• Nenhum resultado encontrado

Desde o seu surgimento que o Serviço Social desenvolveu a sua acção ligada à prática, para a resolução de problemas imediatos. “O pragmatismo, no Serviço Social, tem origem no próprio tipo de trabalho realizado pelos assistentes sociais, voltado para a atribuição de recursos ou de orientações em relação à problemática de assistência social.” (Faleiros, 1997: 164). Contudo, o risco deste practicismo é a ausência de perspectiva de um saber sobre os fenómenos e problemas sociais fundamentado teoricamente, pelo que Faleiros (1997) defende que o assistente social precisa ultrapassar o pragmatismo, a acomodação e a insuficiência de formação. Esta transformação do assistente social num gestor administrativo da política social a par da

“(…) complexidade do social conduz a um empilhamento de dispositivos, de instituições e de novas funções que dilui a responsabilidade e conduz a um esmigalhamento sempre mais acentuado de especializações particulares. Este movimento põe em causa a qualificação global, a polivalência e, portanto, a capacidade de acção dos diferentes trabalhadores sociais.” (Chopart, 2003: 274)

Como argumenta Setubal (2002: 167), os assistentes sociais são testemunhas e simultaneamente sujeitos de todo este processo de transformação que ocorreu no Serviço Social ao nível do “(...) empenho que a cada dia cresce em quantidade e qualidade no interior dessa prática social (...)”, sendo para tal necessário vencer as fragilidades teórico-metodológicas, os ‘vícios’ adquiridos pelo contacto de muitos anos com os paradigmas positivistas32, e também as circunstâncias muitas vezes pouco facilitadoras do reconhecimento do Serviço Social como área de conhecimento.

32 Esta autora considera que o Serviço Social tem de se ‘desenvencilhar’ do ideário positivista, dado que, no seu entender, este divide o agir do homem em campos automáticos e independentes, estabelecendo uma dicotomia entre teoria e prática.

Actualmente, e de acordo com Autès (2004), se por um lado é feito um elogio à personalização da intervenção e à escolha individual, por outro lado, as respostas são cada vez mais padronizadas, não contando com a efectiva participação dos indivíduos na sua construção. Também Amaro (2012: 81) considera que

“(…) esta civilização tecnológica em que o Serviço Social tem que actuar encerra um profundo paradoxo para a intervenção ao mesmo tempo que se exige que as práticas apelem para a individuação e para a construção de narrativas e projectos de vida com os utentes, que estimulem a sua participação e se desenvolvam no sentido da autonomia, é passada uma mensagem de que o profissionalismo e o rigor na intervenção são dados por um objectivismo instrumentalista, ancorado em guias de procedimentos que rejeitam os aspectos mais subjectivos da intervenção.”

Paradoxalmente, é valorizada a rapidez na intervenção, quando as situações são cada vez mais complexas e de maior dificuldade de diagnóstico e de intervenção.

“os assistentes sociais vêem-se encurralados entre uma realidade social de crescente complexidade e exigência e um campo profissional acossado pela necessidade de demonstração de resultados e de rapidez na acção, neste sentido, a burocratização da intervenção – com as suas check-lists, os guias de procedimentos e os protocolos para a intervenção – fornecem uma plataforma de segurança e defensiva para a sua intervenção.” (ibidem: 82).

Como consequência deste quadro de actuação, assiste-se a uma redução do espaço de intervenção e um forte condicionamento à autonomia e liberdade dos assistentes sociais, que conduz à diminuição da possibilidade de desenvolvimento da reflexividade (Amaro, 2012). Faleiros (2001) e Amaro (2012) advertem para a necessidade de “descolonização” dos serviços, resistindo e contrariando o Serviço Social o processo de burocratização e de managerialismo. Advogam a importância da construção da relação próxima com o utente, mediando também a relação com os serviços e os poderes instituídos.

“Para isso, não pode abdicar do rigor da sua intervenção, mas deve afastar-se dos modelos tecnicistas e instrumentais que colocam a parafernália metodológica e procedimental à frente dos referenciais éticos e substantivos para a intervenção” (ibidem: 87).

A introdução de instrumentos de apoio à intervenção do assistente social, cada vez mais complexos e sofisticados acabam, na perspectiva de Amaro (2014), por condicionar ou até determinar a forma e os tempos da intervenção.

“Este excesso de burocratização, aliado à ultrarracionalidade instrumental do mundo contemporâneo, drena a profissão de conteúdos substantivos e conduz a um processo que se conceptualizou como «finalismo metodológico», pois, mais do que a pessoa, a relação, a construção de narrativas e a consciencialização de direitos e valores, passam a interessar na prática profissional as técnicas de diagnóstico, de planeamento e avaliação, os níveis de eficiência e eficácia alcançados e o número de respostas atribuídas.” (Amaro, 2012: 94).

Numa sociedade global e tecnicista o Serviço Social é atravessado por uma crescente tendência de racionalidade e controlo pelos enquadramentos legais e por protocolos de

actuação, que enfatizam “a técnica como «quase» um fim e não como um meio da sua acção.” (Carvalho, 2012b: 62).

É justamente nessa linha de pensamento que Montaño (2006) adverte que a dinâmica das demandas emergenciais e imediatas pode colocar o assistente social num carrossel de respostas imediatas e a reprodução desta relação demanda-emergencial/resposta-imediata, pode levar o profissional (e a profissão) a uma lógica pragmática, movido pela “pre-ocupação”. Para este autor, a redução das respostas profissionais às situações emergenciais e imediatas desencadeia a resistência a estratégias e projectos de longo alcance (ibidem).

O controlo e padronização de procedimentos neste contexto ideológico, político, económico e financeiro actual é adverso ao conceito de uma prática profissional reflexiva numa lógica de desenvolvimento pessoal e profissional e sobretudo tendo em conta os seus objectivos de “justiça social, cidadania e autodeterminação” (McDonough, 1999: 101). Em síntese:

Quadro 1: Transformações societárias e autores referenciados Conceitos que caracterizam

as grandes transformações societárias Principais autores referenciados

Sociedade global Giddens (1996; 2006)

Sociedade líquida Bauman (2001a)

Sociedade de risco e modernidade reflexiva Beck (1998) e Webb (2006) Sociedade tecnológica e sociedade em rede Castells (2007) e Amaro (2014)

Fonte: Elaboração própria com base nos autores

Quadro 2: Impactos no Serviço Social e autores referenciados Impactos das transformações societárias

na profissão de Serviço Social Principais autores referenciados

A globalização e o agir em contextos de risco e incerteza

Mouro (2001); Payne (2002); Fook (2002); Dominelli (2004); Nunes (2010); Albuquerque (2011); Faleiros (2011); Amaro (2012)

Individualização, activação e gestão de casos Soulet (2005); Webb (2006); Amaro (2012)

Desprofissionalização Gibelman (1999); Dominelli (2004); Clark (2005); Webb (2006); Amaro (2012)

NGP, managerialismo e gerencialismo Clark e Newman (1997); Taylor e White (2000); Dominelli (2004); Payne (2006); Nunes (2010)

Uma nova Agenda para o Serviço Social Setubal (2002); Dominelli (2004); Mouro (2006); Fook e Gardner (2007); Iamamoto (2007); C. Santos (2008); Lishman (2009); Almeida (2013); Amaro (2012; 2014); Carvalho (2016a)