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2 ACESSANDO O SISTEMA: REDES SOCIAS EM TEMPOS LÍQUIDOS

2.2 Explorando a rede: desvendando o Facebook

2.2.4 O uso da plataforma Facebook como ativismo político

Segundo Thompson (1998), há três formas de ação responsiva conjunta, como reação às mensagens veiculadas pela mídia. O primeiro deles diz respeito a “quando os indivíduos reagem de formas semelhantes diante de ações, expressões ou eventos mediados, embora estejam situados em diversos contextos e não haja comunicação ou coordenação entre eles.” (THOMPSON, 1998, p. 102). O segundo tipo de ação conjunta, de acordo com o autor, dá-se quando “indivíduos respondem similarmente a dispositivos simbólicos explicitamente planejados para coordenar a resposta do receptor” (THOMPSON, 1998, p. 103). O terceiro tipo, por último, diz respeito a uma ação responsiva que exige um maior grau de organização e de coordenação entre os participantes dessa ação responsiva. Eis o que o autor afirma sobre isso:

Tratamos aqui de formas de ação coletiva que são estimuladas e alimentadas por imagens, ações e expressões mediadas. Estas formas podem variar: de grupos relativamente difusos de indivíduos com afinidades de interesses e modos de vida, por um lado, a movimentos sociais bem organizados e com objetivos bem articulados, por outro. Em muitos casos estas formas de ação coletiva buscam apoio em diversas fontes: o papel da mídia é uma das fontes

de elementos que provocam e sustentam as ações concertadas dos indivíduos (THOMPSON, 1998, p. 104).

Nessa terceira forma de ação coordenada, os indivíduos compartilham objetivos, interesses e atuam de forma mais consciente ao que é revozeado na mídia. No ciberespaço, essa forma de ação demanda um esforço comum e um compartilhamento de ideologias, de interesses, de propósitos, tal como se dá nas páginas que investigamos nesse trabalho.

O ativista pode ser compreendido, então, como aquele que não apenas deseja ser visto, comentado, mas aquele que tem como motivação seus interesses e, principalmente, sua ideologia. Sendo assim, a rede propicia que o cidadão a utilize, entre outras formas, para se expressar e se engajar em causas, eventos, mobilizações da mais diversa ordem. No entanto, Castells questiona:

O ciberespaço torna-se um terreno disputado. No entanto, será puramente instrumental o papel da Internet na expressão de protestos sociais e conflitos políticos? Ou ocorre no ciberespaço uma transformação das regras do jogo político-social que acaba por afetar o próprio jogo — isto é, as formas e objetivos dos movimentos e dos atores políticos? (CASTELLS, 2003, p. 114).

O ativismo no ciberespaço muda as regras do próprio jogo e, claro, as formas e objetivos dos movimentos e dos seus atores. Uma nova forma de mobilização se constrói nas redes sociais: se antes, uma das principais formas de difusão das campanhas eleitorais se dava via televisão aberta; na contemporaneidade, as campanhas, quase em sua totalidade, migraram de mídia e se radicaram nas redes sociais digitais. Isso se deu, provavelmente, devido ao seu baixo custo e, ao mesmo tempo, alto poder de propagação.

Tendo em vista que nas redes sociais digitais nada se perde, nada se cria, tudo se compartilha, acrescente-se a esses dois, um terceiro elemento, os bots. Os bots são programas de computador fabricados para realizar tarefas virtuais automáticas. Esses programas podem realizar tarefas como: disseminar notícias falsas, reprimir críticas e propagar determinados pontos de vista. Isso ocorre, por exemplo, quando os algoritmos de redes sociais registram uma atividade alta em torno de um tema, ele é classificado como popular e é mostrado para mais usuários. O problema é que, em muitos países, a manipulação dos assuntos populares é uma forma de disputa

política. É sabido que os bots têm a capacidade de perpetuar uma ideia pela internet e angariar novos aliados aos partidos. Além disso, os números de apoiadores são inflados e, com isso, podem captar até eleitores indecisos.

Recentemente os bots já tentaram influenciar o resultado das eleições em mais de 17 países, inclusive no Brasil. Um estudo realizado na universidade de Oxford, "Computer Propaganda in Brazil: Social Bots during the Elections", afirma que tanto o PT quanto o PSDB (principais partidos que concorriam à presidência em 2014) usaram robôs na campanha eleitoral. Segundo a pesquisa,

A campanha de Rousseff também usou 'bots', mas não na mesma escala utilizada por Neves, como foi mais tardiamente confirmado por um memorando interno do partido publicado no Estadão de São Paulo depois da eleição (Filho e Galhardo, 2015). O memorando acobertou a utilização de bots durante a campanha, afirmando que a operação de Neves os utilizou, não apenas no Twitter e Facebook, mas também no WhatsApp, e totalizou um gasto estimado de R$ 10 milhões em compras e implementação desses programas dentro das redes sociais e aplicação de mensagens privadas12 (ARNAUD, 2017, p. 13, tradução nossa).

Ambos os candidatos, na época da corrida eleitoral, utilizaram robôs. Contudo, a utilização dos bots pela candidata à reeleição, Dilma Rousseff, foi feita em uma escala muito menor. Já que os bots contratados para a campanha do PSDB atingiam cerca de 80 milhões de pessoas, enquanto aqueles utilizados na campanha do PT alcançavam apenas 22 milhões. Além disso, os bots comprados pela campanha de Neves continuaram em atividade após a campanha eleitoral, porém eles foram reprogramados para outros fins. Após o término das eleições, os bots comprados pelo Partido dos Trabalhadores foram, em sua maioria, encerrados e, as contas que restaram, se restringiam a replicar os programas do governo. Já o bots comprados pelo PSDB foram utilizados para divulgar o conteúdo de páginas como "Vem Pra Rua" e "Revoltados ON LINE". No caso, a fanpage “Revoltados ON LINE” contava com 16 milhões de bots do PSDB, enquanto a “Vem Pra Rua” tinha apenas 4 milhões. Conforme Arnaud,

12 Rousseff’s campaign also used bots, but not on the scale used by Neves, as was later confirmed by leaked internal party memoranda published in the Estadão de São Paulo after the election (Filho & Galhardo, 2015). The memoranda covered the use of bots during the campaign, stating that Neves’ operation used them not only on Twitter and Facebook, but on WhatsApp, and that it spent an estimated $R10 million in purchasing and deploying these within the social networks and private messaging application. (ARNAUD, 2017, p. 13).

O memorando de 2014 relatou que a continuação desse gasto após a campanha não haveria acontecido, para auxiliar grupos em redes como o Facebook que se opuseram a Presidenta Rousseff. É estimado que 16 milhões se juntaram ao 'Revoltados ON LINE', um grupo de Facebook de oposição, e outros 4 milhões se juntaram a outro grupo conhecido, 'Vem pra Rua'. O site do governante Partido dos Trabalhadores tinha apenas 3 milhões engajados em período similar, e o memorando notou essa discrepância, afirmando que esse investimento "teve resultado", com conteúdo desses sites da oposição atingindo cerca de 80 milhões de pessoas, enquanto sites relacionados ao partido governante e a presidência atingiam apenas cerca de 22 milhões13 (ARNAUD, 2017, p. 14, tradução nossa).

Como se pode constatar, as redes sociais não se reduzem a meros instrumentos de mobilização, mas formatam, engendram, ressoam, constituem novas formas de fazer política, de mobilizar e de construir movimentos sociais. Como também afirma, Castells,

Ela [internet] se ajusta às características básicas do tipo de movimento social que está surgindo na Era da Informação. E como encontraram nela seu meio apropriado de organização, esses movimentos abriram e desenvolveram novas avenidas de troca social, que, por sua vez, aumentaram o papel da Internet como sua mídia privilegiada. (CASTELLS, 2003, p. 115).

Segundo Gohn (2010), a categoria movimento social vem sendo substituída, na abordagem de muitos analistas, pela nomeação de mobilização social (M.S). Tal mobilização é caracterizada e destinada à ação coletiva que objetiva resolver problemas sociais, de forma direta, via a mobilização e o engajamento de pessoas. Nesse sentido, para a socióloga, as redes sociais passam a ter um papel, muitas vezes, mais importante que o movimento social. Tais redes passam a ser denominadas de redes de mobilização social.

13 The 2014 memo reported that this spending continued after the campaign had ended, to support groups on networks such as Facebook that opposed President Rousseff. It estimated that 16 million joined Revoltados ON LINE (Revolted Online), one opposition Facebook group, and another 4 million joined another known as Vem Pra Rua (Go to the Street). The site of the ruling Workers’ Party had only 3 million engaged in a similar period, and the memo noted this discrepancy, stating that this investment “got a result”, with content from these opposition sites reaching roughly 80 million people while sites related to the ruling party and the presidency reached only around 22 million. (ARNAUD, 2017, p. 14). (ARNAUD, 2017, p. 14).

Para Gladwell (2010), a falta de hierarquia nas redes sociais dificultaria o desenvolvimento mais sério da mobilização social. Não há, nessas redes, uma autoridade única e central, as decisões são dadas por consenso e os vínculos entre os sujeitos são “frouxos”. Para o autor, para se combater um sistema poderoso e organizado, necessário se faz uma hierarquia que pense estrategicamente. A flexibilidade, a adaptação, a facilidade e a rapidez das redes tem como contrapartida um ativismo menos denso, longo e não imediato. Ser ativista nas redes sociais parece ser fácil, segundo o autor, no entanto, não é qualquer sujeito que pode ser atuante e condutor de uma mobilização. O ativista precisa ter como atributos: apresentar um tema socialmente relevante, expressar os próprios pensamentos, reforçar a articulação, ser criativo e manter laços e conexões. Além disso, precisa ter conhecimento sobre aquilo que defende, ser bem informado, ter atitude em propor uma ação de ativismo, saber persuadir os internautas para se constituírem em aliados. O ativismo nas redes digitais foi facilitado com o acesso e a possibilidade de fazer isso em qualquer lugar com os mais diversos aparelhos tecnológicos móveis. Mesmo assim, a ida às ruas para protestar, lutar, resistir ainda é uma ação necessária e relevante, mesmo que tal mobilização parta das cibercomunidades, como bem explicita Castells,

A internet torna-se um meio essencial de expressão e organização para esses tipos de manifestações, que coincidem numa dada hora e espaço, provocam seu impacto através do mundo da mídia, e atuam sobre instituições e organizações (empresas, por exemplo) por meio das repercussões de seu impacto sobre a opinião pública (CASTELLS, 2003, p. 117).

Como exemplo, podemos nos reportar ao fato de que em 4 de fevereiro de 2008, na Colômbia, cerca de 10 milhões de pessoas saíram em passeata contra as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em centenas de cidades colombianas, de acordo com estimativas da imprensa do país, enquanto outros 2 milhões fizeram o mesmo em cidades ao redor do mundo. Esse movimento começou com uma mensagem colérica, no Facebook, postada de madrugada por um sujeito jovem, frustrado, desesperançado e que, sozinho em seu quarto, ao postar essa mensagem, desencadeou, à época, uma das maiores manifestações coletivas do mundo (KIRKPATRIK, 2011).

Para Kirkpatrick (2011), mesmo que, inicialmente, o Facebook não tenha sido criado para ser usado como um instrumento político, seus criadores logo perceberam que, mesmo sem intenção, haviam criado uma ferramenta potente para tal fim. Em 2004, durante as primeiras semanas depois de sua criação, os universitários de Harvard, começaram a divulgar suas opiniões/posições políticas ao substituir sua foto de perfil por um bloco de texto que incluía alguma declaração política. Ao ser entrevistado por Kirkpatrick, Dustin Moskovitz, co-fundador do Facebook, afirmou que naquela época,

[...] as pessoas usavam o Facebook para protestar contra o que quer que achassem importante [...] Mesmo que estivessem apenas aborrecidas com um problema insignificante na faculdade. [...] Desde o início as pessoas perceberam intuitivamente que, se aquilo pretendia lhes oferecer uma forma de expressar on-line sua verdadeira identidade, então suas opiniões e paixões sobre as questões do momento eram um elemento dessa identidade (KIRKPATRICK, 2011, p.14).

Antigamente, a difusão de informações em larga escala era privilégio da mídia eletrônica - rádio e televisão. Na atual modernidade, é possível constatar que a rede social digital - Facebook - se configura como uma ferramenta excepcionalmente eficaz para a organização política, pois, seu software imprime uma característica viral à informação. Assim, as ideologias construídas pelos sujeitos, nas suas mais diversas interações sociais, propagam-se de uma pessoa para outra e para muitas outras como um vírus. Logo, as mobilizações potenciadas pelas redes sociais digitais não se restringiram à Colômbia. Em sua pesquisa, Kirkpatrick (2011) esclarece que tanto o Facebook quanto o Twitter foram ferramentas fundamentais, devido a sua alta potência em relação à propagação das mensagens, na revolta contra o resultado das eleições no Irã em meados de 2009. Friedman, colunista de política internacional do New York Times, afirma que

Pela primeira vez, os moderados, que sempre ficaram perdidos e desamparados entre os regimes autoritários que detinham todos os poderes do Estado e os seguidores do Islã que tinham todos os Poderes da mesquita, têm seu próprio local para se reunir e projetar seu poder: a internet (FRIEDMAN, apud, KIRKPATRICK, 2011, p.15).

O advento da rede social digital – Facebook – fomenta implicações radicais para a mídia como, até então, se configurava. Pois, nessa plataforma, todos podem ser editores, criadores de conteúdo, produtores e distribuidores. Os clássicos papéis da “velha” mídia estão sendo desempenhados por todos, pessoas comuns estão originando a transmissão em broadcast14. Por exemplo, foi no Facebook que Mir

Hossein Mousavi, o candidato presidencial iraniano derrotado, disse a seus seguidores que estava na hora de eles irem para as ruas. Durante um dos protestos, uma jovem foi morta violentamente, e, na mesma plataforma, o vídeo de seu assassinato foi postado com o objetivo de ser compartilhado em todo o mundo como representação da intolerância/tirania do governo iraniano. “Constrangido, o governo tentou várias vezes bloquear o acesso ao Facebook. Mas a rede social é tão amplamente utilizada no país que não foi possível fazê-lo.” (KIRKPATRICK, 2011, p.15)

“Não são os centavos, são nossos direitos.” Com esse grito de indignação, contra o aumento do preço da tarifa dos transportes coletivos brasileiros, milhares se reuniram em multidões em mais de 350 cidades no Brasil. Esse grito ecoou pelas redes sociais digitais e foram adicionando-se outras reivindicações no campo da educação, saúde, condições de vida e defesa da dignidade humana. De acordo com Castells,

De forma confusa, raivosa e otimista, foi surgindo por sua vez essa consciência de milhares de pessoas que eram ao mesmo tempo indivíduos e um coletivo, pois estavam - e estão – sempre conectadas, conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a tuítes, post a post, imagem a imagem. Um mundo de virtualidade real e realidade multimodal, um mundo novo que já não é novo, mas que gerações mais jovens veem como seu. Um mundo que a gerontocracia dominante não entende, não conhece e que não lhe interessa, por ela encarado com suspeita quando seus próprios filhos e netos se comunicam pela internet, entre si e com o mundo, e ela sente que está perdendo o controle [...] O Brasil, mais de 75% dos cidadãos apoiavam o movimento duas semanas depois de seu início na avenida Paulista (CASTELLS, 2013, p. 183-4).

14 Broadcast é um termo da língua inglesa formado por duas palavras distintas, “broad” (largo, ou em larga escala) e “cast” (enviar, projetar, transmitir). Desse modo, quando o rádio e a televisão chegavam no país, há algumas décadas, a ideia foi traduzida no Brasil como “radiodifusão”. Entretanto, como a transmissão de imagem e som não se dá mais exclusivamente por ondas de rádio e atingiu outros tipos de dispositivos eletrônicos, a palavra radiodifusão se tornou obsoleta para se referenciar ao termo broadcast. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/player-de-video/2026-o-que-e-broadcast-.htm . Acesso em: 20.jun.19.

Portanto, quer seja no mundo árabe, quer seja na Colômbia, quer seja no Brasil, o Facebook está dando a indivíduos em sociedades de todo o mundo mais poder em relação às instituições sociais, como prenunciamos na seção Login: iniciando a discussão, e isso pode levar a mudanças muito perturbadoras. Dado o exposto, deve- se considerar a força que move tudo isso. Essa pode ser tanto construtiva quanto destrutiva. Pois, se por um lado, em algumas sociedades, nas quais vigoram regimes totalitários, a potencialidade da rede pode ser direcionada para desestabilizar instituições autoritárias e repressivas; por outro lado, em outras sociedades nas quais vigoram o estado democrático de direito, essa mesma potência pode ser manipulada para por em funcionamento um outro tipo de regime, desestabilizando instituições tidas como sólidas.

Segundo Castells (2013, p.186) o que é irreversível no Brasil e no mundo é o “empoderamento dos cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens do que tudo o que sabemos do futuro é que eles o farão. Móbil-izados”.