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3 TIMELINE: NA HISTORICIDADE DAS CONCEPÇÕES TEÓRICAS

3.3 O cronotopo e a constituição de sujeitos

Inegavelmente, em tempos de modernidade líquida (Bauman, 2001), refletir acerca do conceito de cronotopo postulado pelo Círculo de Bakhtin parece oportuno, uma vez que ao revisitar as discussões do Círculo de Bakhtin (2003; 2017; 2018) e ao atentar para as ideias de Bauman (2001), percebe-se, no conceito de cronotopo, uma convergência do diálogo desses teóricos (MELO, 2016).

De acordo com Bakhtin (2018), é por meio da porta do cronotopo que se realiza qualquer intervenção na esfera dos significados.

Melo (2016) explica que é nas relações cronotópicas que se revela uma determinada visão de homem e que seu estudo não pode ocorrer de modo dicotômico e abstrato – tempo x espaço - pois, há uma indissolubilidade de espaço e tempo. Casado Alves (2012) que, anteriormente, havia atentado para essa questão, faz emergir o conceito de sujeitos heterocronotópicos. Para a pesquisadora, o homem se constitui como heterocronotópico, uma vez que diferentes imagens de si são relevadas nos diferentes cronotopos que lhes são constituintes e que são constituídos por ele. Para tal afirmação, Casado Alves toma como base a discussão encontrada nos textos de Morson & Emerson (2008) que explicita:

A tese crucial de Bakhtin é que o tempo e o espaço variam em qualidades; diferentes atividades e representações sociais dessas atividades presumem diferentes tipos de tempo e espaço. Tempo e espaço não são, pois meras abstrações “matemáticas” neutras. Ou, para ser exato, o conceito de tempo e espaço como abstração define, ele próprio, um cronótopo específico que difere de outros cronótopos (MORSON & EMERSON, 2008, p. 384).

A partir dessa assertiva, a autora entende que é possível afirmar que o homem se revela nas diferentes interações situadas espácio-temporalmente, já que na perspectiva dialógica bakhtiniana, o sujeito constrói temporalidades e espacialidades e se constrói, constitutivamente, em relação a elas e por elas.

Casado Alves (2012), em conformidade com os postulados do Círculo, afirma também que, ao falarmos, utilizamos sempre os gêneros do discurso, que são tão heterogêneos e multiformes como o são as nossas práticas sociais. Para a autora, o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos, únicos, singulares, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Sendo assim, cada gênero do discurso pressupõe um cronotopo legítimo para serem enunciados e recebidos pelo ouvinte/leitor.

Coadunando com o que foi escrito, anteriormente, por Casado Alves (2012) sobre a intrínseca relação entre cronotopo, esfera/campo da atividade humana, gêneros discursivos e enunciados concretos, Rohling (2013) escreve:

A esfera é a primeira entrada para se olhar os enunciados e os gêneros, pois é ela quem organiza, ou melhor, orquestra os gêneros que servem aos objetivos discursivos dos interlocutores em determinado contexto de uso da linguagem. Assim, o conceito de esfera nos faz desembocar na noção de cronotopo, já que as atividades humanas se realizam em determinadas esferas, que agregam diferentes situações sociais de interação, mediadas por diferentes gêneros do discurso (ROHLING, 2013, p.191).

Partindo-se do conceito de cronotopo, postulado teoricamente pelo Círculo de Bakhtin, e enfocando também as ideias de Bauman (2001), Melo (2016) percebe na cronotopia uma convergência do diálogo desses teóricos. A autora afirma que a metáfora empregada por Bauman (2001) ao caracterizar a modernidade – líquida – é precisa e adjetiva bem a modernidade.

Melo (2016), partindo dos postulados bakhtinianos sobre cronotopo, amplia sua significação ao fazer uma adaptação ao tempo contemporâneo. Ela afirma que a discussão acerca de tempo-espaço parte dos aspectos histórico, político e ideológico.

A autora discute, ainda, os vários espaços presentes na sociedade e sobre a criação de instrumentos, pelo homem, que diminuíram o tempo de conquista desses espaços. Para Melo (2016), a conquista do espaço/lugar

[...] tem suas significações alteradas, ou seja, para conhecer vários lugares, (ou invadi-los) não precisamos viajar, comprar passagens, hospedarmos, gastarmos…. as relações (pessoais, de trabalho, de dominação, do capital, políticas internas ou externas) também se modificam significativamente e são construídos novos e outros sentidos (MELO, 2016, s/p).

Assim, ao trazer essas reflexões para a modernidade líquida, mediada pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDICs -, o espaço se relativiza e o tempo é o instantâneo. A pesquisadora afirma ainda que

A virtualidade nos permite estar em qualquer lugar e no mesmo tempo real; como já mencionado, não precisamos nos deslocar em dado tempo para visitar, por exemplo, um museu ou para conversarmos com alguém em outro lugar do mundo. Isso proporcionado pelos artefatos conectados à internet, dispositivos e aplicativos móveis; facilitado pelas redes sociais, pelos programas de comunicação por voz e imagens, pelos aplicativos de mensagens, pelos sites e tudo o mais (MELO, 2016, s/p).

Dada a citação acima, é possível afirmar que a autora propõe uma nova concepção cronotópica: o cronotopo da virtualidade15. Contudo, para a autora, o fato

de surgir, com o passar do tempo, um outro cronotopo, não significa negar tempos e espaços reais, na verdade, ela aponta que as noções – e o uso – de tempos e espaços se alteraram. Na subseção a seguir, abordaremos, mais detalhadamente, o conceito de cronotopo virtual.

3.3.1 O cronotopo virtual: quando o tempo e o espaço se fundem na fluidez

Sobre cronotopo virtual, há discussões, embora recentes, bastante fecundas. Melo e Tanzi (2016) abordam a temática de modo claro e perspicaz. Assim, segundo as autoras

15 Considerando os limites dessa dissertação, adotamos o termo “cronotopo virtual” assim denominado por Melo (2016), mas compreendemos que tal denominação deverá ter desdobramentos em pesquisa futura, uma vez, que corroboramos não haver mais antagonismo entre o “real” e o “virtual” conforme já afirmamos anteriormente.

O cronotopo da “virtualidade” é marcado pela quase instantaneidade – considerando os delays –, também, obviamente pelo uso do dispositivo, pela interatividade. Trata-se do cronotopo fluido, uma vez que a relação tempo-espaço se funde de uma forma ressignificada, ou seja, não mais dependente da duração do percurso, mas da ubiquidade desses tempos/espaços (TANZI; MELO, apud, MELO, 2016, s/p.).

Sendo assim, para a autora, as interações inerentes ao cronotopo virtual são marcadas pela colaboratividade. Além disso, tais interações não são as mesmas do mundo off-line. Elas são alteradas e ressignificadas. Há também no ciberespaço enunciados constituídos por linguagens multimodais, multissemióticas e híbridas com a singularidade do uso das TDICs.

Tomando como ponto de partida a afirmação de Amorim (2006) que assevera: “o conceito de Cronotopo trata de uma produção da história. Designa um lugar coletivo, uma espécie de matriz espaço-temporal de onde várias histórias se contam ou se escrevem” (AMORIM, [2006] 2012, p. 105). Melo (2016) infere que é possível pensar as redes sociais como um lugar cronotópico, pois elas são constituídas por sujeitos e por um tempo-espaço fluido/ubíquo. Verticalizando mais a temática, a autora insere a rede social digital Facebook na discussão cujo principal argumento é que ao considerar o design do Facebook composto por linearidade e instantaneidade e ao considerar, também, as várias histórias publicadas on-line pelos usuários/sujeitos na rede social digital é inconcebível não considerar que ali há um cronotopo virtual. Por fim, na subseção a seguir, aprofundaremos a discussão sobre o cronotopo virtual na rede social digital Facebook.

3.3.1.1 O cronotopo virtual no Facebook

Ao percorrer a historicidade do Facebook, na subseção 2.2 Explorando a rede: desvendando o Facebook, fica explícito que o valor central desse site de rede social digital está no conjunto de conexões entre amigos/sujeitos sócio-historicamente situados. Essas conexões ocorrem por meio do diagrama social. Zuckerberg, baseando-se no sentido matemático, denomina por “diagrama social”, uma série de nós e conexões nos quais os “nós” seriam as pessoas, e as conexões, as amizades (KIRKPATRICK, 2011.).

Logo se o Facebook é caracterizado pelas conexões que promove virtualmente entre sujeitos sócio-historicamente situados, é possível afirmar que nele há, fazendo as adaptações teóricas necessárias, o cronotopo do encontro postulado por Bakhtin na década de 30. Para melhor compreendermos o conceito de cronotopo aplicado a outros enunciados além do gênero discursivo romance, nos embasamos na assertiva de Casado Alves (2012) que afirma

Bakhtin (1990, p. 211) define o cronotopo como “[...] a interligação fundamental das relações temporais e espaciais”. Ele afirma que o transporta da teoria da relatividade de Einstein como uma “quase metáfora”, pois nesse conceito é importante a indissolubilidade de espaço e de tempo (tempo como a quarta dimensão do espaço). Indissociáveis, os índices do tempo transparecem no espaço e o espaço reveste-se de sentido e é medido com o tempo. Tal como o fez Bakhtin (1990), transportamos o conceito da esfera literária para, na investigação em Linguística Aplicada, compreender as práticas discursivas construídas na esfera escolar (CASADO ALVES, 2012, p. 312).

Sendo assim, é possível afirmar que, do mesmo modo que as imagens cronotópicas constroem as cenas no romance, elas nos permitem olhar outras produções discursivas do nosso tempo (marcado pela fluidez) a fim de atribuir sentido aos enunciados concretos imanentes à rede social digital Facebook.

Logo, as interações no Facebook podem ser tomadas como o cronotopo do encontro (BAKHTIN, 2018). Esse encontro, por assim dizer, é mediado por enunciados concretos constituídos por linguagens multimodais, multissemióticas e híbridas com a singularidade do uso das TDICs. (MELO, 2016). As regras que organizam esse encontro estão arraigadas, tanto nas instituídas pela plataforma, quanto nas instituídas pelos próprios sujeitos que nela interagem/dialogam.

Por fim, esse encontro tem como espaço um ambiente virtual que é construído por sujeitos concretos sócio-historicamente situados cujos construtos são os enunciados por eles proferidos. O tempo desse encontro é ubíquo, já que a dinâmica interacional desses usuários se dá tanto instantaneamente quanto é indiferente o lugar físico do qual esse sujeito digita/posta.