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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E CONCEPTUAIS DA

2.3 Modelos e influências teórico-metodológicas da supervisão em Serviço Social

teórico-metodológico e político (Guerra e Braga, 2009).

Vimos que originalmente, a supervisão inspirou-se, segundo Eberhart (2008), nos métodos de Serviço Social individual que se ensinavam nas escolas de Serviço Social (social

casework), já aqui referidos. Nos anos 70 e 80 a ênfase era nos métodos provenientes da

psicoterapia, primeiramente na psicologia analítica, posteriormente na psicologia humanista (Carl Rogers) a Gestalt e a análise transaccional. Com o surgimento das lógicas de trabalho de grupo, houve a necessidade de se adaptarem as competências dos profissionais às particularidades da dinâmica de grupo. Tal veio revelar as limitações dos enfoques psicoterapêuticos, sugerindo a necessidade de alargar conhecimentos da psicologia social e da sociologia. Com o desenvolvimento (sobretudo desde os anos 80) na intervenção com famílias, das teorias sistémicas no Serviço Social, que se vieram a constituir posteriormente como base meta-teórica para os restantes métodos de intervenção social, veio também ampliar-se o papel da reflexão nas práticas de supervisão.

Actualmente, o pensamento sistémico, com as suas materializações sociológica, psicológica e biológica, constitui um ponto de partida muito difundido.

Estes princípios gerais da supervisão podem ser integrados em diferentes perspectivas teórico-metodológicas (Payne, 2002b), em diferentes teorias do Serviço Social e modelos de prática com diferentes orientações. Tanto pode inserir-se em perspectivas psico-dinâmicas, comportamentalista ou humanista, como na abordagem ecológica, sistémica ou radical. Para Aristu (2000), as teorias que têm vindo a orientar a prática da supervisão são provenientes das ciências sociais e humanas, destacando-se como principais modelos os do desenvolvimento institucional – perspectivas sistémicas, psicodinâmicas, e as perspectivas centradas na pessoa – análise transaccional, gestalt.

Podemos afirmar que não existem modelos rígidos de supervisão, uma vez que ela se move em diferentes campos de trabalho do Serviço Social e com diferentes profissionais (supervisores e supervisandos) com diferentes referenciais teóricos que influenciam, em maior ou menor grau, a sua conceptualização (Howe e Gray, 2013). Desta forma, pode-se afirmar que não são apenas as teorias que orientam e influenciam a supervisão, mas também os valores e experiências dos actores nela envolvidos.

Sem pretendermos prosseguir critérios de exaustividade, apresentamos sumariamente alguns referenciais teóricos identificados por Cruells (2009), que têm vindo a influenciar a supervisão, contribuindo para a sua fundamentação teórica, designadamente: i) o clínico psicodinâmico; ii) o sistémico; iii) o construtivista; iv) os referenciais baseados em processos de aprendizagem; v) a intervenção psicossocial; vi) as práticas de counselling, coaching, mediação e formação contínua.

Quadro 5: Modelos de supervisão – orientação teórica e metodológica

Modelos teóricos Orientação teórica, finalidade da supervisão e a relação

supervisor/supervisando

Clínico psicodinâmico

• Influência da psicanálise

• Supervisão como experiência de aprendizagem reflexiva, com transmissão de conhecimentos teóricos e clínicos

• A relação: a tentativa da neutralidade e do distanciamento entre supervisor / supervisando

Sistémico

• Teorias dos sistemas, da comunicação e terapia familiar

• Supervisão parte da intervenção para verificar novas hipóteses de trabalho; enfatiza os processos de acção

• A relação: espaço comunicativo, cooperativo supervisor / supervisando Construtivista

• Teorias da comunicação e da linguagem

• Supervisão: flexibilizar processos de actuação criar novas possibilidades de interpretação e construir uma realidade nova

• A relação colaborativa para construir um “olhar mais útil” Cognitivista – processos

de aprendizagem

• Teorias da aprendizagem

• Supervisão: melhorar os conhecimentos e treinar competências. Aprender com a experiência advinda do exercício profissional. Reflexividade.

• Relação ensino/aprendizagem, orientação cognitiva e operativa

Psicossocial

• Teoria fenomenológica e existencialista; psicologia humanista

• Supervisão: espaço de relação, participação, criatividade, auto-realização e construção da autonomia

• Relação: visão holística da pessoa; relacionamento próximo para o desenvolvimento de capacidades

Counselling, coaching

• Teorias de orientação comportamentalista

• Supervisão: actividade de aconselhamento, orientação e consultoria • Relação profissional especialista/utente

Fonte: Elaboração própria com base em Cruells (2009)

i) o referencial clínico psicodinâmico, fundamentado na psicanálise traz como contributo para a supervisão a tentativa da neutralidade, do distanciamento, e a relação entre supervisor e supervisando enquanto experiência de aprendizagem reflexiva.

“Neste quadro de referência, a supervisão é concebida como um espaço protegido por um marco no qual é possível reflectir sobre a integração teórico-clínica, no qual é essencial a transmissão de procedimentos do supervisor para que o supervisando possa adaptar o conhecimento teórico ao material clínico e assim o compreender.” (ibidem: 88)

ii) o referencial sistémico apresenta uma diferente concepção, considerando fundamentais o posicionamento, a proposta de relação entre supervisor e supervisando, bem como a sua interdependência. Tal concepção, foi influenciada pela teoria geral dos sistemas de Bertalanffy, pela terapia familiar e pela teoria da comunicação humana. A construção activa e colectiva de hipóteses de trabalho e a sua posterior verificação, partem da própria intervenção. A supervisão é entendida como uma conversação cooperativa e como espaço no qual podem emergir as diferenças individuais, na procura dos limites da intervenção. Neste espaço comunicativo, as situações apresentadas visam pôr em relação as várias dimensões da acção profissional, isto é, o contexto, as possibilidades e limites da intervenção, diferentes práticas, etc.. A partir do enquadramento sistémico, procura-se dar ênfase à história e aos processos das equipas, bem como a capacidade de se retro-alimentarem enquanto grupo. iii) o referencial construtivista alicerça-se numa construção da realidade cuja mediação é feita pela linguagem. Neste sentido, considera que os modelos de comunicação desadequados são fonte de dificuldades nos processos de trabalho. É aqui que a supervisão desempenha o seu papel, ao procurar flexibilizar processos de actuação, tornando visível a complexidade e as múltiplas possibilidades de interpretação. O objectivo é construir uma realidade nova, ou pelo menos diferente, que seja mais útil para o desenvolvimento de uma intervenção mais adequada perante a situação em causa. Destarte, a supervisão constitui-se como um espaço no qual se partilham diferentes interpretações em busca de uma nova construção que incorpore as acções realizadas como fonte de conhecimento. Tal exercício permitirá perspectivar o problema a partir de outro ângulo, pensando novas possibilidades.

“A experiência-chave deste modelo consiste em estar consciente de que não há abordagens dicotómicas baseadas em actuações correctas (verdadeiras) ou más (falsas), mas que se deve focar a partir de outro ângulo de percepção que permita um olhar mais útil.” (Cruells, 2009: 89).

iv) os modelos baseados na aprendizagem do supervisando são também frequentemente aplicados na supervisão. Aqui a aprendizagem é entendida como uma actividade que conduz à aquisição de competências que melhoram o acervo de conhecimentos dos profissionais. É na interacção entre o indivíduo e o seu meio sociocultural que ocorre este complexo processo de aprendizagem. Neste processo, estão envolvidos, de forma determinante, as características pessoais, para além dos aspectos culturais e da linguagem.

Neste modelo assente na aprendizagem, a supervisão permite aprender a aprender com a experiência advinda do exercício profissional. A teoria da aprendizagem experiencial de Kolb baseia-se no pressuposto de que o conhecimento é criado através da transformação

desencadeada pela experiência. Por sua vez, a experiência concreta torna-se numa concepção abstracta, a qual será posta à prova através de novas experiências. Na senda do trabalho empreendido por Piaget, Kolb (1984) aperfeiçoa e desenvolve o ciclo da aprendizagem experiencial, concebendo-a como uma forma particular de aprendizagem, na qual a experiência tem um papel central.

É neste quadro de pensamento que a supervisão se destina ao desenvolvimento da qualidade, da autonomia e das competências dos profissionais.

v) os referenciais baseados na intervenção psicossocial reconhecem que a supervisão também é influenciada por elementos utilizados no Serviço Social. Baseando-se na psicologia humanista de Carl Rogers, inspirado na fenomenologia e no existencialismo, Robert Carkhuff defende diferentes orientações. Destacam-se, assim a criatividade, a auto- realização, os valores, a autonomia e a abordagem holística da pessoa. Desta forma, a participação do supervisando na análise e resolução dos seus problemas é fundamental. Esta perspectiva concebe a supervisão como um espaço de relação que permite a análise detalhada dos diferentes elementos que intervêm numa dada situação, a partir das próprias potencialidades dos supervisandos, num processo de desenvolvimento das suas capacidades (Cruells, 2009).

vi) o counselling, o coaching, a mediação e a formação contínua são orientações mais pragmáticas (ibidem), com diferentes metodologias orientadas mais especificamente para a busca concreta de soluções.

O counselling é uma actividade de aconselhamento, orientação, guia e consultoria, desenvolvendo-se numa lógica de relação profissional especialista/cliente. Nesta relação parte-se do pressuposto que o profissional, enquanto cliente não possui os conhecimentos suficientes para realizar o seu trabalho e solicita orientação a um especialista (Cruells, 2009; Bourque, 2010).

O coaching consiste na orientação dada a um indivíduo para que este atinja os seus objectivos a partir das suas próprias qualidades e recursos. As questões específicas orientam- se em função dos objectivos e dos processos internos dos indivíduos com vista à descoberta das limitações que podem estar a interferir com a estratégia de consecução desses objectivos. Para esse efeito, procura-se analisar a trajectória passada do indivíduo, no sentido de identificar crenças ou pensamentos que estejam a bloquear o processo. A partir desse trabalho, podem surgir mudanças de direcção, definirem-se novos objectivos, descobrirem-se

outros recursos internos, em suma, estabelecer novos planos de acção específicos com vista à optimização do potencial do indivíduo (Cruells, 2009; Bourque, 2010).

A mediação pode ser utilizada quando existe algum tipo de conflito e é necessária ajuda profissional para desenvolver processos de comunicação construtivos (Cruells, 2009).

A formação contínua envolve as práticas de formação de adultos, realizadas com vista ao aumento do conhecimento crítico da realidade social e ao reforço da capacidade de análise (ibidem).

Ao fazermos uma incursão na literatura sobre supervisão e aconselhamento, podemos encontrar uma variedade crescente de termos para designar uma ampla diversidade de práticas que podemos considerar supervisão, alguns dos quais já aqui foram referidos. Muitos desses termos incluem espaços, funções e finalidades da supervisão

“(…) institucional, clínica, de projectos, de equipa, de caso, colectiva, individual, ad

hoc, de «intervenção», de coaching aplicado a diferentes modalidades, mentoring, counselling, auditorias organizacionais, team building, acompanhamento de projectos,

avaliação de projectos, análise institucional de projectos, etc.” (ibidem: 83)

Na realidade, todas estas denominações abarcam, de alguma forma, âmbitos técnicos e organizativos contemplados no quadro da supervisão (Brown e Bourne, 1996). Por um lado, promovem o acompanhamento de uma pessoa ou equipa de trabalho a partir das suas necessidades profissionais para o desenvolvimento do seu potencial e dos seus conhecimentos técnicos. Por outro lado, todas podem incluir o acompanhamento, uma vez que se centram nas necessidades profissionais e se afastam das pessoais/privadas, o que permite distinguir, claramente, estes processos de supervisão, da psicoterapia.

Uma outra reflexão que é possível fazer ao olhar para esta panóplia de denominações e práticas, é que elas, de alguma forma, decorrem de uma nova ideia baseada na obsolescência do conhecimento, e da necessidade de uma contínua adaptação de capacidades e competências face às exigências do mercado de trabalho, contrária à visão de uma formação “para sempre” (Carmo, 1997).

Como se pode verificar nas diferentes abordagens teóricas expostas, bem como nos diferentes tipos de intervenção mais pragmáticos, co-existem diferentes orientações e numerosas combinações possíveis que se podem utilizar ao realizar supervisão.

Face a esta constatação, e tratando-se de um tema em aberto, em uníssono com o que questiona Cruells (2009), também nos questionamos: Se são tantas as referências existentes e se verifica cada vez maior relação entre elas, será possível aplicar um modelo único de

supervisão? Parece-nos que o elevado grau de interdependência e pluralidade dessas referências teóricas e práticas não o permite, pois como afirma Cruells (2009: 92):

“A prática da supervisão reflecte, como não poderia ser de outra forma, a diversidade e flexibilidade próprias da sensibilidade contemporânea. Certas palavras e temas aparecem de forma reiterada em todos os referenciais: acompanhar, distanciar-se, comunicação, reflexão, aprendizagem, relação, emoções, etc.. Por isso é necessário construir redes de conhecimento que permitam ao sujeito (supervisor ou supervisando) participar nas múltiplas relações que se constituem entre os diferentes referenciais teóricos.”.

Um modelo teórico é uma imagem simplificada que actua como uma ajuda para compreender a realidade. Os modelos clarificam o processo de supervisão, são ferramentas úteis e disponibilizam uma linguagem comum para o supervisor e para o supervisando. Embora seja possível aprender como realizar supervisão através da imitação ou do processo de tentativa e erro, com um modelo é possível conceptualizar o processo de supervisão numa perspectiva holística (Tsui, 2005). Neste sentido, ao analisar vários modelos de supervisão nas profissões sociais, definidos por diversos autores, advindos de várias ciências sociais, concluiu que não existe uma teoria de supervisão em Serviço Social empiricamente fundamentada, disponível para os assistentes sociais (ibidem). Por outro lado, constatou que nenhum modelo tem em consideração o meio envolvente mais vasto em que se situam as quatro partes envolvidas no processo de supervisão: o supervisando, o supervisor, a instituição e o utente. Todas elas são influenciadas pela cultura da sociedade em que estão integrados e essa dimensão tem de estar integrada num modelo mais amplo de supervisão, que representamos na Figura 5.

Figura 5: Uma visão holística da supervisão

Fonte: Elaboração própria com base em Tsui (2005)

Supervisor

Super- visando

Utente Instituição

Numa outra perspectiva, Guerra e Braga (2009) assinalam a distinção entre supervisão e assessoria, as quais têm aspectos semelhantes, mas são diferentes. Ambas prevêem uma não implicação directa na execução das políticas sociais, planos e/ou projectos uma vez que “(…) o profissional não é executor, mas propositor de acções, de novas estratégias, mediante avaliação dos mesmos” (ibidem: 10)

Para Balbina Vieira55 (1981) a distinção entre supervisão e assessoria radica na sua natureza temporária eventual e ampla liberdade do profissional assessorado em aceitar ou não as recomendações do assessor, podendo seguir ou não as suas ideias. Já a supervisão é uma actividade programada, de carácter sistemático, que pode ter fins de controlo, acompanhamento, avaliação e reprogramação. Segue um programa com directrizes ou procedimentos operacionais previamente definidos e com normas e metas a prosseguir (Guerra e Braga, 2009).

Aristu (2008) refere outro sistema cujos objectivos coincidem com os da supervisão, designado por grupos Balint56. Os objectivos destes grupos estão muito próximos dos da supervisão: melhorar a relação com os utentes, descobrir os obstáculos no exercício profissional e colocar a pessoa no centro do exercício da profissão. Refere o autor (ibidem) que os grupos Balint, de orientação psicanalítica, perduram até à actualidade, sendo um sistema de reflexão muito difundido em toda a Europa. Tanto os grupos Balint como os outros modelos de ajuda profissionalizada se têm constituído como suportes para os cuidadores e como sistemas de supervisão, de ajuda e apoio aos profissionais.

Em síntese, verificamos que a supervisão, sendo uma prática antiga no âmbito do Serviço Social, foi adquirindo várias denominações, formas e conteúdos ao longo da sua história. No início da história do Serviço Social a supervisão era um meio de monitorizar o trabalho dos voluntários. Posteriormente, programas formais de treino em Serviço Social que incluíam supervisão do trabalho de campo como parte do processo de aprendizagem foram

55 Foi Balbina Ottoni Vieira, quem no Brasil, a partir de 1978 mais contribuiu para a sistematização da supervisão como método de ensino, explorando a sua natureza, funções e processo da supervisão.

56 Michael Balint foi um médico psicanalista húngaro que nos anos 1930 se propôs desenvolver uma medicina centrada no doente e não na doença. Ao ter formação psicanalítica, este médico descobriu a correlação entre uma boa relação do profissional com o paciente e o êxito da terapia prescrita. Para conseguir essa boa relação aconselhava os médicos a reunirem-se em pequenos grupos para analisarem as suas relações com os doentes. Estes grupos designaram-se por grupos Balint. Mais tarde fugiu para Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, onde se casou com uma assistente social. Ambos começaram a utilizar experiências de grupos Balint entre profissionais de saúde e assistentes sociais (Aristu, 2008). Para Balint, o êxito dos processos de intervenção em qualquer profissão de ajuda radica basicamente na relação que se estabeleça entre o profissional e o utente e não tanto na situação problema em si, seja de carácter social, educativo ou de saúde (Correa e Altuna, 2014).

implementados nas universidades. Depois da integração das teorias e métodos de tratamento psico-analíticos na prática do Serviço Social, a supervisão tornou-se um processo terapêutico para os assistentes sociais de terreno. Nos anos cinquenta diminuiu a ênfase terapêutica e a supervisão foi assumida como uma etapa no desenvolvimento profissional dos assistentes sociais. A influência psicodinâmica permaneceu no processo de supervisão, mas a supervisão em Serviço Social evoluiu para se tornar um processo a longo prazo na carreira profissional dos assistentes sociais.