• Nenhum resultado encontrado

Criando calos

No documento A PRENDA A EVITAR CONFLITOS (páginas 105-108)

Assim como Shamu, fazemos intencionalmente coisas para garantir o nosso conforto e evitamos intencionalmente coisas que nos fazem sentir desconforto. Daí os anéis concêntricos em torno da incompetência. Enquanto essas camadas protetoras isolam chefes incompetentes de potencial desconforto, elas também empurram a competência para mais longe do epicentro de decisões nas organizações.

Às vezes os anéis concêntricos de incompetência são formados intencionalmente, às vezes sem nenhuma intenção. A cada novo I- Chefe e o pessoal de isolamento que ele reúne à sua volta, outro anel se forma. Foi um momento doloroso em minha vida profissional quando descobri que eu era uma das pessoas das quais meu chefe se estava isolando.

Um chefe que precisava isolar-se de mim era Bill, meu sócio em um negócio de publicações eletrônicas com o qual me envolvi depois de deixar a Disney. Ele era um poderoso empresário que conheci antes de me demitir do cargo e quando me deparei com a oportunidade de entrar para a produtora independente de áudio e vídeo. Telefonei para ele pedindo conselhos.

Quanto mais falávamos sobre a oportunidade, mas ele via cifras e dólares, até que se convidou para integrar o grupo. Não recuei diante da demonstração de entusiasmo. Primeiro, porque ele tinha o capital necessário para ajudar a financiar as minhas aspirações para o negócio. Era bem-sucedido no campo da engenharia civil, e imaginei que poderia aprender algumas coisas com ele, o que realmente

aconteceu.

Eu havia notado que a Waldenbooks começara a vender livros gravados em fitas. Anteriormente um produto para deficientes visuais, agora as gravações eram comercializadas no mercado aberto e para o público em geral. Nós nos tornamos a segunda companhia no país a publicar o que então era conhecido como Waldentapes. Bill foi o melhor e o pior dos mentores. Aprendi mais sobre negócios com ele do que com qualquer outra pessoa em minha vida. Aprendi princípios importantes para a operação bem-sucedida de um empreendimento. Aprendi que se algo custa X para ser manufaturado, você deve cobrar no mínimo três vezes X para cobrir os custos ocultos e obter lucro. Também aprendi como torturar as pessoas.

Big Bill acreditava na administração pela intimidação. Eu o chamo Big, ou Grande, não por ele ser grande e alto, como Steve e Doug na Disney, mas por ele ter uma presença ampla. Logo ficou claro como havia conquistado sua fortuna no ramo da construção. Quando um grupo de empreiteiros se reúne em um canteiro de obras (no caso de Big Bill são arranha-céus, grandes hotéis, hospitais e prédios de universidades), decisões devem ser tomadas quanto às alterações necessárias no projeto original, como proceder com as variáveis e de quem é a culpa. As disputas e conflitos inevitáveis devem ser resolvidos rapidamente. No ramo da construção, as negociações no local de trabalho não são conduzidas como processos judiciais ou sessões de meditação. São conduzidas mais como uma briga de rua.

Bill podia vencer a briga com todos eles. Imagine alguém beligerante o bastante para fazer empreiteiros de obras, aqueles sujeitos enormes que dirigem as grandes caminhonetes e os caminhões gigantescos, erguerem as mãos e se afastarem dizendo: "Faça como quiser". Vi isso acontecer muitas vezes, e depois dessas ocasiões ele gostava de beber e falar sobre sua vitória. Para alguém como eu, que odeio confronto, o relacionamento com Big Bill foi conflituoso desde o início.

O ambiente no ramo das publicações literárias é bem diferente daquele encontrado no da construção. Há uma gentileza em publicar que

Bill nunca procurou entender ou honrar. Felizmente, os mais delicados na área logo o repudiaram, e ele ficou fora da parte do nosso negócio que envolvia negociação de propriedades intelectuais e qualquer outra coisa que pudesse manchar sua reputação de empresário de vontade férrea. Ele deixou toda essa questão sob minha responsabilidade.

Como sócio majoritário, ele tinha um escritório em nossas instalações, mas operava basicamente dos escritórios de sua firma de engenharia e do interior de seu Mercedes. Aparecia na empresa várias vezes por semana a fim de nos ver ou de se divertir. Nunca sabíamos com que humor ele apareceria. Bill flutuava entre a intimidação aberta e a encoberta.

Ele podia entrar, notar que havia uma caixa de lenço de papel sobre cada mesa e começar a reclamar sobre os custos, recusando- se a pagar para que todos limpassem o nariz. Em outros dias, entrava sorrindo e cumprimentava todos os funcionários. "Ei, dinheiro fácil", ele dizia ao nosso artista gráfico. "Quando vai começar a trabalhar e parar de roubar meu dinheiro?" E ria dos rapazes que suavam no depósito de material. Ele tinha um grande senso de humor.

Embora nunca tenham sido convidados a votar, tenho certeza de que nossa equipe preferia a abordagem da gaivota. A administração gaivota, como Ken Blanchard a descreve, ocorre quando um supervisor entra em um escritório, sobrevoa a área, abre as asas com grande comoção, defeca na cabeça de todos e depois vai embora. Em vez de sentir o ardor do humor encoberto de Big Bill, cujo objetivo era lembrar quem trabalhava para quem, sei que gostaria mais se alguém se aproximasse de mim exibindo claramente sua real atitude.

Lembrar os membros da equipe constantemente sobre quem trabalha para quem, mesmo que seja com um sorriso, é manipulação de poder. A mensagem inconfundível é: "Eu sou o cachorro grande, você é o cachorro pequeno. Eu sou forte. Você é fraco. Eu sou importante. Você não é. Eu sou insubstituível. Você pode ser substituído com facilidade". Você poderia dizer que, tecnicamente, todas essas afirmações são verdadeiras. Mas elas são reais apenas no

contexto das relações hierárquicas. Por mais que gente como Big Bill pense que essa atitude renderá muito dinheiro, eles não percebem ou não aceitam que os que praticam uma abordagem mais igualitária e apreciativa das pessoas em seu trabalho ganharão muito mais dinheiro.

Por todo o bem que Big Bill me fez, por todas as portas que ele abriu para mim, por todas as oportunidades que tornou disponíveis, ele ainda me deixou empalado nos chifres de um dilema. Quando deixei a Disney, eu era um discípulo de Danny Cox e do princípio que prega que os membros de uma equipe se entendem melhor depois de o líder fazê-lo. Meu lema era: lidere como quer ser liderado. Quaisquer que fossem as características que eu desejasse encontrar nos meus subordinados, fosse esforço no trabalho, energia, inovação, criatividade, lealdade, eficiência ou desempenho elevado, cabia a mim exibir o comportamento modelo antes de poder esperá-lo de fato dos outros.

No documento A PRENDA A EVITAR CONFLITOS (páginas 105-108)