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3 MEIOS CONSENSUAIS E DISPUTAS REPETITIVAS NO JUDICIÁRIO

3.2 A NÁLISE DOS RESULTADOS

4.2.2 Customização de programas judiciais

Alguns estados contam com uma divisão ou um órgão cuja função é desenhar programas anexos ao Poder Judiciário que ofertem serviços de resolução de disputas alternativos à adjudicação judicial, mas que sejam customizados levando em consideração as necessidades de cada localidade. Dos programas visitados, dois podem ser analisados sob essa rubrica: (i) o Office of Alternative Dispute Resolution and Court Improvement Programs

333 O formulário direcionado às partes contém as seguintes frases: “1. The mediator explained the process to me; 2. The mediation was conducted fairly and impartially; 3. The mediator gave me full opportunity to convey my positions and interests; 4. The mediator was free from bias; 5. The mediator understood the issues in my case; 6. I was not pressured to reach an agreement; 7. The mediator explained his/her fee structure to me. 8. I was satisfied with the mediation process. 9. The mediation saved me time. 10. The

mediation saved me money”. Arquivo disponível em:

of the State of New York e (ii) o Resolution Systems Institute (vinculado ao estado de Illinois).

4.2.2.1 Implementação e trajetória

O Office of ADR de Nova York e o Resolution Systems Institute (RSI) de Illinois foram criados em 1994 e em 1999, ambos por iniciativa de juízes e com objetivo de expandir e fomentar a utilização de meios alternativos de solução de disputas no estado de Illinois. Com o tempo, tiveram seu escopo de atuação ampliado, passando a atuar com desenho de programas regionais e levantamento de dados, conforme se verá a seguir.

4.2.2.2 Desenho, atores e condições de acesso

Tanto o Office of ADR de Nova York quanto o RSI trabalham com a customização de programas de resolução de disputas no Judiciário, estabelecendo parâmetros mínimos e mecanismos de avaliação334, 335.

Com relação aos terceiros envolvidos nos procedimentos de resolução de disputas, trabalha-se em Nova York com mediadores vinculados aos centros comunitários (voluntários) e com o sistema de roster, especialmente nos conflitos comerciais e de divórcio. Há também staff mediators336 no âmbito da família. Como o foco do RSI é a prestação de consultoria para

334 “Da forma como trabalho é que atuo em conjunto com o juiz local para implementar programas de ADR que sejam responsivos às necessidades do distrito. Alguns são mais rurais, outros mais urbanos, outros são uma combinação e há certas coisas relativas a ADR que devem ser uniformizadas, então nós desenvolvemos regras uniformes que são vinculantes, mas também trabalhamos com regras locais. Por meio dessa combinação de procedimentos uniformes e locais, temos programas de ADR que são flexíveis e que atendem aos interesses da cultura local […]. Quando eu vou a um distrito, chego com uma série de quesitos para auxiliar no desenvolvimento de um estatuto de procedimentos: é mandatório ou voluntário? Se for mandatório, é automático ou os juízes possuem discricionariedade? Será para todos os casos ou apenas para conflitos conjugais, comerciais, casos aleatórios? Ou será caso a caso? Ou terá alguns tipos de casos excluídos? Etc.” (diretor do Office of ADR).

335 Segundo seu site, o RSI possui o objetivo de “fortalecer a justiça aumentando o uso de formas alternativas de solução de disputas por meio de expertise em desenvolvimento de programas, pesquisas e levantamento de recursos” (tradução livre). Ver no site <http://www.aboutrsi.org/mission.php>. Acesso em: 28 out. 2013. 336 Sobre os staff mediators, o diretor do Office of ADR ressalta que possuem a vantagem de adquirirem

experiência e prática com rapidez, dado o volume considerável de mediações realizadas judicialmente. Por outro lado, estão sujeitos a mais pressão institucional para buscarem a realização de acordos, além de terem de lidar com um volume considerável de casos e com a consequente estafa do dia a dia do Judiciário. Ademais, trata-se de um modelo consideravelmente mais custoso, visto que os mediadores têm direito a benefícios, seguro-saúde, etc.

as diversas instâncias jurisdicionais do estado, adota regimes diversos de contratação de mediadores, árbitros e outros terceiros em cada localidade.

No que diz respeito a critérios de triagem e encaminhamento, nos programas comunitários vinculados ao Office of ADR, são os próprios mediadores que realizam uma triagem junto às para determinar se o caso é ou não apropriado para mediação. Nas demais frentes (programas judiciais que não remetem casos aos centros comunitários), na maioria das vezes a remessa de casos é feita discricionariamente pelo juízo mediante a concordância das partes (remessa voluntária). Entende-se que os meios extrajudiciais de solução de disputas integram uma perspectiva maior de gerenciamento judicial em que a triagem serve para inserir cada disputa em uma via de processamento (track) mais adequada, inclusive no que se refere ao encaminhamento para meios de solução de disputas (consensuais ou não)337.O coordenador do Office of ADR que, ao invés de buscar definir para quais disputas a mediação é adequada, a maior parte dos programas de Nova York (comunitários e judiciais) prefere definir situações nas quais a mediação é inadequada — por exemplo, os conflitos em que sejam identificados sinais de possível violência doméstica ou abuso de crianças ou as situações em que haja um desequilíbrio de poder inerente338.

O RSI também trabalha com diversos critérios de encaminhamento e de triagem de disputas. Enfatiza-se que, para que esses critérios sejam efetivos, é necessário que os juízes tenham conhecimento das características e do funcionamento dos mecanismos existentes no foro, participando ativamente da elaboração de requisitos de encaminhamento e realizando de forma mais bem informada a remessa de processos para os programas judiciais339.

337 “A ideia de triagem ganhou bastante aderência e nós temos feito aqui em Nova York de duas maneiras. Uma delas nós chamamos de differentiated case management [gerenciamento diferenciado de casos]. Não é um meio alternativo propriamente dito, mas se utiliza dos princípios dos meios alternativos. Durante o calendário das cortes cíveis, nos casos de indenização e na divisão comercial, há coordenadores de

differentiated case management. Quando um caso era ajuizado, advogados tinham a opção de atribuir uma

classificação que poderia ser standard, expedited, dentre outros, e cada uma dessas opções se refere a um tipo de processamento com um calendário específico. A ideia é que os advogados decidam por um processamento e os coordenadores façam uma triagem para designar o processamento definitivo. O juiz que atuará no caso vai gerenciá-lo de acordo com essa definição. É isso que Frank Sander quis dizer quando fez referência ao tribunal multiportas, mas não necessariamente relacionado às portas. Nós estendemos esse conceito até certo ponto. O que as cortes fizeram foi pegar o componente da triagem de modo que possamos oferecer uma porta que seja customizada, alterando-se as regras da litigância de acordo com essa triagem.” (diretor do Office of ADR).

338 “Quando comecei, juízes me perguntavam se haveria critérios que eu poderia utilizar para encaminhar os casos e eu dizia ‘Vamos reverter isso. Eu tentarei te dar critérios para excluir casos que sejam inapropriados e você pode supor que todo o resto é apropriado. Então, se há um caso de divórcio e você acha que houve violência doméstica, você deverá exluir o caso. Se você acha que há um sério desequilíbrio de poder inerente’ […]. Nós chamamos de ‘casos altamente conflituosos’. […]. Todas essas exceções deverão ser regulamentadas: violência doméstica e abuso de crianças.” (diretor do Office of ADR).

339 “Nós desenvolvemos critérios no passado, mas os juízes não os usavam para se referir a casos. Eles tendem a ignorar esses critérios ou a se referir a eles apenas às vezes. Então, nós não achamos que critérios objetivos

Com relação às condições de acesso e ao pagamento de custas, os programas comunitários de Nova York são totalmente gratuitos, enquanto nos judiciais a primeira sessão é gratuita e as seguintes são custeadas pelas partes (honorários do mediador). No RSI, objetiva-se primordialmente a criação de programas que possam atender às necessidades dos litigantes de baixa renda de Illinois340, identificando-se como áreas prioritárias: família; locação e moradia; e consumidor341.

4.2.2.3 Tratamento de disputas repetitivas

Em Nova York, foi levantada a questão da formação e do papel dos precedentes judiciais, que ficam mitigados quando determinado tipo de litigância é remetido ordinariamente para mediação. Entende-se pela necessidade de se orientar as partes sobre a questão do precedente, especialmente em casos nos quais ainda não haja entendimento consolidado342.

sejam particularmente úteis. Então, é mais recomendável a elaboração de critérios específicos […]. Eu acho que alguns juízes são capazes de fazer um bom julgamento na hora de remeter casos a mediação, mas a maioria dos juízes, pelo menos em Illinois, não sabe o suficiente sobre a mediação para discernir os casos que devem ser mediados. Então, isso faz parte do que fazemos aqui: tentar educar os juízes para que saibam quais casos são melhores para ir para a mediação, como é que você faz perguntas às partes para ver se eles gostariam de ir para a mediação, mas é muito difícil educar juízes.” (funcionária e pesquisadora do RSI). 340 Para tanto, embasa-se, dentre outros estudos, em uma extensa pesquisa realizada em 1994 pela American Bar

Association que identificou algumas das necessidades jurídicas da população menos favorecida, concluindo que as organizações de assistência jurídica não conseguem atender a todas essas demandas. O

Comprehensive Legal Needs Study foi realizado no primeiro semestre de 1993 e consistiu em uma pesquisa

em que foram entrevistados 3 mil indivíduos com renda considerada baixa ou moderada. Aos entrevistados perguntava-se se haviam enfrentado determinadas circunstâncias, cuja descrição foi elaborada propositalmente para que contivesse um assunto jurídico. Quando os respondentes informavam que haviam passado por tais circunstâncias, perguntava-se sobre o encaminhamento da questão e se de algum modo interagiram com o sistema de justiça. O relatório do estudo foi publicado pela American Bar Association (1994) como Legal Needs and Civil Justice: a Survey of Americans.

341 Além disso, propõe-se um modelo denominado “stepping stones”, no qual o indivíduo é atendido de forma interdisciplinar, podendo receber serviços de orientação jurídica antes da mediação e contar com a assistência de advogados pro bono no momento de redação dos acordos: “O modelo ‘stepping stones’ é um exemplo de ideia para integrar serviços jurídicos e de mediação, trazendo um serviço de alto nível aos litigantes pobres e de baixa renda no estado […]. Por exemplo, litigantes podem receber orientação jurídica ou informações antes da mediação. Isso soluciona a preocupação de muitos advogados que prestam assistência jurídica no sentido de que os hipossuficientes estão em desvantagem na mediação por não conhecerem seus direitos. […] Dependendo do programa, os litigantes podem trabalhar com advogados pro

bono para escrever os acordos após as mediações serem concluídas. Isso é uma resposta às preocupações dos

mediadores sobre a necessidade de orientação jurídica às partes no processo de elaboração do acordo” (funcionária e pesquisadora do RSI).

342 “Se tudo for para mediação, o papel do precedente e da adjudicação ficará prejudicado. Então, da perspectiva dos juízes, se for um caso que estiver precisando que seja estabelecido um precedente, seja sobre direitos humanos, seja sobre direito comercial ou a interpretação de uma nova lei, há benefícios em se deixar que alguns casos sejam litigados para que a lei possa evoluir. Não escrevemos isso nas regras, mas tentamos orientar as pessoas nesse sentido.” (diretor do Office of ADR).

Quanto às vantagens dos litigantes repetitivos, suscitou-se o fato de que estes acabam travando relações com os mediadores que se envolvem frequentemente em seus casos, que se tornam também atores repetitivos (repeat players). Esse é caso, por exemplo, de empresas de seguro que acabam escolhendo o mesmo mediador para atuar em casos ajuizados por seus consumidores343. Para o diretor do Office of ADR, a melhor forma de se evitar que esse relacionamento influencie a mediação é montando um rol diversificado de mediadores, de modo que os casos sejam atribuídos aleatoriamente para mediadores distintos. Também é importante estipular padrões rígidos de conduta no que diz respeito à imparcialidade e à suspeição de mediadores, estabelecendo-se que estes sempre divulguem se já atuaram previamente em casos envolvendo quaisquer das partes.

No RSI, novamente, também foi suscitada a questão da criação de precedentes e, assim como na ADR Division de Nova York, a possibilidade de o mediador tentar compreender se a parte tem a intenção de fomentar a criação de um precedente quando do ajuizamento da demanda344.

4.2.2.4 Critérios de avaliação

Com relação aos mecanismos de avaliação utilizados no Judiciário do estado de Nova York, há um relatório anual de estatísticas que informa quantos casos foram encaminhados para mediação, qual o índice de acordo e o tempo de processamento. Quando da pesquisa, o RSI estava trabalhando com a American Bar Association para desenvolver um modelo unificado de questionário pós-mediação para partes e advogados. A ideia é que esse modelo

343 “Não importa quão diferente sejamos ao redor do mundo, porque lidamos com os mesmos assuntos. A questão do repeat player aparece de diversos modos, e eu a vejo em múltiplos níveis. Há o terceiro neutro que é um repeat player, especialmente no contexto dos programas judiciais. O mediador que é um repeat

player é frequentemente escolhido por seguradoras, e, portanto, acostuma-se a atuar com as mesmas

seguradoras quando estas estão sendo acionadas por diversos autores. É provável que esse mediador lide muito com essa ré, ainda que não com os mesmos advogados, e que saiba muitas informações sobre as suas práticas […]. Pode haver situações nas quais essa seguradora e seus advogados estejam extremamente familiarizados com o mediador e auferir com isso certas vantagens.” (diretor do Office of ADR).

344 “Essa é uma grande preocupação [a criação de precedentes] no âmbito da mediação. Imagine, por exemplo, se Brown vs. Board of Education não tivesse sido julgada? É muito difícil decidir o que deve ou não ir para julgamento. E os juízes não conseguem decidir de antemão se um caso deverá se tornar um precedente, pois isso prejudicaria a sua imparcialidade. Tentamos treinar os mediadores para que eles façam perguntas com intuito de saber se as partes querem marcar posição, se acham que vão lidar com esse tipo de situação novamente. Então se as partes começam a falar que querem ir a julgamento e firmar um precedente, talvez não seja o caso de encaminhar para mediação. Isso se chama reality testing (cheque de realidade), em que se pergunta às partes o que elas verdadeiramente querem daquela situação.” (funcionária e pesquisadora do RSI).

fique disponível ao público e que programas judiciais em qualquer lugar possam utilizá-lo para avaliar sua atuação.