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Cultura Judoística

No documento Dojô: espaço de educação (páginas 132-137)

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.4 Cultura Judoística

Para análise dos aspectos relacionados especificadamente à cultura judoística, propriamente dita, intentamos compreender as nuances contidas nos seguintes núcleos de análise: 1. Disciplina e Hierarquia; 2. Esportivização do Judô e 3. Tradicionalismo no Judô. Optamos pelos mesmos por compreendermos que a análise destes pontos facilitará uma compreensão macro dos pontos mais relevantes quanto à cultura específica do judô.

Quanto à disciplina e hierarquia, extraímos a seguinte informação, a partir de nossos mestres entrevistados, conforme podemos verificar de acordo com a figura 16.

Figura 16 – Categoria3: Cultura Judoística (Disciplina e Hierarquia)

Fonte: o autor (2017)

Ao analisarmos os dados obtidos, constata-se que as palavras como “DISCIPLINA”, “HIERARQUIA”, “RESPEITO”, “FAMÍLIA”, “RESPEITAR”, “DETERMINADAS” e “SUPERIOR” foram as mais mencionadas pelos senseis entrevistados. Desta forma, é possível compreendermos que, possivelmente, devido à gênese do judô (no Japão) ter sido desenvolvida à luz dos conflitos e batalhas oriundas do contexto cultural pertinente à cultura samurai, desta forma entendida

aqui, enquanto de cunho marcial (guerras e batalhas no lado oriental), levanta-se assim, a compreensão de que disciplina e hierarquia naturalmente façam parte do contexto atual e diário daqueles que praticam tal modalidade de combate (judocas). Conforme discutimos anteriormente, durante as entrevistas percebemos que os senseis enfatizavam que a procura pelo judô, por intermédio das famílias atuais, dá- se, em grande parte, devido a esta “propaganda” declarada ou, ainda, subliminar, o que nos conduz ao entendimento de que o judô é vendido para a sociedade como um esporte de luta ideal, que irá favorecer a educação das crianças juntamente ao apoio familiar e à educação formal proporcionada pela escola.

Na prática do judô, seja através da hierarquia das graduações (cores das faixas) ou na relação sensei-discípulo, são claras as exemplificações por onde são favorecidas a disseminação prática do cultivo de valores pertinentes ao respeito, disciplina e hierarquia. A própria “etiqueta” da modalidade favorece-nos a este entendimento. É padrão entrar no dojô e respeitosamente saudar aos mais graduados, à imagem do mestre Jigoro Kano (geralmente exposta na maioria dos dojôs) e até a forma de se dispor no dojô quanto à hierarquia dos demais. Acredita- se que estes valores e costumes culturais possibilitem possíveis ajustes educacionais e/ou comportamentais aos seus praticantes (positivos e/ou negativos).

Apesar da maioria dos senseis entrevistados (quatro, do total de cinco) reforçarem um discurso de forte valorização ao modelo tradicional de rígida disciplina vivenciada por eles em suas vidas dentro do judô, fazemos uma ponderação crítica para apontar a necessidade de alguns ajustes comportamentais por parte dos professores de judô. Sabemos que culturalmente o Japão é muito distinto do Brasil e que, ainda mais atualmente, se transferirmos integralmente o seu modelo de ensino judoístico à nossa cultura, possivelmente geraremos choques de compatibilidade. Como exemplo desta discussão, podemos relembrar que antigamente ainda era aceito no Brasil que um sensei pudesse corrigir seus discípulos através de “leve” pancada com uma “shinai” (espécie de espada de bambu), algo que nos dias atuais foi inteiramente extinto (ao menos na maioria dos dojôs do país), inclusive, por exemplo, devido às possíveis interpretações das leis de proteção à criança e ao adolescente que poderiam, eventualmente, entender como abuso por parte do professor. Outro exemplo clássico e vivido por boa parte dos senseis entrevistados era o ato de comumente lavar banheiros e varrer os dojôs de seus mestres, algo que também fora extinto gradativamente com o passar do tempo.

O que aqui queremos discutir com estas exemplificações são os ajustes culturais necessários para que o judô tradicional, como ele foi “importado” ao Brasil, seja ressignificado a partir das demandas culturais de nosso próprio país, contudo, que não perca os pilares essências da prática, preconizados por Jigoro Kano.

For fim, concluímos que são necessários esforços para que fatores, tais como a disciplina e a hierarquia, possam ser desenvolvidos nos dojôs, pois é sabido que, em escalas contextualizadas, são importantes de serem valorizados dentro do convívio em sociedade. Todavia, devem ser desenvolvidos mediante uma contextualização cultural não advinda de incidências de práticas autoritárias por parte de senseis, infelizmente ainda comum em alguns dojôs.

Para que possamos ampliar os horizontes quanto à compreensão do judô, faz-se necessário que analisemos o processo de esportivização sofrido pelo mesmo ao longo do tempo, para tal, obtivemos os seguintes termos chaves mais frequentes analisados via software e representado abaixo pela figura 17: “ESPORTE”, “OLIMPÍADAS”, “EDUCAÇÃO”, “ESPORTIVIZAÇÃO”, “PROBLEMA”, “MUNDO” E “MODALIDADE”.

Figura 17 – Categoria3: Cultura Judoística (Esportivização do Judô)

Fonte: o autor (2017)

A partir dos dados acima encontrados, podemos identificar que os mestres entrevistados percebem que o processo de esportivização vivenciado pelo judô, ao

longo do tempo, perpassa pela reflexão crítica que compreende o Judô enquanto arte marcial esportivizada. Contudo, nada é tão simples de ser analisado. Dentre os senseis entrevistados para esta pesquisa, a grande maioria (quatro, dos cinco) valorizou os ganhos do judô enquanto modalidade esportiva, no entanto, boa parte (três, dos cinco entrevistados) reconhecem que o judô atual teve perdas, ou seja, pagou o preço por sua transformação. Expliquemos melhor esta análise. A palavra “problema”, ressaltada dentre as mais frequentes, representa esta preocupação por parte dos senseis da pesquisa. Podemos dizer (de acordo com o que detalhamos na seção três desta dissertação) que não restam dúvidas quanto à existência de aproximação entre Jigoro Kano e o ocidente (vide suas 12 viagens, não apenas para compreender mais sobre o modelo educacional ocidental, como também, através de sua real aproximação com o Barão de Coubertin – pai das olimpíadas modernas). Esta mesma aproximação denota, dentre outras intenções, que Jigoro Kano planejou seu projeto de expansão e massificação do judô por todos os continentes através do envio de seus principais alunos. Todavia, com a forte institucionalização da modalidade foi criando-se uma rigidez que acabara por enfraquecer o lado “marcial”, de cunho filosófico-educativo do judô, através da massiva espetacularização da modalidade.

A percepção que transparece nas entrevistas é ade que os senseis ficam preocupados com as perspectivas deste judô, ou seja, até onde ele poderá chegar. Sabe-se, por exemplo, que atualmente, até mesmo na luta competitiva em si, judocas não mais buscam o golpe perfeito, pois sabem que podem sair vitoriosos apenas através de componentes táticos que levem o outro a ser punido por faltas (penalidades), ou seja, até as lutas estão ficando, muitas vezes, monótonas e preocupantes, já que não se vê mais aquele judô de técnicas “plásticas” e “perfeitas”, como de outrora. Quanto ao aspecto educacional do judô, acreditamos que a esportivização ajuda na popularização e aumento significativo e gradual de adeptos pelo mundo inteiro (seja com acesso via projetos sociais ou via clubes e escolas particulares – judô pago), contudo, temos pequenos judocas muito mais preocupados em iniciar uma carreira de atleta que o leve a ser um “lutador” de judô e não mais um “judoca”, o que se constitui um fator de preocupação e questionamento acerca da cultura moderna do esporte – mais especificadamente no judô.

Para fim de análise, ainda no que concerne à cultura do Judô, intentamos saber como contextualiza-se o tradicionalismo (propriamente dito) dentro do judô no olhar dos antigos mestres. Para tal, solicitamos ao leitor que atentem à figura 18.

Figura 18 – Categoria 3: Cultura Judoística (Tradicionalismo no Judô)

Fonte: o autor (2017)

Através da técnica de análise de conteúdo, via utilização de software (com ênfase na incidência frequencial de palavras contidas nas falas dos entrevistados – nossa principal fonte para a pesquisa), é possível percebermos que as palavras ou termos predominantes para esta análise foram as seguintes: “CULTURA”, “BRASIL”, “MANEIRA”, “DIFERENTE”, PRÓPRIO”, “JIGORO”, “CUMPRIMENTO”, “FORMA”, “TRADICIONAL” e “BRASILEIRO”. Através destes dados podemos analisar e deduzir uma compreensão que nos leva a reflexão crítica de que, no judô, são muito claras as formalizações e normas de etiqueta próprias e mundialmente disseminadas. O tradicionalismo no judô é tido como algo fortemente predominante no cotidiano dos praticantes, contudo, para nossa surpresa, os atores (senseis) desta pesquisa ressaltaram palavras como “cultura”, “Brasil”, “diferente” e “maneira” que, devidamente contextualizadas nas falas dos mesmos, nos deixou apontamentos interessantes do ponto de vista da percepção dos senseis quanto a necessidade de que o povo brasileiro, ao treinar judô (no contexto contemporâneo), deva tê-lo adaptado e um pouco mais flexibilizado quanto à rigidez japonesa

tradicional da modalidade. Endossando a nossa análise, em estudo realizado por Drigo et al. (2005) percebeu-se que não era estratégia interessante simular radicalmente o oriente no ocidente através de práticas de artes marciais, estimulando espécie de um “mini Japão” nos dojôs, pois isso poderia gerar problemas de especialização precoce e aculturamento dos praticantes. Esta maleabilidade cultural a que nos referimos visa determinar que o judô se adapte à cultura local do país onde está inserido o dojô (logicamente com permanência de seus princípios e etiquetas) e não o inverso (a cultura do país ser modificada naquele ambiente de educação – dojô). Contudo, o judô é tão massificado em nosso país (em quantidades de praticantes e popularização) ejá está tão entrelaçado à nossa cultura, que autores como Machado (2011, p. 22) chegam a afirmar que “o Judô é uma japonesização da sociedade brasileira”.

De forma conclusiva, sintetizando as inferências gerais possibilitadas pela análise da presente categoria, intitulada de “cultura judoística”, é pertinente apontarmos para um entendimento coletivo e reflexivo de que os senseis da atualidade sejam críticos quanto à apropriação cultural japonesa, de forma exacerbada e refletida, nas práticas dentro de seus espaços de ensino (dojôs). Aqui, provocamos o leitor a uma expansão compreensiva da necessidade de que, mesmo que o foco (enquanto proposta de seu dojô) seja direcionado ao judô como prática esportiva voltada ao alto rendimento, é necessário não contribuirmos para o declínio ou a extinção de características culturais, etiquetas e/ou princípios educativo- filosóficos do judô de Kano.

No documento Dojô: espaço de educação (páginas 132-137)