hostil e uma subsequente rebelião dos judeus para recuperar a sua liberdade religiosa. Mas a situação foi muito mais complexa. E, como a reforma helenística, a resistência popular, o decreto imperial e a guerra de libertação, constituiu uma virada crucial para a história judaica posterior (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 29).

O Império Grego sucedeu ao Persa e o resultado foi uma total disseminação da cultura grega e da língua por todo o domínio de Alexandre, o grande e seus generais sucessores. Os gregos fundaram cidades na costa da Ásia Menor, estabeleceram postos avançados de comércio na costa da Síria, e mantiveram comércio com os Fenícios. Eles estavam sempre em expansão.

7 Os pobres da terra: as vítimas da política opressiva das monarquias de Judá e Israel. Expulsos de

suas terras, mão-de-obra barata nos campos dos latifundiários, obrigados a servir nas milícias, e pesadamente tributados pelo estado. São os “oprimidos da terra”, cujos maiores porta-vozes são os profetas pré-exílicos. Eles, depois da destruição da cidade e da deportação dos antigos opressores, recebem da Babilônia terra, campos, vinhas (Jr 39,10). (GALLAZZI e RUBEAUX, 1993, p.18).

33 Em termos de extensão e complexidade das terras que Alexandre sujeitou a seu governo, suas conquistas não tiveram precedentes na história grega e lhe valeram o epíteto de “Magno”. Em 323 a.C. Alexandre Magno morreu e seus generais foram incapazes de seguir uma política unitária, resultando no desmembramento do império (STAMBAUGH e BALCH, 2008, p.10).

A sucessão de domínios e influências que se impôs ao povo judeu/israelita por meio dos reinos que se levantaram, provocaram mudanças ou reflexões teológicas diversas. A prova disso se vê nas mais variadas tendências existentes entre os grupos ou correntes que se formaram no período que antecedeu ao nascimento de Cristo. Se torna importante perguntarmos pelo javismo, pelo judaismo, e pela corrente deuteronomista. Ainda sobreviveu alguma herança dessas interpretações no período intertestamentário? O que teria acontecido a essas correntes depois de tantas interferências de natureza religiosa, espiritual, cultural e econômica?

A memória deuteronomista voltou à tona, sua mística alimentou a resistência, seu projeto de um único povo ao redor de um único Deus empurrou-o para a luta. Este era o coração do grupo de Matatias e seus filhos, que iniciou a guerrilha (GALLAZZI e RUBEAUX, 1993, p. 29).

Contra o que, exatamente, esses guerrilheiros lutaram? Para Koester (2015, p.

214), “o estopim foi uma divergência entre os partidos pró-sírio e pró-egípcio com

relação à função sumo sacerdotal e ao controle dos interesses financeiros do templo”. “Para a maior parte da população judaica, a reforma helenística não envolvia apenas a classe ociosa. Ela era uma ameaça à sua própria existência e identidade” (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 30).

A palestina foi objeto de disputa entre os Tolomeus e os selêucidas8.

Historicamente, os Tolomeus (Ptolomeu) impuseram uma administração eficiente e pacífica e conseguiram extrair da Palestina abundantes tributos (PIXLEY, 2011, p. 43).

O governo dos selêucidas, que começou no ano de 198 a.C. foi, por contraste um tempo difícil em Israel. Os reis selêucidas governaram com graves dificuldades, já que, a partir de sua derrota em Magnésia em 190 a.C. diante dos romanos, foram submetidos a reparações de 15.000 talentos em 12 anos, uma soma astronômica que os obrigou a explorar as nações súditas, entre elas, Israel (PIXLEY, 2011, p. 44).

Os povos do Oriente Próximo se abriram à influência grega, às atitudes dos gregos, à sua cultura e herança espiritual. Além da língua foram completamente

34 absorvidos pelo helenismo, perdendo sua própria identidade. Fundaram colônias e cidades gregas. Tendo estes mesmos se estabelecido nas cidades existentes. Quem não sabia falar a língua grega era considerado bárbaro. Os colonos gregos trouxeram sua forma de vida e a conservaram. “Jerusalém, todavia, permaneceu como Estado- Templo” (KOESTER, 2015, p. 211), enquanto a cultura grega transformava as cidades nas “Polis”.

A palestina esteve sob a autoridade dos Selêucidas durante algumas décadas apenas. A revolta dos macabeus resultou no estabelecimento do Estado judaico dos asmoneus, que se manteve até a conquista da Síria por Pompeu em 63 a.C. (KOESTER, 2015, p. 33).

A influência grega estava nas construções, nos teatros e termas e nos ginásios, onde se praticava esportes. Além disso, a forma de pensar dos gregos também encontrou aceitação entre alguns judeus, especialmente a elite. Aqui é preciso refletir sobre o conflito entre a abertura que se dá para a influência grega e a rigidez da Lei dos judeus, transmitida por Moisés. Seria impossível, na visão dos mais tradicionais representantes do judaísmo conciliar esses dois polos. Onde se situava entre os judeus a consciência da eleição de Israel como povo de Deus em meio a todos os povos? Teria enfraquecido esta consciência?

A resistência dos camponeses judeus só se expandiu e intensificou quando se tornou evidente que o plano selêucida era confiscar as terras daqueles que persistiam em viver de acordo com a lei mosaica tradicional, vendê-los como escravos a fim de levantar dinheiro para o tributo devido a Roma, e assentar estrangeiros no território confiscado (1 Mc 3, 35-36.41). Este plano selêucida mostra que o que estava em jogo não eram simplesmente as liberdades religiosas dos judeus, mas a própria existência da sociedade judaica tradicional. A revolta macabaica foi uma luta dos camponeses judeus pela própria sobrevivência socioeconômica (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 36) Fenômenos como o sincretismo, culto aos deuses antigos, os oráculos, os mistérios, fizeram parte do desenvolvimento da religião dos gregos (KOESTER, 2015, pp. 167-172). Duas importantes influências gregas afetaram diretamente o judaísmo e provocou alterações no modo de ser da religião. A religião de “mistérios” e o culto ao imperador. Estas influências encontraram forte resistência por parte dos judeus acostumados à ideia de Iahweh, o único Deus e Senhor.

A história dos Macabeus é contada com mais particularidade nos próprios livros que tem esse nome e pelo historiador Flávio Josefo. Conhecer esse período da história dos judeus é essencial para nos aproximarmos dos escritos

35 neotestamentários, pois conhecendo estas realidades podemos interpretar melhor os movimentos e os conflitos existentes à época de Cristo, dos apóstolos e das comunidades que se formaram após o advento da ressurreição de Jesus, o Cristo.

Após a morte de Matatias, a liderança da resistência macabaica passou para um de seus filhos, Judas Macabeu, (que significa martelo) sucedido por Simão e Jônatas. Todos eles ocuparam o cargo de Sumo sacerdote, e rei, contrariando boa parcela dos que tinham zelo pelas tradições, já que eles não vinham da linhagem

sacerdotal. “Pertenciam a uma família sacerdotal rural, mas não descendente da

estirpe sadoquita” (IRs 2,35) (LOHSE, 2000, p. 23).

Por uma variedade de influências e circunstâncias históricas, o período de 165 a.C. a 100 d.C. apresentou uma tendência crescente para a facciosidade e o sectarismo. Ao longo desse período a liderança, ou corpo principal, foi mudando. Não era, de forma alguma um grupo fixo. Tanto os que estavam no poder como os que se sentiam oprimidos e alienados mudavam com frequência durante esse período (OVERMAM, 1997, pp. 21-22).

O templo de Jerusalém, que havia sido profanado por Antíoco IV Epífanes9,

tornando-o impróprio para as celebrações do culto judaico, pôde finalmente, ser purificado por Judas Macabeu no ano 164. “Judas abateu o culto de Zeus, que viera a se conhecer como a “abominação da desolação”, e restabeleceu o culto tradicional dos judeus (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 17). Esta, sem dúvida foi uma grande vitória da luta religiosa dos camponeses guerrilheiros.

“Os Assideus se retiraram, mas os Macabeus continuaram a lutar pela liberdade política que alcançaram temporariamente em 142 a.C. e permanentemente em 129 a.C. Houve, uma vez mais, reis judeus, os asmoneus que também fracassaram, tanto política quanto religiosamente” (FOHRER, 2015, p. 479).

O que tinha começado como uma revolta de camponeses judeus, uma guerra de guerrilha contra os exércitos Selêucidas, terminou não na implantação do Reino de Deus, mas simplesmente no estabelecimento de uma nova dinastia de sumos sacerdotes (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 37)

9 Entre 175 e 163 a.C., os helenizantes, cujos interesses eram impedidos pelas regulamentações

detalhadas da Torah, romperam com as instituições tradicionalistas. Fundaram, encorajados por Antíoco, uma pólis de estilo grego em Jerusalém, que completaram com um ginásio e um conselho

dominado pelos nobres não-sacerdotais da família de Tobias. As tentativas alcançaram seu clímax em 167 a.C., quando Antíoco demoliu as muralhas da cidade de Jerusalém e construiu uma nova fortaleza (a Acra) para a guarnição Síria. Estabeleceu no próprio Templo um culto dedicado ao deus grego Zeus, e Antíoco publicou decreto proibindo a prática da religião judaica na Judeia (HOSRLEY e HANSON, 2015, p. 17).

36 Judas perde o apoio do povo que reuniu no Gallaad (I Mc 6,48-54), dos piedosos e dos escribas (I Mc 7,8-18), dos sacerdotes e anciãos (7,33-38) e, finalmente, dos seus próprios combatentes (I Mc 9,1-10). O projeto de Judas de salvar, de libertar, de conduzir para a grande reunião, todo Israel, só não se concretizou porque Judas não se contentou em ser apenas um pastor, ele quis ser um chefe como na antiga história da monarquia. “De fato, o regime asmoneu tornou-se semelhante a qualquer outro pequeno estado oriental semi-helenizado”. (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 38).

A paz era o ideal a ser implantado em toda a comunidade de Israel, pelo menos para os grupos mais tradicionais do judaísmo. Os caminhos para se alcançar a verdadeira paz, fora transmitido por Deus aos pais, no passado. A conquista dessa paz, parece que nunca passou de um ideal, pois a espada era uma constante na construção da história dessa comunidade. Não sem razão, mas, justamente para preparar o caminho para a verdadeira paz, conforme a interpretação de escribas e profetas. A paz seria alcançada somente por meio da total obediência aos preceitos

dados por Deus desde o início10.

Essa revolta, que se iniciou com este propósito, foi se descaracterizando. A aliança de Judas com Roma “(pacto militar), menos de cem anos depois, levará ao suicídio político, entregando a Judeia nas mãos de Roma” (GALLAZZI e RUBEUAX, 1993, p. 163).

No período do reinado de Alexandre Janeu (103 a 76 a.C.) o estado judeu foi tão grande como o de Davi, novecentos anos antes. Com sua morte veio a disputa pela sucessão. Essa disputa se transformou em uma guerra civil inesperada. “Esta guerra inesperada e a resultante instabilidade que pairou sobre o estado judeu tentaram os romanos a intervir. A intervenção veio na esteira da conquista romana da Síria e da abolição da monarquia selêucida” (HORSLEY e HANSON, 2015, p. 18).

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