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CAPÍTULO III A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E SEUS ASPECTOS INSTITUCIONAIS

3.1 Os trabalhos realizados para a criação do Estatuto de Roma

Não há dúvida que tanto os Tribunais Internacionais de Nuremberg e Tóquio quanto os da Antiga Iugoslávia e de Ruanda, constituem marcos históricos extremamente importantes no que diz respeito à apuração e sanção das condutas daqueles que violaram os direitos humanos e as regras do Direito Humanitário, mas por serem tribunais ad hoc – apesar dos dois últimos terem sido instituídos por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas-, possuem natureza e competência questionáveis e confirmam a necessidade de existência de um sistema permanente de justiça criminal internacional.

Valério Mazzuoli, mencionando as críticas realizadas contra os Tribunais ad

“...que os mesmos violavam a regra basilar do direito penal, segundo a qual o juiz, assim como a lei, deve ser preconstituído ao cometimento do crime e não ex

post facto.” 66

Ciente da necessidade e com a finalidade de dar um passo concreto para a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente a Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio das Resoluções 47/33, de 25 de novembro de 199267, e 48/31, de 09 de dezembro de 199368, apresentou requerimentoà Comissão de Direito Internacional solicitando a elaboração de um projeto de estatuto da corte internacional criminal permanente.

No ano de 1994, a Comissão de Direito Internacional elaborou, em sua 46ª Sessão, um projeto de estatuto para a corte internacional criminal permanente e o enviou à Assembléia Geral, recomendando que fosse convocada uma conferência de plenipotenciários para examiná-lo e realizar uma convenção para o estabelecimento da corte.

Todavia, a Assembléia Geral das Nações Unidas, instigada por países que estavam relutantes em verem a Corte Internacional Criminal permanente se instalar tão rapidamente, por meio da Resolução 49/53, de 09 de dezembro de 1994, decidiu que era necessário submeter o texto elaborado pela Comissão de Direito Internacional a uma revisão de representantes de um comitê ad hoc, aberto a representantes de todos os Estados-membros.69

O comitê reuniu-se em duas oportunidades, de 03 a 13 de abril e de 14 a 25 de agosto de 1995, mas apesar dos esforços envidados parecia que o projeto do estatuto estava

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MAZZUOLI, Valério da Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 27. 67 A/RES/47/33 68 A/RES/48/31 69

BASSIOUNI, M. Cherif. Observations concerning the 1997-1998 preparatory committee’s work. BASSIOUNI, M. Cherif (org). The international criminal court: observations and issues before the 1997-98 preparatory committee; and administrative and financial implications. Chicago: International Association of penal law, 1997, p. 8

fadado ao fracasso, tantas foram as divergências enfrentadas. Todavia, as reuniões permitiram que os Estados ficassem familiarizados com os assuntos tratados na criação do Tribunal Penal Internacional. No dia 06 de setembro de 1995, o comitê elaborou um relatório, acompanhado de um projeto do estatuto, e o enviou para a 50ª Seção da Assembléia Geral.

Registre-se a importante contribuição realizada pelo Instituto Superiore

Internazionali de Scienze Criminale, ligado à Associação Internacional de Direito Penal, que

apresentou diversas sugestões ao estatuto que se encontrava em fase de criação. “Na reunião ocorrida de 3 a 8 de dezembro de 1995, foi elaborado o que passou a ser conhecido como Projeto Siracusa, que foi enviado para o Comitê Ad Hoc para o Estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.”70

Em 11 de dezembro de 1995, a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu criar um Comitê Preparatório, aberto a todos os Estados-membros das Nações Unidas, membros de agências especializadas ou da Agência Internacional de Energia Atômica, que tinha por finalidade discutir as questões mais importantes e os assuntos administrativos relativos ao projeto do estatuto elaborado pela Comissão de Direito Internacional. O Comitê Preparatório deveria levar em conta os diferentes pontos de vista que surgissem durante as reuniões, com o escopo de elaborar um texto consolidado aceitável para a Conferência de Plenipotenciários.71

Foram realizadas duas reuniões pelo Comitê Preparatório no ano de 1996. A primeira entre 25 de março e 12 de abril, e a segunda entre os dias 12 a 30 de agosto.

70

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 111

71

O Comitê preparatório não produziu um texto consolidado do projeto de estatuto e somente conseguiu fazer a compilação de várias propostas.72

Na 51ª Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 51/207, seguindo recomendação da Comissão de Direito Internacional, decidiu-se que a conferência diplomática destinada à criação do Tribunal Penal Internacional deveria ser realizada no ano de 1998, oportunidade em que a Convenção de Prevenção e Punição para os Crimes de Genocídio e a Declaração Universal dos Direitos Humanos estariam completando 50 anos de existência.73

Acolhendo convite formulado pela representante do governo italiano, Emma Bonino, a Assembléia Geral escolhe a Itália como sendo o país onde será realizada a conferência.”74

Foi renovado o mandato do Comitê Preparatório que, no ano de 1997, reuniu-se em três oportunidades, quais sejam, entre os dias 11 e 21 de fevereiro, de 04 a 15 de agosto, e de 1º a 12 de dezembro. A finalidade das reuniões era elaborar os contornos finais do texto relativo ao estatuto da Corte Internacional Criminal que seria submetido à Conferência Diplomática de Plenipotenciários.75

Alguns Estados-membros, principalmente aqueles de países menos desenvolvidos, não estiveram representados nas reuniões do Comitê Preparatório em razão da

72

BASSIOUNI, M. Cherif. Observations concerning the 1997-1998 preparatory committee’s work. BASSIOUNI, M. Cherif (org). The international criminal court: observations and issues before the 1997-98 preparatory committee; and administrative and financial implications. Chicago: International Association of penal law, 1997, p. 10

73

MAIA, Marrielle. Tribunal penal internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 58

74

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 447

75

insuficiência de pessoal e dos custos necessários para que se fizessem presentes. Esta ausência de delegações governamentais não foi benéfica ao objetivo de fazer um esforço realmente universal nos trabalhos do Comitê Preparatório.76

Cumprindo a decisão constante de sua Resolução no 51/207, a Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio de sua Resolução 52/160, de 28 de janeiro de 1998, convocou a Conferência Diplomática dos Plenipotenciários para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, a realizar-se na sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), na cidade de Roma, Itália, entre os dias 15 de junho a 17 de julho de 1998.77

Entre os dias 16 de março e 03 de abril de 1998, foi realizada a última sessão do Comitê Preparatório, destinada à elaboração do texto final que seria apresentado na Conferência Diplomática de Roma.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi aprovado em Roma no dia 17 de julho de 1998, quando os cento e vinte países participantes da Conferência Diplomática de Plenipotenciários se reuniram para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional. Sete países votaram contrariamente à aprovação do Estatuto, havendo vinte e uma abstenções.

Ficou acertado que o Estatuto entraria em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte aos sessenta dias que se seguissem à sexagésima ratificação ou adesão (art. 126), razão

76

BASSIOUNI, M. Cherif. Observations concerning the 1997-1998 preparatory committee’s work. BASSIOUNI, M. Cherif (org). The international criminal court: observations and issues before the 1997-98 preparatory committee; and administrative and financial implications. Chicago: International Association of penal law, 1997, p. 12.

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pela qual foi ele depositado e colocado à disposição para assinaturas em Nova Iorque, na sede da Organização das Nações Unidas, até 31 de dezembro de 2000.

Apesar da aprovação do Estatuto ocorrer em 1998, somente no dia 11 de abril de 2002, data em que dez países (Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Camboja, República Democrática do Congo, Irlanda, Jordânia, Mongólia, Níger, Romênia e Eslováquia), simultaneamente o ratificaram, foi alcançado o número de sessenta e cinco ratificações.

Sendo assim, o Tribunal Penal Internacional começou a funcionar no dia 1º de julho de 2002, estando situado na cidade de Haia, na Holanda.

O Brasil assinou o tratado no dia 07 de fevereiro de 2000.

Salienta Fábio Konder Comparato que após a má repercussão política da oposição norte americana e israelense ao Estatuto, os Estados Unidos e Israel assinaram o tratado no dia 31 de dezembro de 2000.

“Todavia, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington, e as operações de guerra que se lhes seguiram no Afeganistão e na Palestina, em flagrante violação das normas internacionais, a ratificação da Convenção de Roma por essas duas potências tornou-se desde logo impensável. E, efetivamente, em 6 de maio de 2002, os Estados Unidos notificaram o Secretário-Geral das Nações Unidas de que ‘não tencionam tornar- se Parte no Tratado’, declarando, em conseqüência, que não se acham juridicamente obrigados pela adesão dada em 31 de dezembro de 2000. Em previsível seqüência, Israel desligou-se também do Estatuto, mediante declaração enviada ao Secretário-Geral da ONU em 28 de agosto de 2002.”78

78

COMPARATO, Fábio Konder. , Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p.448

Até 12 de maio de 2005, 99 países já haviam ratificado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, sendo 27 deles da África, 12 da Ásia, 15 do Leste Europeu, 20 da América Latina e do Caribe, e 25 da Europa Oriental e de outros países.79