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5 A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO DE DISPUTAS REPETITIVAS:

5.1 O TRATAMENTO ADEQUADO DE DISPUTAS REPETITIVAS

5.1.1 Atores

5.1.1.4 Outros atores e auxiliares do juízo

No desenho de programas de solução de disputas, é possível que outros atores ou auxiliares do juízo, como peritos, psicológos, agentes públicos, etc., participem dos procedimentos, fornecendo informações para as partes ou mesmo orientando-as para que passem a atuar de forma preventiva, evitando que disputas semelhantes surjam no futuro.

379 “Section 9, (a) (1): SECTION 9. MEDIATOR'S DISCLOSURE OF CONFLICTS OF INTEREST; BACKGROUND. (a) Before accepting a mediation, an individual who is requested to serve as a mediator shall: (1) make an inquiry that is reasonable under the circumstances to determine whether there are any known facts that a reasonable individual would consider likely to affect the impartiality of the mediator, including a financial or personal interest in the outcome of the mediation and an existing or past relationship with a mediation party or foreseeable participant in the mediation;”

Isso é o que ocorre no “Programa de Apoio ao Superendividamento”, realizado a partir de um convênio entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e o “Núcleo de Tratamento do Superendividamento” do PROCON-SP, no qual consumidores endividados recebem orientações financeiras e têm a oportunidade de participar de audiências de conciliação juntamente com seus credores para tentar negociar parte ou a totalidade de seus débitos380. A participação do PROCON assegura que os devedores tenham acesso a informações mais precisas sobre seus direitos e acerca da composição de suas dívidas, bem como dos impactos do acordo a ser realizado. Também são realizadas medidas de cunho preventivo, como palestras sobre educação financeira e tratativas do PROCON junto aos principais credores para que aprimorem seus mecanismos de concessão de crédito e de comunicação com seus clientes381.

Nos EUA, os housing counselors orientam os devedores hipotecários desde o recebimento da citação e até a realização do acordo, auxiliando-os na formulação de propostas financeiras viáveis e na busca por alternativas para que consigam manter suas residências, como a submissão de requerimentos de auxílios governamentais para obtenção de moradias. Esses agentes também coordenam programas de educação financeira que objetivam auxiliar os devedores a organizarem melhor suas finanças e a elaborarem planos de pagamento de suas dívidas a curto e médio prazo.

Outro auxiliar do juízo bastante presente no Judiciário americano e que desenvolve um papel de destaque em ações semelhantes ou que envolvem um grande número de partes é o special master, cuja possibilidade de designação está prevista na Rule 53 do Federal Rules of Civil Procedure382. Trata-se um auxiliar ad hoc indicado pelo juízo para conduzir

380 Mais sobre o “Programa de Apoio ao Superendividamento” no Capítulo 3 (item 3.2.2.2) no site do Procon- SP (<http://www.procon.sp.gov.br>). Acesso em: 20 dez. 2013.

381 Sobre a importância de se ter outros profissionais envolvidos na mediação de casos de superendividamento, Catarina Frade comenta: “Esta é também uma área onde pode ser necessária a participação de uma equipa especializada para coadjuvar os mediadores na sua missão, onde se conte a presença, por exemplo, de juristas, trabalhadores sociais, financeiros ou psicólogos. sobreendividamento é um fenómeno multifacetado, pois, além da questão financeira de base, existe todo um elenco de problemas psicossociais que podem surgir e dificultar a celebração do acordo. Daí que o apoio especializado possa ajudar o devedor a reabilitar-se perante si próprio e a sua família, o que sem dúvida fará aumentar a sua capacidade de cumprir o plano de pagamentos fixado. Um processo como a mediação tende a criar menor estigmatização social e psicológica do que uma ida a tribunal, por se tratar de um ambiente mais informal e mais resguardado, onde as partes se podem fazer ouvir e onde se consegue em menos tempo obter uma solução para o problema”. (FRADE, Catarina, 2003, p. 123-124).

382 “Rule 53. (a) Appointment. (1) Scope. Unless a statute provides otherwise, a court may appoint a master only to: (A) perform duties consented to by the parties; (B) hold trial proceedings and make or recommend findings of fact on issues to be decided without a jury if appointment is warranted by: (i) some exceptional condition; or (ii) the need to perform an accounting or resolve a difficult computation of damages; or (C) address pretrial and posttrial matters that cannot be effectively and timely addressed by an available district judge or magistrate judge of the district”.

procedimentos específicos em seu nome durante a fase de preparação para o julgamento, tratativas de acordo ou para a execução de uma sentença ou acordo transacionado entre partes383. Também são designados em casos que envolvem questões técnicas, auxiliando na investigação e no acompanhamento as partes nos procedimentos de coleta de provas (discovery)384.

A participação de atores, entidades ou auxiliares do juízo pode contribuir significantemente com o tratamento adequado de disputas repetitivas. Identificando-se um contingente de disputas similares, é possível a estruturação de iniciativas específicas (fit the forum to the fuss385) que possibilitem o envolvimento de profissionais ou entidades que possam contribuir de modo mais efetivo considerando a temática dos conflitos e as características e necessidades das partes envolvidas.

A pergunta que se coloca é se e quando estes profissionais podem fazer as vezes do conciliador e mediador em casos que envolvam discussões essencialmente de valores, como foi feito no Foreclosure Diversion Program of the Court of Common Pleas of Philadelphia. Também é necessário se questionar se esses atores, entidades ou auxiliares do juízo podem substituir o papel dos advogados na conciliação e na mediação, dado que, em teoria, os conhecimentos que trazem podem ser mais importantes à disputa do que a assessoria jurídica propriamente dita.

Especialmente no contexto de disputas repetitivas, tendo em vista a repercussão das decisões e encaminhamento de disputas individuais representativas de um contingente volumoso e a relação entre o litigante repetitivo e ocasional, essa é uma decisão a ser tomada com cautela, porquanto, como visto, há papéis relevantes a serem exercidos tanto pelo mediador e pelo conciliador quanto pelos advogados para se assegurar a autodeterminação

383 O termo special master também foi utilizado para denominar a pessoa designada pelo congresso para administrar fundos de compensação como indenização das vítimas do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001.

384 Em um relatório elaborado pelo Federal Judicial Center sobre o uso de special masters pelas cortes federais e a aplicação da Rule 53, foram feitas as seguintes considerações: “Historically, Rule 53 was designed to help judges resolve fact-intensive cases. The process involved having a master review facts, organize the information, and prepare a comprehensive report to assist the judge or jury. The traditional image is one of a court-appointed accountant poring over volumes of bookkeeping records, classifying them, and perhaps applying clear legal formulas to thousands of transactions. Modern use of special masters, we found, covered a full spectrum of civil case management and fact-finding at the pretrial, trial, and posttrial stages. Judges appointed special masters to quell discovery disputes, address technical issues of fact, provide accountings, manage routine Title VII cases [casos de discriminação de raça, cor, religião, gênero, origem], administer class settlements, and implement and monitor consent decrees, including some calling for long-term institutional change”. (WILLGING, Thomas E.; HOOPER, Laural L.; LEARY, Marie; MILETICH, Dean; REAGAN, Robert Timothy; SHAPARD, John. Special masters’ incidence: report to the judicial conference’s Advisory Committee on Civil Rules and its subcommittee on special masters. Washington: Federal Judicial Center, 2000. p. 4).

das partes, que deverão atuar com conhecimento do procedimento e das questões jurídicas envolvidas na disputa.

Assim, mesmo em casos nos quais as tratativas entre as partes resumem-se essencialmente a uma questão de valores, é necessário que o desenho do programa preveja a participação de profissionais ou entidades capazes de prover orientação jurídica aos litigantes ocasionais, a quem estes possam recorrer em caso de dúvidas sobre o procedimento e sobre a disputa. Também foi enfatizada, no estudo empírico, a importância da fiscalização do Judiciário para que esses terceiros atuem de forma imparcial durante o procedimento. Idealmente, eles também têm de passar por capacitação em técnicas de mediação e conciliação, para que conduzam o processo de forma imparcial, técnica e equilibrada, proporcionando iguais oportunidades de participação para ambas as partes.