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Entrando na questão

No documento A PRENDA A EVITAR CONFLITOS (páginas 159-161)

Fiz o que normalmente faço quando facilito um afastamento. Enviei um questionário a todos os participantes a fim de adiantar uma pesquisa e priorizar suas questões mais urgentes. Dessa forma não perdemos a primeira metade do primeiro dia determinando quais eram os sentimentos e as preocupações do grupo. Fiz o mesmo com a equipe e o presidente. Quando analisei os dados, descobri que a equipe, a diretoria e o presidente tinham visões distintas a respeito das questões mais importantes da organização.

Logo tornou-se claro que o presidente queria que eu facilitasse o afastamento para poder defendê-lo diante da diretoria. Os diretores passaram imediatamente a suspeitar das minhas perguntas. Eles sentiam que poderia haver algo escondido em tudo aquilo. Algo que os deixava compelidos a ignorar, não discutir, não confrontar. Enquanto isso, os membros da equipe esperavam que eu pudesse dar voz a suas preocupações pela primeira vez diante da diretoria.

A discussão que facilitei revelou rapidamente uma divisão na diretoria. Alguns apoiavam o presidente abertamente enquanto outros perguntavam-se por que os membros da equipe teriam feito comentários como os dos questionários. Eu me abstive de confirmar ou criticar o que ele estava fazendo. Queria que as soluções sugeridas e os problemas da organização emergissem do diálogo.

Para minha surpresa, quanto mais alguns membros da diretoria "entendiam" e começavam a falar em termos de desafios e oportunidades para mudança positiva, mais os outros se negavam a reconhecer os problemas. Chegamos a um tipo de estagnação. Na manhã do último dia eu sabia que a janela para a oportunidade de resultados estava se fechando. Em vez de pensar em continuar recebendo meu pagamento daquele cliente, fiquei impaciente e permiti que minha obsessão maníaca

por justiça e verdade prejudicasse meu julgamento.

Foi um movimento economicamente ruim. Teria sido mais fácil ler a mensagem escrita na parede, anunciar que o diálogo tinha sido inconclusivo e continuar treinando e facilitando a operação daquela companhia indefinidamente. Mas não. O cavalo estava em pé na beira do riacho, e eu me senti impelido a empurrar seu focinho para a água. Sem mencionar nomes, entrei diretamente na questão e anunciei que alguns integrantes importantes daquela diretoria estavam procurando emprego. Tentei fazer o anúncio da maneira mais delicada possível, o que equivale a derrubar uma bola de boliche no pé da maneira mais delicada possível. Esperava que minha quebra parcial de sigilo arrancasse alguns diretores de seu estado de negação. Em outras palavras, esperava que o fim justificasse os meios. Nunca deixei de me espantar com o quanto posso estar enganado. Os membros da diretoria leais ao presidente — aqueles que o contrataram e protegeram — ficaram ultrajados com minha atitude, considerada uma "facada nas costas", de anunciar que todos os executivos no topo da organização estavam enviando seus nomes ou currículos para um site de recolocação profissional.

Foi um pensamento idiota elevado à décima potência mobilizado por um consultor idiota. Gostaria de ter gravado tudo aquilo para utilizar em seminários e ilustrar como pessoas bem-intencionadas podem destruir a efetividade de uma organização. Não bastasse a chaga que abri na diretoria, as coisas ficaram ainda piores. O presidente rompeu em lágrimas.

O homem começou a chorar no meio da reunião. Uma mulher colocou-se entre nós dois, como se quisesse protegê-lo de um ataque violento. O veneno em seu olhar ainda me assombra. "Perdi todo o respeito por você", ela disparou. Quando eu estrago tudo, estrago de verdade.

Os membros mais razoáveis da diretoria, que de início desejavam considerar de maneira legítima as opiniões da equipe, de repente se puseram em fileiras atrás do presidente. Antes que eu soubesse o que

havia acontecido, todas as pessoas da sala me observavam num silêncio mortal, com exceção do presidente, que soluçava. Metade da diretoria cercava o presidente, que permanecia sentado com a cabeça enterrada entre as mãos. A outra metade formava um semicírculo mais amplo em torno dos outros esperando sua vez de prestar apoio.

No meio daquela cena bizarra, o presidente entreabriu os dedos e me olhou de um jeito que denotava claramente seu triunfo. Com os olhos vermelhos e inchados me enviou o velho olhar N.I.G.Y.S.O.B. N.I.G.Y.S.O.B. é o momento fatídico, conhecido por todos os terapeutas de casais, quando um cônjuge surpreende o outro — normalmente é a esposa que surpreende o marido — numa posição indefensável. Traduzido de maneira liberal, N.I.G.Y.S.O.B. significa "Now I've got you, you son of a beaver", ou "Agora peguei você, seu filho de uma puta". Enquanto caminhava silenciosamente em direção à porta e pegava um táxi para o aeroporto, agradecia a Deus por ter me dado a lucidez necessária para sair dali vivo.

Dei uma tacada forte, motivada pelo desespero, esperando acertar o alvo. O que atingi foi uma muralha de defensores. O resultado do afastamento da diretoria foi um contrato assegurando aumento de salário para o presidente. Os membros da equipe foram totalmente enfraquecidos, e o dr. John perdeu outro cliente. Meus asseclas naquela empresa mantiveram-me informado sobre o êxodo contínuo ocorrido durante o ano seguinte. O presidente permaneceu intato e inalterado, e os membros mais talentosos daquela equipe foram partindo um a um e dois a dois. O desempenho e os problemas financeiros da companhia foram piorando publicamente. A diretoria promovia sessões de emergência, sempre expressando confiança no presidente. Só Deus sabe o que eles avaliavam ser os problemas da companhia.

No documento A PRENDA A EVITAR CONFLITOS (páginas 159-161)