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Princípios Gerais do Direito Penal Norteadores do Tribunal Penal Internacional

CAPÍTULO III A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E SEUS ASPECTOS INSTITUCIONAIS

3.2. Princípios Gerais do Direito Penal Norteadores do Tribunal Penal Internacional

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional traz no seu bojo princípios gerais de direito penal a orientar a aplicação das normas e a responsabilização dos violadores dos tipos nele descritos.

Noticia William A. Schabas que somente no relatório de 1995 do Comitê ad

hoc apareceu uma seção destinada aos princípios gerais de direito penal. Registra o autor que:

“Até então, a redação do projeto de Estatuto esteve a cargo principalmente de expertos em direito internacional, sendo que o crescente interesse pela parte geral de direito penal pode ser interpretado como o início da participação de criminalistas nos trabalhos. O objetivo era dar ao projeto uma ‘parte geral’, um compêndio de regras de acordo com as tradições nacionais e suas respectivas práticas que pudessem dar ao julgador um ‘coerente conceito acerca da lei penal’.”80

São os seguintes os princípios consignados no Estatuto de Roma:

a) Ne bis in idem, constante do artigo 20, afirma que nenhum acusado poderá ser condenado, por qualquer Corte nacional ou pelo próprio Tribunal Penal Internacional, caso tenha sido julgado por este último. Todavia, o número 3 do artigo 20 menciona duas hipóteses em

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Informação obtida no site oficial do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <www.icc-cpi.int>. Acesso em: 09 setembro 2005.

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SCHABAS, WILLIAM A. “Princípios Gerais de Direito Penal”. CHOUKR, Fauzi Hasan, AMBOS, Kai (Org.).Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000, p. 150.

que, excepcionalmente, o Tribunal Penal Internacional poderá julgar pessoas que já tenham sido julgadas por outro tribunal, quais sejam, no caso em que a Corte nacional tenha agido com o propósito de afastar a responsabilidade penal do acusado ou na hipótese em que o julgamento não tenha ocorrido com independência ou imparcialidade.

b) Nullum crimen, nulla poena sine lege, previsto nos artigos 22 e 23 do Estatuto. Ficou expressamente previsto que ninguém poderá ser responsabilizado por conduta que não fosse, ao tempo da sua prática, prevista como crime. Ressaltou ainda o legislador que a definição do crime será interpretada de maneira restrita, não admitindo a analogia, e que, em caso de dúvida, será ela resolvida em favor de quem estiver sendo investigado, processado ou condenado. A pena eventualmente aplicada estará, obrigatoriamente, nos limites previamente previstos no tipo penal.

c) Responsabilidade penal individual. O Tribunal Penal Internacional só punirá pessoas físicas. A responsabilização de pessoas jurídicas chegou a ser postulada por componentes da delegação francesa, que insistiam no assunto, levando em consideração a possibilidade de reparação dos danos sofridos pelas vítimas. Contudo, não obteve sucesso, tendo em vista que muitos Estados não prevêem aludida responsabilização em seus ordenamentos jurídicos internos e houve preocupação com a eventual incompatibilidade e conseqüente necessidade de complementação das normas.81

O Estatuto prevê como formas de responsabilização pessoal a autoria imediata, a mediata e a co-autoria.

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“Princípios Gerais de Direito Penal”. CHOUKR, Fauzi Hasan, AMBOS, Kai (Org.).Tribunal penal

A participação82 também se encontra prevista no art. 25, (3), (b), (c) e (d).

d) Inimputabilidade dos menores de 18 anos. Informa William A. Schabas que: “No relatório apresentado em 1996, havia divergência quanto à idade dos imputáveis, variando de 12 a 21 anos.”83 Contudo, o Grupo de Trabalho da Conferência Diplomática acabou estabelecendo no artigo 26 do Estatuto de Roma que o Tribunal não terá jurisdição sobre menores de 18 anos à época da prática do crime.

e) Irrelevância do cargo ou função. O Estatuto de Roma estabelece expressamente, em seu art. 27, que o exercício dos cargos de Chefe de Estado ou de Governo, bem como o mandato parlamentar ou a representação de governo são irrelevantes no que diz respeito à responsabilização criminal ou para eventual diminuição de pena. Registra ainda que as imunidades ou procedimentos especiais em razão do exercício da função, sejam elas decorrentes de normas internas ou internacionais, não impedem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Fábio Konder Comparato entende ser correto o posicionamento adotado pelo Estatuto de Roma, mencionando o lamentável julgamento realizado pela Corte Internacional de Justiça, que teve acórdão proferido no dia 14 de fevereiro de 2002, quando se entendeu que o Primeiro-Ministro de Israel, Ariel Sharon, não poderia ser julgado pela prática de crimes contra a humanidade, uma vez que à época do crime, 1982, exercia o cargo de Ministro da Defesa e

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Conforme Mirabete, “O partícipe não comete a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a realização do delito.” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 19 ed.. São Paulo: Atlas, 2003, v. 1, p. 232).

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“Princípios Gerais de Direito Penal”. CHOUKR, Fauzi Hasan, AMBOS, Kai (Org.).Tribunal penal

gozaria de imunidades, de acordo com os costumes internacionais, aplicáveis perante tribunais de qualquer país.84

f) Responsabilidade de comandantes e outros superiores. O Estatuto consagrou a responsabilidade penal dos comandantes, militares ou civis, pelos atos praticados por forças que estivessem sob seu comando e controle efetivo ou sua autoridade ou controle efetivo. A diferença entre as expressões comando e autoridade está diretamente relacionada com a natureza militar ou civil de quem controla o grupo. A redação adotada leva em conta que um militar tem forças sob seu comando, enquanto um civil tem subordinados sob sua autoridade.

g) Imprescritibilidade. Os crimes sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional são imprescritíveis, de acordo com o art. 29 do Estatuto de Roma. Dada a gravidade dos crimes elencados no Estatuto, não causa surpresa o posicionamento adotado no sentido de reconhecer sua imprescritibilidade. A renúncia ao poder punitivo, exclusivo do Estado em matéria penal, deve ser, inequivocamente, adotada com extrema ponderação. Em assim sendo, mostra-se elogiável o posicionamento do Estatuto. Registre-se que as Nações Unidas já elaboraram, em 1968, convenção em que reconhecem a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade.

h) Elemento subjetivo do tipo. O Estatuto de Roma, em seu art. 30, (1), dispõe que o dolo, nas modalidades de intenção e conhecimento do agente, será o elemento subjetivo dos tipos que descreve, salvo disposição expressa em contrário. O parágrafo 2 do mesmo artigo é uma norma explicativa e esclarece que o agente tenciona uma conduta quando nela deseja incorrer ou

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COMPARATO, Fábio K. , Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 462.

quando, em relação a um resultado, deseja produzi-lo ou tem consciência que ele se produzirá no curso normal dos acontecimentos. Conhecimento é entendido como a consciência de que existe uma circunstância ou uma conseqüência que irá se produzir no curso normal dos acontecimentos. Restou ainda consignado que as palavras “conhecimento” e “consciência” devem ser entendidas no mesmo sentido.

i) Excludentes de responsabilidade criminal. São quatro as hipóteses de exclusão de responsabilidade. A primeira delas é a doença ou deficiência mental que priva o agente de entender o caráter ilícito de seu comportamento ou de controlar sua conduta a fim de não transgredir a lei.

A segunda causa de exclusão é o estado de intoxicação que tem o condão de incapacitar o agente de entender o caráter ilícito ou a natureza de sua conduta, ou lhe tira a capacidade de controlar seu comportamento. Ficou consignado que, na hipótese da intoxicação ser voluntária, sabendo o agente que provavelmente incorreria na prática de um crime, caso ficasse intoxicado, não será possível o reconhecimento da excludente.

A legítima defesa, própria ou de terceiro, encontra-se prevista como causa de justificação, sendo exigida a injustiça da agressão, atual ou iminente. Também se exigiu a proporcionalidade da defesa ao grau de perigo. Restou expressamente consignado que o fato do agente se encontrar envolvido em uma operação defensiva não constitui, por si só, legítima defesa.

Por fim, há uma quarta forma de exclusão de responsabilidade penal prevista no artigo 31 do Estatuto, que se dá nos casos em que o agente se defende de ameaças feitas por

outras pessoas ou por outras circunstâncias alheias ao controle do agente e que venham a constituir ameaça de morte iminente ou sérias agressões físicas a ele ou a outra pessoa. Exige-se que o agente tenha procedido de forma necessária e razoável para evitar a ameaça e não tenha querido causar um mal maior que o evitado.

j) O erro de fato, o erro de direito e a obediência hierárquica. O Estatuto de Roma prevê o erro de fato como causa excludente da responsabilidade penal, ressaltando que isto somente ocorrerá se com o erro desaparecer o dolo exigido pelo crime.

No que diz respeito ao erro de direito, o art. 32 do Estatuto ressalva que não terá o condão de excluir a responsabilidade criminal se incidir sobre o fato da conduta praticada estar ou não sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Contudo, o erro de direito tem aspectos relevantes quando levada em consideração a causa de exclusão da responsabilidade penal prevista no art. 33 do Estatuto, qual seja, a obediência hierárquica. Exigiu-se que o agente esteja obrigado a obedecer às ordens emitidas pelo governo ou pelo superior, que não saiba que a ordem é ilícita e que a ordem não seja manifestamente ilícita. Estabeleceu-se presunção de que ordens para o cometimento de genocídio ou crimes contra a humanidade são manifestamente ilícitas.