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1.7 Entender o Serviço Social como profissão e saber disciplinar

1.7.1 Serviço Social como profissão

Definir uma profissão não é uma tarefa fácil pois depende da posição teórica em que nos situamos (Carvalho, 2016a). Considerar o Serviço Social como profissão é ainda mais complexo dada a sua especificidade (Abbott, 1988; Dubar, 1997; Banks, 1999).

Abbott (1988: 8) conceptualiza as profissões de uma forma mais ampla, defendendo que são entendidas como “grupos ocupacionais exclusivos, que aplicam conhecimento de algum modo abstracto a casos particulares”. Este conhecimento abstracto é distintivo das

34 Com mais de cem anos em termos internacionais e mais de oitenta em contexto português. Em termos de estatuto público da profissão, o reconhecimento da carreira de técnico superior de Serviço Social na função pública aconteceu em 1991, como consequência do reconhecimento do grau de licenciatura em Serviço Social.

profissões, mas também importante nas relações entre profissões. Considerando o processo de profissionalização, este autor argumenta que a questão fundamental reside na ligação entre a profissão e o seu trabalho: como é criado, como se liga às estruturas sociais e como se relaciona com outras profissões. Abbott (1988: 20) designa esta ligação de “jurisdição”, isto é, uma ligação que não é absoluta nem permanente, mas que está em permanente (re)formulação no sistema das profissões.

De acordo com Dubar (1997), falamos de uma profissão quando existem simultaneamente: princípios éticos e deontológicos para a regulação da actividade profissional e saber científico, como garantia da competência e da especialização de um determinado grupo profissional.

Banks (1999) define as profissões sociais como um conjunto de ocupações interrelacionadas que estão envolvidas na prestação de cuidados, controlo social, educação informal e

advocacy com populações em desvantagem social.

Para compreender identidade profissional do Serviço Social é importante compreender a sua dimensão interna e externa: O nível interno diz respeito ao “(…) saber acumulado decorrente da experiência do ensino, da formação, da pesquisa e da prática e do código de ética” (Carvalho, 2016a: 17). O nível externo reporta-se à “(…) importância do exercício da profissão a tempo inteiro, os mandatos, o reconhecimento estatal e a jurisdição profissional, a formação universitária, as associações profissionais e os códigos de ética.” (ibidem).

Segundo a Classificação Portuguesa das Profissões (2010) o assistente social situa-se no grande subgrupo de especialistas em assuntos sociais, a par dos especialistas em assuntos jurídicos, artísticos e culturais e no subgrupo de especialistas do trabalho social (Instituto Nacional de Estatística, 2010). De acordo com este documento oficial, um especialista do trabalho social tem como funções: i) entrevistar indivíduos, famílias ou grupos para avaliar situações e problemas e determinar os serviços necessários; ii) analisar situação dos indivíduos e apresentar alternativas para a solução dos problemas; iii) compilar registos de processos, de relatórios de tribunal ou de outros actos legais; iv) proporcionar aconselhamento, terapia, serviços de mediação e sessões de grupo para que o indivíduo desenvolva competências para resolver e lidar com os seus problemas sociais e pessoais; v) planear e implementar programas de intervenção para auxílio de utentes e consultar serviços que fornecem assistência financeira, ajuda legal, alojamento, tratamento médico e outros serviços; vi) investigar casos de abuso ou negligência e levar a cabo acções que protejam crianças, jovens ou outras pessoas em risco; vi) trabalhar com “infractores” durante o

processo e após a sentença para ajudar a sua integração na comunidade e mudar de atitudes e comportamento; vii) aconselhar directores das prisões sobre as condições em que um “infractor” deve ser preso, libertado da prisão ou ser objecto de medidas de correcção alternativas; viii) actuar como advogado na solução dos problemas que afectam grupos de pessoas na comunidade; ix) desenvolver programas de prevenção e intervenção ajustados às necessidades da comunidade.

A análise destas funções permite verificar que a intervenção do assistente social se situa em três níveis distintos, indivíduos, grupos e comunidades e que utiliza procedimentos especializados (e.g. diagnóstico, entrevista) na análise e resolução dos problemas.

Nesta definição não é possível identificar o papel dos assistentes sociais na administração e gestão de equipamentos e projectos sociais, nem na área da investigação35.

Tal como Amaro (2012) já constatava em relação à definição da profissão do Instituto do Emprego e Formação Profissional em 2009, também esta sublinha a visão redutora da profissão por parte desta instância profissional.

Reforçamos aqui a dificuldade de definição da profissão do assistente social, tendo em conta esta heterogeneidade reconhecida por Ander-Egg (1995). Segundo este autor (ibidem: 59), o assistente social ao ver-se perante uma multiplicidade de papéis, nem sempre claros, experimenta uma “ambivalência da polivalência”: a polivalência é fragmentária, mas pode simultaneamente constituir-se como um antídoto da fragmentação, através da capacidade de interrelacionar os diversos aspectos da realidade complexa. A polivalência, sob outro ponto de vista, contribui para que o assistente social seja visto como uma espécie de “faz-tudo”, de “apaga-fogos”, o que tem como consequência a dispersão e a fragmentação da acção profissional. Este cenário pode aumentar também as interacções ambíguas com os papéis de outras profissões ou ocupações, designadamente dos educadores sociais, sociólogos, psicólogos, administradores, professores, entre outros.

A acrescer a estas potenciais tensões, verificam-se no campo do Serviço Social outras situações de instabilidade profissional e de condições de trabalho, cada vez mais precárias; precariedade dos vínculos e das carreiras, a acumulação de trabalhos em part-time, trabalhos por projecto, ou mesmo o exercício de funções de outros perfis profissionais (e.g. animação), atestadas por Passarinho (2012). Este cenário, a par do surgimento de novos perfis

35 Ao contrário do que se verificava (em relação à investigação) na Classificação Nacional das Profissões anteriormente existente.

profissionais sobretudo nos níveis mais baixos de qualificação (ajudantes ou auxiliares) configura o que Autès (2004) designa por desqualificação profissional.

Chopart (2003), ao referir-se a esta questão da definição e delimitação de fronteiras e de identidades no trabalho do social, refere que estas se tornaram mais fluidas e instáveis. Mesmo a própria identificação do “social” é complexa, uma vez que outras profissões não identificadas com as profissões do social por excelência (por exemplo, médicos, enfermeiros, professores) também apresentam formas de trabalho/intervenção social, segundo este autor. Sendo o Serviço Social uma profissão de intervenção importa definir o que se entende por agência e intervenção em Serviço Social. Para este efeito socorremo-nos de autores como Ponticelli (1994), Nunes (2004) e Isabel Vieira (2015).

Para Ponticelli (1994: 23) a agência do Serviço Social pode ser perspectivada como “(…) um processo de ajuda realizado por um profissional que se encontra integrado num sistema organizado de serviços, (...) dirigido a indivíduos, grupos ou sujeitos colectivos, propenso a activar uma «mudança», tanto no modo de estar dos indivíduos, grupos ou colectividades, face aos problemas que os afectam, (...) como na relação entre as exigências do meio e as respostas pessoais, colectivas e institucionais, por activar ou já disponíveis.”

Este processo de ajuda aludido pretende

“(...) ajudar o indivíduo, grupo ou colectividade a utilizar de maneira mais adequada os recursos necessários para resolver o seu próprio estado de necessidade. Esses recursos são, em primeiro lugar, totalmente pessoais (a própria capacidade de reagir e de enfrentar problemas), mas também ambientais-familiares (a capacidade de utilizar as redes naturais de solidariedade social e de ajuda), e sociais (os recursos institucionais ou colectivos organizados em serviços, estruturas e prestações).” (ibidem)

Nunes (2004) conceptualiza a intervenção como a agência concreta do Serviço Social. A agência constitui-se como um campo disciplinar; uma perspectiva da emancipação social; pressupõe que os assistentes façam opções práticas e teóricas baseadas em conhecimentos científicos; requer uma abordagem multicultural das desigualdades.

O Serviço Social enquanto profissão quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista prático, requer por parte dos assistentes sociais, reflexividade, capacidade crítica, actualização informativa e formativa permanente.