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CAPÍTULO III A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E SEUS ASPECTOS INSTITUCIONAIS

3.6 Os crimes e penas previstos pelo estatuto do tribunal penal internacional

3.6.3 Os crimes de guerra

A discussão sobre os crimes de guerra mostrou-se uma das mais acirradas durante a Conferência de Roma.

As principais divergências estavam relacionadas com a terminologia a ser utilizada, a especificação sobre quais comportamentos seriam graves a ponto de serem incluídos no Estatuto e a inclusão de condutas praticadas em conflitos não internacionais.131

Na redação do art. 8(1), restaram delimitadas as hipóteses de atuação do Tribunal, ficando assegurado que a Corte somente terá competência para apreciar os comportamentos descritos como crimes de guerra, quando cometidos como parte de uma estratégia ou política ou como parte de cometimento em larga escala.

Em assim sendo, o Tribunal somente poderá julgar casos que envolvam um certo nível de organização e responsabilidade pelo cometimento. Atos que forem cometidos em bases isoladas não podem ser considerados crimes de guerra, para fins de julgamento pelo

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BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2004, p. 77.

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JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional:a

Tribunal, mesmo que obtenham tal classificação, de acordo com a lei humanitária internacional.132

Os comportamentos considerados crimes de guerra encontram-se definidos no art. 8(2) do Estatuto de Roma e estão agrupados em quatro categorias: a) graves violações das Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949; b) outras graves violações das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados internacionais; c) as graves violações do art. 3º, comum às quatro Convenções de Genebra de 1949, nas hipóteses de conflitos armados não internacionais; e d) outras graves violações das leis e costumes aplicáveis nos conflitos armados, nas hipóteses de conflitos armados não internacionais.

Havia um acordo no que diz respeito à inclusão das infrações graves tratadas pelas Convenções de Genebra de 1949. Todavia, houve divergências no que diz respeito às violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário, durante conflitos não internacionais, destacadamente aquelas previstas no art. 3º, comum às Convenções de Genebra. O Estatuto, acabou por encampar as violações e crimes cometidos durante os conflitos internos, principalmente devido às pressões dos países que ficaram conhecidos como like-minded group.133

Em novembro de 1996,o like-minded group era composto pelas seguintes delegações: África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, Croácia, Dinamarca, Egito, Eslováquia, Finlândia, Grécia, Guatemala, Holanda, Hungria, Irlanda,

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SUNGA, Lyal S. A competência ratione materiae da corte internacional criminal:arts. 5 a 10 do estatuto de roma.

In: CHOUKR, Fauzi Hasan, AMBOS, Kai (Org.).Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000, p. 210. 133

MAIA, Marrielle. MAIA, Marrielle. Tribunal penal internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 89-90.

Itália, Lesoto, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Samoa, Suécia, Suíça, Trindade e Tobago (representando doze Estados caribenhos), Uruguai e Venezuela.134

Não seria possível a definição de tais crimes sem a aceitação da disposição transitória redigida no art. 124 do Estatuto.135 De acordo com ela, os Estados que se tornarem parte do Estatuto poderão declarar que não aceitam a jurisdição da Corte no que diz respeito aos crimes de guerra pelo período de sete anos após a entrada em vigor do Estatuto. Sem esta cláusula, alguns países, como a França, não o teriam assinado.136

No que diz respeito ao uso de armas, observa-se que o art. 8 (2)(b) (xvii a xx) define como crimes de guerra o uso de venenos ou armas envenenadas, bem como gazes asfixiantes, tóxicos ou similares, ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo. Também foi considerado como crime de guerra a utilização de balas que se abram ou amassem facilmente no corpo humano.

No subparágrafo (xx), aprovou-se uma cláusula que diz respeito ao uso de meios ou métodos de combate que causem danos supérfluos ou sofrimento desnecessário, surtam efeitos indiscriminados em violação ao direito internacional dos conflitos armados, desde que incluídos em anexo do Estatuto, a ser elaborado no período de sete anos decorridos da sua entrada em vigor.

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BASSIOUNI, ,M. Cherif. Observations concerning the 1997-1998 preparatory committee’s work. In: BASSIOUNI, M. Cherif (org). The international criminal court: observations and issues before the 1997-98 preparatory committee; and administrative and financial , p. 31.

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“Option out clause”.

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VENTURINI, Gabriella. War crimes. In: LATTANZI, Flavia; SCHABAS William A. Essays on the rome

É louvável que condutas como o estupro, a prostituição forçada, a escravidão sexual, a esterilização forçada137, bem como os ataques a forças ou instalações pertencentes a uma missão de manutenção da paz ou assistência humanitária138, tenham passado a constar do Estatuto como crimes de guerra. Contudo, mostra-se lamentável que a Conferência de Roma não tenha chegado a um consenso quanto à inclusão de armas nucleares, não detectáveis, fragmentações de armas, minas, armas incendiárias ou armas a laser.139

Também é lamentável a exclusão de competência do tribunal para determinados comportamentos quando praticados em conflitos armados de caráter não-internacional. Para tanto, basta lembrar o lançamento de gás sobre cidades curdas, sob a ordem das autoridades iraquianas de Bagdá. Difícil admitir que o Tribunal Penal Internacional, caso já existisse, não poderia julgar aludido comportamento, exclusivamente porque o conflito não era de caráter internacional.140

3.6.4 As penas

O Estatuto de Roma prevê a privação da liberdade e a multa como penas a serem impostas aos condenados.

No que diz respeito à pena privativa de liberdade, duas são as modalidades previstas, quais sejam, reclusão por um período máximo de trinta anos e prisão perpétua.

137 Art. 8 (2)(b)(xxii) 138 Art. 8(2)(b)(iii) 139

SUNGA, Lyal S. SUNGA, Lyal S. A competência ratione materiae da corte internacional criminal:arts. 5 a 10 do estatuto de roma. In: CHOUKR, Fauzi Hasan, AMBOS, Kai (Org.).Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000, p. 215.

140

BAZELAEIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. São Paulo: Manole, 2004, p. 79.

Diversamente da legislação brasileira, que tem por costume descrever o fato típico (preceito primário) e em seguida a pena imposta (preceito secundário), o Estatuto de Roma informou no art. 77 quais seriam as penas aplicáveis a todos os crimes para os quais o Tribunal Penal Internacional é competente.

A pena de reclusão é a regra geral.

A pena de prisão perpétua somente poderá ser imposta em casos excepcionais, exigindo a lei que esteja justificada por dois requisitos, quais sejam, a extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias pessoais do condenado.141

No que diz respeito ao procedimento a ser adotado no momento da individualização da pena, o Estatuto fez a previsão de que seriam levadas em consideração as determinações constantes das Regras de Procedimento e Prova.142

Tais regras foram estabelecidas na reunião da Comissão Preparatória para o Tribunal Penal Internacional, ocorrida em 30 de junho de 2000 e adotadas na Primeira Sessão da Assembléia dos Estados-partes para o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, oportunidade em que a Regra 145, em três parágrafos, enumera uma série de elementos que devem nortear os juízes no momento da individualização da pena. Entre eles, deve o magistrado notar a presença de circunstâncias agravantes e atenuantes; a conduta do condenado após a prática do crime, incluindo seus esforços para compensar as vítimas ou qualquer cooperação com

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Art. 77 (b)

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o Tribunal; a extensão dos danos causados, em particular o mal causado às vítimas e seus familiares; a natureza do comportamento e os meios empregados para executar o crime.143

Para tornar clara a sanção atribuída a cada comportamento, quando dois ou mais forem os crimes praticados, o Estatuto assegurou que nestas hipóteses o Tribunal proferirá uma sentença para cada crime e uma sentença comum, onde estará especificado o período total de reclusão. Restou assegurado que o período de cumprimento das penas, mesmo em tais casos, não será superior a trinta anos de reclusão, exceto nos casos de prisão perpétua.144

É possível aplicar-se pena de multa ao condenado, além da reclusão, bem como o seqüestro do produto do crime, dos bens ou dos haveres procedentes direta ou indiretamente do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé.

A detração penal também se encontra prevista, sendo deduzido o tempo que o condenado tenha estado preso por determinação do Tribunal. Também ficou assegurado que o tribunal poderá computar qualquer outro tempo de prisão cumprido em razão da conduta objeto da condenação.145 143 ICC-ASP/1/3 144 Art. 78 (3) 145 Art. 78 (2)

CAPÍTULO IV - A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E O ESTATUTO DE