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O UTROS RISCOS DA CONCILIAÇÃO OU DA MEDIAÇÃO DE DISPUTAS REPETITIVAS

5 A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO DE DISPUTAS REPETITIVAS:

5.5 O UTROS RISCOS DA CONCILIAÇÃO OU DA MEDIAÇÃO DE DISPUTAS REPETITIVAS

Além de suscitar elementos relevantes para uma reflexão sobre o desenho e práticas a serem adotadas para lidar com disputas repetitivas, a pesquisa empírica também trouxe à tona outros riscos que devem ser levados em consideração quando do uso de meios consensuais como resposta à litigiosidade repetitiva. Esses fatores decorrem também do desequilíbrio existente entre o litigante repetitivo e o litigante ocasional, mas principalmente da

412 “Considerado por alguns como corolário do princípio da autonomia de vontades ou consensualismo processual, o princípio da decisão informada estabelece como condição de legitimidade para a autocomposição a plena consciência das partes quanto aos seus direitos e a realidade fática na qual se encontram. Nesse sentido, somente será legítima a resolução de uma disputa por meio de autocomposição se as partes, ao eventualmente renunciarem a um direito, tiverem plena consciência quanto à existência desse seu direito subjetivo. Da mesma forma, por razões melhor explicadas pela psicologia cognitiva, frequentemente as partes têm suas percepções quanto aos fatos ou aos seus interesses alteradas em razão do envolvimento emocional de uma disputa. Nesse contexto, cabe ao mediador o uso de técnicas espécificas (e.g. teste de realidade) para que as partes possam aprender a utilizar da melhor maneira possível o processo autocompositivo”. (AZEVEDO, André Gomma de (Org.), 2012, p. 235).

repercussão socioeconômica da litigância repetitiva, que afeta um volume grande de entes e indivíduos e lida com questões de fato e de direito de amplo alcance.

Como visto, é cada vez mais comum a adoção de práticas informais de agregação no âmbito da conciliação de disputas repetitivas, o que compreende a promoção de mutirões e pautas concentradas e a customização de iniciativas específicas para determinadas temáticas. Nestas sedes, é também usual que o Judiciário realize tratativas prévias com os grandes litigantes, negociando previamente os parâmetros e as condições das propostas a serem apresentadas aos litigantes ocasionais.

Mais uma vez se faz pertinente resgatar a crítica de Owen Fiss sobre a promoção do acordo pelo Judiciário, especificamente quando este argumenta que ao se decidir por uma política de acordo em casos de grande repercussão, certas decisões que afetam interesses públicos que acabam ficando sujeitas às motivações das partes e às contingências do processo de negociação413.

No caso brasileiro, os programais judiciais de solução de disputas absorvem disputas repetitivas que tratam de questões de amplo alcance e que afetam um significativo número de indivíduos. Sem se adentrar ao mérito das questões jurídicas suscitadas nesses casos, fato é que ao fomentar sua transação, o Judiciário acaba impedindo a apreciação judicial destas matérias. Tendo em vista a capacidade dos grandes litigantes de analisar suas chances de êxito no caso concreto, conseguem optar pela conciliação apenas nos casos em que não vislumbra sucesso, como nos casos em que há jurisprudência desfavorável ou em reclamações sobre produtos e serviços cuja qualidade seja conhecidamente duvidosa ou práticas de discutível legalidade.

Assim, como a formação dos mutirões e pautas concentradas conta na maior parte das vezes com a partipação dos grandes litigantes, estes acabam detendo o controle sobre a apreciação judicial destas questões, optando pelo encaminhamento apenas dos casos nos quais seu prognóstico de êxito seja remoto.

É de se ponderar se somente o interesse das partes na criação de um precedente é relevante, ou se há também um interesse do Estado-juiz a ser preservado, em especial em situações nas quais a escolha pelo mecanismo recai sobre o Estado (ex. encaminhamento feito pelo juiz ou determinado por uma norma judicial). Como já mencionado, uma das principais

413 “Mas será que o acordo, quando apropriado, evitará o julgamento? Outros dispositivos, como os recursos de

certiorari, ao menos atendem a fins públicos. Contrariamente, o acordo é controlado pelos litigantes e,

portanto, fica sujeito às suas motivações privadas e a todas as contingencias do processo de negociação. Há também riscos advindos da evitação de julgamentos e esses podem superar os benefícios imaginados” (FISS, Owen. “Contra o acordo”, 2004, p. 141).

vantagens auferidas pelos litigantes repetitivos é a sua visão macro da litigância repetitiva e a sua capacidade de optar pelo acordo naqueles casos em que já sabe existir um precedente judicial desfavorável ou nos quais a formação de entendimento jurisprudencial não seja desejável414.

Por fim, a promoção da conciliação pelo Judiciário em casos de disputas repetitivas também não pode deixar de lado os interesses dos litigantes ocasionais, que podem não estar interessados somente no abatimento de uma dívida ou em uma compensação financeira. Como já discutido, é importante que o indivíduo seja informado de seu direito de perseguir o processamento de sua demanda e questionar a legalidade da conduta do grande litigante.Nesse sentido, é marcante a fala de Frank McCarthy, um dos veteranos contemplados pelo acordo realizado no caso Agent Orange415, que ecoando a frustração de muitos veteranos envolvidos no caso, fez a seguinte afirmação cerca de ano e meio após a celebração do acordo: “desperdicei mais do que sete anos da minha vida em uma ação que não foi a lugar nenhum, nos negou o nosso direito de acessar a justiça e conferiu algumas centenas de dólares anuais para alguns veteranos”416.

Todas as escolhas atinentes ao desenho do programa judicial devem atentar para que essa tomada de decisão (de transigir) seja feita de forma livre e informada e para que o acordo reflita os verdadeiros interesses dos envolvidos. Preocupações com a eficiência, que tanto recaem sobre as medidas processuais e gerenciais de disputas repetitivas, não podem se sobressair à busca de um verdadeiro acesso à justiça em que o Judiciário proporcione o

414 “A particular challenge arises when the dispute is one of a group of disputes or centers on one event in a series. Not only does the party have to consider the future relationship with the other side, but the party must also determine how this case relates to other cases, which may completely change the goals of the party. For example, a party may care less about the outcome of a particular case than about such factors as precedent, future claims, economies of scale, chronology of the cases, or relationships with other parties (repeat players). Thus, when the perspective of the party widens from one specific case to a few linked cases, her goals, and hence the analysis of the most appropriate procedure, will shift as well” (SANDER, Frank E. A.; ROZDEICZER, Lukasz, 2006, p. 17).

415 Agent Orange é o nome de um herbicida utilizado como arma química pelo exercíto americano durante a guerra do Vietnam e que acarretou uma série de graves problemas de saúde para os vietnamitas e para os soldados americanos. Os veteranos atingidos ingressaram com diversas ações e class actions contra os fabricantes do Agent Orange, que negaram o nexo entre o produto e os problemas médicos relatados pelos demandantes. Contudo, em 1984, o Juiz Federal Jack Weinstein conduziu a entabulação de um acordo que contemplasse todas as vítimas presentes e futuras. Para muitos veteranos, o acordo foi uma privação de qualquer senso de justiça: “In 1978, the veterans sued a number of chemical manufacters, blaming them for various diseases and traumas that they and their families had allegedly suffered because of the exposure to Agent Orange, a herbicide the United States Army used to defoliate Vietnam’s luxurious jungle. The law, the veterans hoped, would assuage their pain and vindicate their sacrifices. Today, almost a decade later, they are still waiting. For many of them, the law has become a mockery of justice, an object of derision” (SCHUCK, Peter H. Agent Orange on trial: mass toxic disasters in the courts. ed. ampl. Cambridge, US: The Belknap Press of Harvard University Press, 1987. p. 3).

416 Tradução livre. Original: “[I have] wasted more than seven years of my life in a lawsuit that went nowhere, denied us our day in court, and produced a few hundred dollars a year for a relative handful of veterans.” (SCHUCK, Peter H., 1987, p. 258).

tratamento mais adequado para cada tipo de disputa, eliminando-se os óbices de acesso e fruição desses meios.