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2.3 FORMAÇÃO

2.3.2 Currículos, ementas e conteúdos

Os currículos e as questões que envolvem as construções curriculares nos cursos de formação são elementos constantemente considerados por estudiosos nos debates educacionais e, segundo Macedo (2007, p.13), nunca se atribuiu tamanha importância às políticas e propostas curriculares e “empoderamento” ao currículo como definidor dos processos formativos dos indivíduos.

A pertinência e a relevância de questões relacionando o currículo e a formação são defendidas por diversos autores. Silva (2009), por exemplo, argumenta que o pano de fundo de qualquer debate sobre formação deve considerar a questão sobre o que ensinar. Para Goodson (2010) o currículo é elemento fundamental de análise quando o objeto de estudo são as questões educacionais. Já na visão de Macedo (2007, p.25) o currículo é “o principal artefato de concepção e atualização das formações e seus interesses socioeducacionais”.

Santos (2001) ressalta que os estudos sobre currículos, de maneira geral, distinguem-se entre os que o reconhecem apenas como o conjunto de ementas e conteúdos planejadamente estruturados; e aqueles que compreendem o currículo sob uma concepção mais ampliada, como o conjunto de todas as experiências vivenciadas sob a orientação da instituição de ensino.

Macedo (2007, p.25) destaca que

Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplina, matérias ou áreas, competências, etc.; como um artefato burocrático prescrito. Não perspectivam [no entanto] o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só não permitem elucidar.

O currículo, portanto, pode ser compreendido, conforme define Traldi (1987, p.41), como “todas as experiências organizadas e supervisionadas pela escola e pelas quais, portanto, esta assume responsabilidade”. Frente a esta definição, a autora entende que cabe à instituição de ensino determinar as experiências mais significativas para

o desenvolvimento e a formação do indivíduo, pressupondo que tais experiências estejam em harmonia às demandas sociais esperadas para aquela formação.

Segundo Silva (2009), Moreira e Tadeu (2011) os debates, discussões e teorias em torno da questão curricular voltam-se, fundamentalmente, à pergunta sobre quais conhecimentos – conhecimentos, saberes, conteúdos – deveriam contemplar a formação do indivíduo ou do profissional. O currículo, argumenta Silva (2009, p.15), é sempre o resultado de uma seleção. “De um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”.

A seleção de conteúdos e a elaboração de ementas são etapas importantes para a construção curricular e, consequentemente, para o alcance dos objetivos estabelecidos no processo formativo. É por meio das ementas, conteúdos e das experiências de aprendizagem que a escola transmite os conhecimentos tidos como desejáveis na formação do indivíduo e do profissional. O conteúdo é elemento fundamental do processo formativo do indivíduo e, por esse motivo, é tão importante (HAYDT, 2006).

O conteúdo curricular é compreendido como o conhecimento selecionado, organizado e apresentado em uma experiência educativa (BORDENAVE; PEREIRA, 1985). Pode ser classificado em quatro tipos, segundo Zabala (1998): os – conteúdos – factuais, que compreendem o conhecimento de fatos, acontecimentos, fenômenos; os procedimentais, que se relacionam ao conjunto de ações ordenadas e que têm um fim – incluem regras, técnicas, métodos, destrezas e habilidade, estratégias e procedimentos; os conteúdos atitudinais, que correspondem à interiorização de valores, atitudes e normas; a aprendizagem de conceitos e princípios, que envolve a aquisição de significados, objetos, símbolos, leis, etc.

A escolha de conteúdos para compor a estrutura de ementas curriculares e currículos deve basear-se, segundo Haydt (2006), em critérios como: a) validade (quando os conhecimentos estão em conformidade com os objetivos educacionais mais amplos da formação); b) utilidade (quando o conhecimento é aplicável em situações do cotidiano dos educandos); c) significação (quando os conteúdos ensinados têm relação e complementaridade com os outros conhecimentos já absorvido pelos alunos) e; d) flexibilidade (quando existe a possibilidade de alterações e adaptações dos conteúdos curriculares para melhor atender as necessidades de quem aprende).

A construção de currículos e ementas não é tarefa simples de ser realizada e costuma ser ponto de divergências entre os sujeitos envolvidos nos processos de formação.

Bordenave e Pereira (1985) relacionam críticas comuns às construções curriculares no contexto universitário: os currículos, muitas vezes, são construídos sem pesquisar as verdadeiras necessidades e condições da região de influência da instituição de ensino e como consequência, acabam tendo pouca aplicação no desempenho profissional; existe falta de integração entre as diversas disciplinas dos cursos, ocasionando duplicação de assuntos, erros de sequencia cronológica e uma sensação geral de “colcha de retalhos”; o currículo, de maneira geral, é pouco flexível e impede uma formação mais ajustada às necessidades do aluno; e que se observam desencontros entre o planejamento de tempo e a densidade de determinados conteúdos, fazendo com que o professor descuide da aprendizagem para cumprir os conteúdos planejados.

Para Traldi (1987) as questões de tempo disponível, duração do processo de formação, sucessão ou ordem dos conteúdos são aspectos que devem ser considerados na construção e reorganização de currículos de cursos de formação, podendo-se evitar, assim, algumas das críticas apresentadas. A autora enfatiza a responsabilidade envolvida no processo de organização curricular e salienta a necessidade de considerar, nesses processos, somente as experiências realmente significativas da estrutura básica de cada campo do conhecimento.

Na construção curricular os conteúdos e experiências de aprendizagem selecionadas devem levar o aluno à compreensão dos aspectos mais fundamentais daquele campo de conhecimento e formar uma ligação clara com o contexto maior daquilo que está sendo ensinado. As experiências vividas e os conhecimentos adquiridos pelos sujeitos precisam ser utilizáveis e aplicáveis em situações além da sala de aula, no dia-a-dia e na prática profissional (TRALDI, 1987).

Em consonância ao exposto, Silva (2009) entende que as construções curriculares devem estar sempre alinhadas às respostas sobre que expectativas se têm dos alunos que se tornarão profissionais e que conhecimentos devem sustentar sua formação. Adverte-se, no entanto, que a questão curricular costuma ter relação não somente com o conhecimento que será ofertado, mas concomitantemente à própria identidade – pessoal e profissional – daquele que está sendo formado (SILVA, 2009; MOREIRA; TADEU, 2011).

Ainda no mesmo sentido, Traldi (1987) considera que o planejamento e a construção curricular devam considerar diversas variáveis, tendo como ponto principal – assim como a própria formação – os objetivos que se pretende com aquele determinado currículo. É a partir da definição dos objetivos da ação educativa que serão definidos quais conteúdos curriculares serão escolhidos. Os objetivos, os conteúdos, o ambiente, os recursos e equipamentos, os sujeitos envolvidos (alunos, professores, especialistas, etc.), a sociedade/cultura são, adicionalmente, elementos que, segundo a autora, devem ser considerados na organização curricular.

Tendo em mente as variáveis e elementos apresentados até aqui, Traldi (1987, p.84-87) indica que o planejamento, a construção, reformulação e a avaliação de currículos devem seguir determinadas etapas, quais sejam:

1) Diagnóstico da realidade (levantamento das necessidades, interesses, aspirações, seja do educando, seja da sociedade/cultura);

2) Definição de objetivos a serem atingidos (em função dos levantamentos realizados anteriormente);

3) Seleção do conteúdo (em termos de conhecimentos/informações/dados;

habilidades/capacidades, etc. a desenvolver); 4) Organização do conteúdo (em termos de sequência, integração, articulação, organicidade, escopo);

5) Seleção de experiências/atividades (em função do que se pretende desenvolver em termos de conteúdos/habilidades etc. explicitados, para atingir determinados fins, considerando as necessidades da realidade diagnosticada como um todo);

6) Organização das experiências e atividades (em termos de “todos” sequenciais integrados); 7) Avaliação (contínua, dinâmica e sistemática do processo como um todo).

Não obstante às questões mais aplicáveis à construção e prática curriculares apresentadas, cabe destacar a existência de considerável

bibliografia que explora debates mais teóricos e filosóficos sobre o tema em questão. Algumas destas concepções são apontadas a seguir.

A noção de “currículo oculto”, por exemplo, é uma perspectiva sobre a questão curricular que suplanta os entendimentos mais objetivos sobre o tema. Autores como Kelly (1986), Sacristán (2000) e Silva (2009) apontam a existência de certos conteúdos e lições que mesmo não fazendo parte do currículo oficial, documentado e explícito da instituição de ensino, acabam por ser ensinados e absorvidos pelos indivíduos durante processo educativo. “São fruto do simples fluir da ação” (SACRISTÁN, 2000, p.43).

Certas atitudes, comportamentos, valores e orientações – sendo eles considerados insignificantes, indesejados ou importantes no aprendizado formal – também podem ser transmitidos por influência do ambiente ou através de rituais, regras, regulamentos ou normas que contextualizam o currículo e a prática didática. Tudo aquilo que não está explícito no currículo oficial, mas que é transmitido aos alunos, pode ser entendido como currículo oculto (SILVA, 2009).

Frente à evolução das teorias sobre o currículo – mas sem a intenção de aprofundar excessivamente em tais questões – Silva (2009) sintetiza assim a distinção entre as teorias curriculares encontradas na literatura:

As teorias tradicionais se preocupam com questões de organização [dos currículos]. As teorias críticas e pós-críticas, por sua vez, não se limitam a perguntar “o quê?” [deve ou não entrar no currículo], mas submetem este o “quê” a um constante questionamento. Sua questão central seria, pois, não tanto “o quê?”, mas “por quê?”. Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? (SILVA, 2009, p.16).

Os questionamentos mais observados nas concepções crítica e pós-crítica encontram fundamento nas argumentações de autores como Moreira e Tadeu (2011), que entendem o currículo com uma construção muito além de uma simples sobreposição de disciplinas, ementas e conteúdos. O currículo, na concepção dos autores

não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas especificas e contingentes de organização da sociedade e da educação (MOREIRA; TADEU, 2011. p.14).

Diante das perspectivas mais críticas apresentadas sobre o tema, Apple (2011) entende que a pergunta sobre quais conhecimentos seriam mais importantes e deveriam compor um currículo não teria, portanto, resposta simples, exata e inequívoca. Para o autor, os conflitos acerca do que deve ou não deve ser ensinado são intensos. Por isso, a questão curricular não deveria ser tratada apenas como um fator educacional, mas relacionado a poder, ideologia e política.

O poder, para autores como Silva (2009) e Moreira e Tadeu (2011), é precisamente o ponto que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo. Selecionar que conhecimentos, conteúdos e, disciplinas irão contemplar o plano curricular de um curso de formação – e quais os que não farão parte do currículo – é, no entender dos autores, um modo de exercer poder, uma forma de decisão.

Conclui-se, alinhadamente às considerações apresentadas, que mesmo que métodos e técnicas de ensino sejam aspectos acertadamente valorizados na moderna educação, a questão curricular – e seus componentes – tem, ainda, considerável relevância nos processos formativos do indivíduo, à medida que constituem a estrutura fundamental sobre a qual o aluno constrói sua rede de conhecimentos (HAYDT, 2006).

O currículo e as discussões que envolvem o tema devem, portanto, sempre ser considerados frente às discussões sobre formação, sob pena de cursos de formação e universidades – mesmo utilizando-se de técnicas didáticas modernas e sofisticadas de ensino – ofertarem currículos, disciplinas, ementas e conteúdos obsoletos, inaplicáveis ou alienadores na formação de futuros profissionais (BORDENAVE; PEREIRA, 1985).

2.3.3 Formação do profissional de Educação Física e a intervenção