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2 MECANISMOS CONSENSUAIS JUDICIAIS COMO RESPOSTA À

2.4 T RIBUNAIS MULTIPORTAS

Como visto, a institucionalização de outros meios de solução de disputas pelo Judiciário norte-americano foi fortemente influenciada pela noção de tribunal multiportas propagada pelo texto de Frank Sander apresentado na The Pound Conference em 1979208. A essência do multiportas reside em um uso mais flexível e eclético de processos de solução de disputas e em um conceito de foro que mais se assemelharia a um “centro de resolução de disputas”, que pudesse direcionar o demandante para um ou para uma sequência de procedimentos que se mostrassem mais adequados a seu caso.

Dentro do tribunal multiportas, é possível que disputas sejam encaminhadas a diferentes mecanismos de solução de disputas (ou portas) mediante critérios de triagem definidos em lei ou em normas judiciais; remetidos por juízes (discricionariamente ou com base em critérios predefinidos); ou de acordo com vontade das partes. Também há a possibilidade de o legislador definir que, para disputas envolvendo determinados direitos materiais, certos procedimentos de solução de conflitos específicos deverão ser utilizados de forma mandatória ou voluntária209.

Qualquer que seja a forma de encaminhamento, a análise das características do conflito é fundamental. Revisitando os critérios sugeridos por Sander, Marco Antônio Garcia Lopes Lorencini propõe que os seguintes elementos sejam levados em consideração quando da triagem de disputas em um sistema multiportas: (i) existência de vários focos (policêntrico) ou de apenas um no conflito; (ii) envolvimento ou não de interesse público; (iii) existência de relação continuada entre as partes (e.g. vizinhança, familiar, empresarial) ou eventual (e.g. batida de carro, relação de consumo, relação com a administração pública); (iv) valores envolvidos, predisposição e recursos das partes para custear a resolução do conflito; (v) tempo a ser gasto com a resolução do conflito e predisposição e possibilidade de as partes aguardarem esse tempo; (vi) interesse das partes de preservar a confidencialidade ou de dar publicidade à disputa; (vii) intenção das partes de gerar ou não um precedente judicial210.

Com o tempo, estudiosos dos meios alternativos de solução de disputas (alternative dispute resolution [ADR]) nos Estados Unidos foram desenvolvendo esses critérios de

208 SANDER, Frank. E. A., 1979, p. 65-87. 209 SANDER, Frank. E. A., 1979, p. 84.

210 LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes. Sistema multiportas: opções para tratamento de conflitos de forma adequada. In: SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da (Coords.). Negociação, mediação e arbitragem: curso básico para programas de graduação em Direito. São Paulo: Método, 2013. p. 77-78.

triagem com base em dois vieses principais: o estudo das características do procedimento de solução de disputas para definição d o perfil das demandas que deverão ser direcionadas a esse mecanismo (fit the fuss to the forum) ou o exame da natureza do conflito, dos atores envolvidos e de seus objetivos para a escolha de um mecanismo existente ou desenho de um procedimento que melhor se adequaria aos interesses das partes e às características do caso (fit the forum to the fuss) 211. Enquanto a primeira abordagem parte do pressuposto de que o mecanismo já existe e de que, por isso, é possível definir previamente que tipo de conflito pode lhe ser direcionado, pela segunda torna-se possível o exame das peculiaridades do caso em concreto uma vez já surgido o conflito. São analisados fatores como objetivos das partes, facilitadores e impedimentos para o acordo, características do caso, perfil das partes, ambiente em que se insere o conflito, entre outros212.

O momento da escolha do meio também se mostra relevante. Por exemplo, no caso de meios consensuais de cunho facilitativo, argumenta-se pelas vantagens de se remeter o caso antes da apresentação da defesa e da instrução probatória, propiciando que as partes cheguem mais “desarmadas” para a sessão e não se atenham às suas posições, que se consolidam ao longo do processo de elaboração da defesa, réplica e preparação para os demais atos processuais. Nesse sentido, poderia ser vantajoso o encaminhamento para a conciliação ou a mediação no âmbito pré-processual, ou seja, já dentro do Judiciário porém antes do ajuizamento da demanda judicial, evitando-se os desgastes e os custos decorrentes do processo.

Também é importante levar em consideração que, ao abrir novas portas para encaminhamento de disputas, estas também podem se tornar portas de entrada que viabilizam o ingresso de novas disputas (litigiosidade contida) ou de conflitos que outrora não eram reconhecidos como disputas passíveis de postulação por quaisquer vias. Há, segundo Sander, um claro trade-off entre os benefícios de se ter um sistema de resolução de disputas eficiente e mais acessível e os custos decorrentes da abertura de mais uma via de entrada de disputas

211 SANDER, Frank E. A.; ROZDEICZER, Lukasz. Matching cases and dispute resolution procedures: detailed analysis leading to a mediation-centered approach. Harvard Negotiation Law Review, Cambridge, US, v. 11, p. 1-41, 2006.

212 Alguns estudos e guias podem ser mencionados, como SANDER, Frank E. A. GOLDBERG, Stephen B. Fitting the forum to the fuss: a user-friendly guide to selecting an ADR procedure. Negotiation Journal, v. 10, 1994; INTERNATIONAL INSTITUTE FOR CONFLICT PREVENTION & RESOLUTION. ADR

suitability guide: featuring mediation analysis screen. Disponível em:

<http://www.cpradr.org/Resources/ALLCPRArticles/tabid/265/ID/644/ADR-Suitability-Guide-Featuring- Mediation-Analysis-Screen.aspx >. Acesso em: 16 dez. 2012; e NIEMIC, Robert J.; STIENSTRA, Donna; RAVITZ. Randall E. Guide to judicial management of cases in ADR. Disponível em: <http://www.fjc.gov/public/pdf.nsf/lookup/ADRGuide.pdf/$file/ADRGuide.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2012.

no sistema, correndo-se o risco de que os recursos estruturais e humanos deste não sejam suficientes para suportar esse aumento de volume213.

No Brasil, percebe-se a influência do conceito de um tribunal multiportas na elaboração da Resolução nº 125/2010, na medida em que esta determina a estruturação de núcleos e centros de solução de conflitos e cidadania anexos às instâncias judiciárias (Justiça Estadual, Federal e do Trabalho) para encaminhamento de disputas para meios consensuais de solução de disputas antes ou após o ajuizamento da demanda.

Em seu texto original, a resolução previa a atuação, no setor pré-processual, de um servidor treinado que faria o encaminhamento de casos para a conciliação, a mediação ou outro método de solução consensual de disputas disponível214 (à semelhança do screening clerk idealizado por Frank Sander). No setor processual, os processos seriam encaminhados pelos próprios magistrados, que indicariam por despacho o método de solução de conflitos a ser seguido215 (anexo II, revogado pela Emenda nº 1/2013).

Na atual redação da resolução o artigo 9, § 2º216, ainda faz referência ao servidor encarregado da triagem, que tem de ser capacitado em métodos consensuais de solução de disputas, porém não define critérios de triagem ou de remessa. O estudo empírico em programas de conciliação e mediação no Brasil demonstrou que os programas judiciais vêm se estruturando nos termos da política judiciária do CNJ e que a remessa e a triagem de disputas é bastante influenciada pelo volume de processos repetitivos e pela atuação dos litigantes repetitivos, que muitas vezes são os responsáveis pelo encaminhamento de relações de processos ou de reclamações/pedidos para montagem de pautas e mutirões de conciliação.

213 “It is important to realize, however, that by establishing new dispute resolution mechanisms, or improving existing ones, we may be encouraging the ventilation of grievances that are now being suppressed. Whether that will be good (in terms of supplying a constructive outlet for suppressed anger and frustration) or whether it will simply waste scarce societal resources (by validating grievances that might otherwise have remained dormant) we do not know. The important thing to note is that there is a clear trade-off: the price of an improved scheme of dispute processing may well be a vast increase in the number of disputes being processed.” (SANDER, Frank. E. A., 1979, p. 67-68).

214 “O setor pré processual poderá recepcionar casos que versem sobre direitos disponíveis em matéria cível, de família, previdenciária e da competência dos Juizados Especiais, que serão encaminhados, através de servidor devidamente treinado, para a conciliação, a mediação ou outro método de solução consensual de conflitos disponível.” (texto revogado pela Emenda nº 1/2013).

215 “O setor de solução de conflitos processual receberá processos já distribuídos e despachados pelos magistrados, que indicarão o método de solução de conflitos a ser seguido, retornando sempre ao órgão de origem, após a sessão, obtido ou não o acordo, para extinção do processo ou prosseguimento dos trâmites processuais normais.” (texto revogado pela Emenda nº 1/2013).

216 “Artigo 9 […] § 2º. Os Tribunais deverão assegurar que nos Centros atuem servidores com dedicação exclusiva, todos capacitados em métodos consensuais de solução de conflitos e, pelo menos, um deles capacitado também para a triagem e encaminhamento adequado de casos.

§ 3º O treinamento dos servidores referidos no parágrafo anterior deverá observar as diretrizes estabelecidas pelo CNJ conforme Anexo I desta Resolução.”