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Década de 1980: nova síntese estruturalista Em Breve

No documento Conceito de cultura em Celso Furtado (páginas 33-42)

introdução ao desenvolvimento, Furtado realizaria uma es-

pécie de síntese, retomando o estruturalismo, tendo em vista as necessidades da ação política, mas mantendo os avanços teóricos do período anterior.

Neste último caso, e até o inicio dos anos 1990, quando termina o seu estudo, Mallorquin se limita a uma seleção de temas desen- volvidos por Furtado, quando este acaba assumindo um papel polí- tico de relevo no processo de democratização: economia brasileira, economia mundial/globalização, Nordeste, modelo teórico, sendo este último apenas o aspecto que nos interessa aqui particularmen- te. Deixando de lado os trabalhos sobre o Brasil, o Nordeste, a Amé- rica Latina, economia internacional ou análises de cunho mais empírico em geral, concentrar-me-ei nos trabalhos mais teóricos, começando, no capítulo O modelo de base de furtado, pelo grande texto de síntese que é a TPDE, tomada aqui como ponto de partida. É interessante verificar esquematicamente, no Quadro 1, a gênese desse livro em que o modelo teórico de base de Furtado aparece de forma completa.2

2 Para mallorquin (2005, p. 144), na tPde “pode ser encontrada grande parte dos conceitos que organizam e dão vida ao discurso estruturalista, mas também é um dos livros mais ‘he- terogêneos’ e ‘desiguais’ da bibliografia de furtado. em termos teóricos, contém escritos da mais variada procedência, inclui ensaios da primeira metade da década de 1950 e contempla quase todo o desenvolvimento e subdesenvolvimento, ao mesmo tempo que elabora uma série de temas novos e sistematiza o que compreende o ‘pensamento estruturalista’ e o ‘de- senvolvimento’. em certas ocasiões, é alto o custo teórico a pagar por reunir ecleticamente diferentes ensaios; as reformulações ao final do parágrafo, ou simples exclusões destes e re- definições obstruem a compreensão da evolução conceitual [...] Por outro lado, vemos novos ensaios sobre os métodos e técnicas para pensar a planificação, ‘integração regional’, e o ‘dualismo desenvolvimento e subdesenvolvimento da economia mundial’. nos novos capí- tulos, observa-se já claramente o arranque do discurso estruturalista”. neste caso, refere-se

Quadro 1 - tPde: a longa marcha da construção do modelo de base de furtado

“O processo histórico de desenvolvimento” (1955) + “Elementos de uma teoria do subdesenvolvimento” (1958) + “O desequilíbrio externo e as estruturas subdesenvolvidas” (1959) + “Industrialização e infla- ção” (1960) >> “Desenvolvimento e subdesenvolvimento” (1961) >> “Teoria e política do desenvolvimento econômico” (1967) >> Na edição de 1979, a quarta parte (“O subdesenvolvimento”) é profundamente reformulada.

fonte: (mallOrQuin, 2005, p. 47-48; GOnÇalVes, 1983, p. XXVii).

Uma vez definido o modelo de partida, tratarei, no capítulo Uma teoria antropológica da cultura, de explicitar o fundamento antropo- lógico do conceito de cultura que está na sua base. Neste caso, cen- trar-me-ei em excertos da obra autobiográfica do autor, em Dialéti- ca do desenvolvimento (1965) e no Prefácio a Nova Economia Política (1977), especialmente. Este último faz parte do “esforço intelectual” realizado em Cambridge no ano letivo de 1973-1974, do qual deri- vam também O mito do desenvolvimento econômico (1974), Criativi- dade e Dependência na Civilização Industrial (1978) e Pequena intro- dução ao desenvolvimento (1980) (FURTADO, 1990, t. 3b, p. 222), que serão tratados no capítulo terceiro.

Essa separação se explica por motivos semelhantes, mas distin- tos dos de Mallorquin (2005, p. 253), que considera o Prefácio como uma espécie de ponto fora da curva na trajetória teórica de Furtado, pois representaria um giro – ainda que não repentino, porque insi- nuado em escritos imediatamente anteriores –, pondo em questão não apenas a ciência econômica convencional, “uma compulsão

explicitamente ao anexo metodológico e aos capítulos 2, 14, 16 e 18, nos quais “predomina o que mais tarde será denominado o discurso da dependência [...] Por outro lado [no capí- tulo 21] [...], apresenta a problemática do estancamento.” (mallOrQuin, 2005) a análise arqueológica de mallorquin (2005) é muito interessante, mas nossos objetivos são outros e, por isso, não vamos entrar nesses detalhes aqui. assim, a versão acabada da tPde é o nosso ponto de partida, pois aí está o seu modelo de base na sua versão mais elaborada.

teórica e crítica” na sua obra, mas o próprio estruturalismo latino- -americano, da sua lavra, em direção a uma ciência social global, como veremos, e não simplesmente à interdisciplinaridade. Para Mallorquin (2005, p. 256), esse giro será efêmero, pois, em caso contrário, “teria implicado desperdiçar de uma vez por todas boa parte de seu vocabulário conceitual, ou seja, o estruturalismo.” A Pequena introdução ao desenvolvimento marcaria, não meramente um retorno, mas uma grande síntese das duas concepções teórico -epistemológicas entre as quais oscilava Furtado em meados da dé- cada de 1970.

Não adotarei aqui necessariamente essa interpretação, mas é fato que a preocupação em definir aquela teoria social global, com base no conceito de excedente, coloca esse livro numa posição par- ticular no interior da obra de Furtado, explicitando o sentido da perspectiva antropológica do seu conceito de cultura (material) – à qual Mallorquin não dá maior importância –, de forma talvez mais sistemática, mas não única. Assim, voltarei, no terceiro capítulo, aos outros três trabalhos concebidos em Cambridge, uma vez ex- posto o seu modelo de base, no primeiro, e revelado o fundamento antropológico do mesmo, ao explicitar, no segundo, de um lado, dois desenvolvimentos ulteriores do modelo de base, como são a Dialética e o Prefácio, e, de outro, a sua ideia de antropologia filosó- fica, em diálogo com Hegel e Marx, mas fortemente influenciado por Kant.

É claro que poderíamos ainda seguir por essa via, explorando, por exemplo, a ideia de cultura, num sentido filosófico, que está tão claramente exposta em A pré-revolução brasileira, por exemplo, onde é central a discussão sobre a relação entre meios e fins:

[...] não se pode desconhecer que, em um país subdesen- volvido, os aspectos econômicos do desenvolvimento social assumem grande urgência. Não é possível educar o homem sem antes matar a sua fome. Contudo, relegar a segundo pla- no outros aspectos do problema social seria comprometer o

desenvolvimento subsequente da cultura que deverá mol- dar o homem do futuro. (FURTADO, 1962, p. 91)

Mas esse livro, como outros dedicados à economia brasileira, in- clusive a própria FEB,3 não faz parte do nosso corpus porque o que

nos interessa – uma vez explicitada a reivindicação da antropologia filosófica por oposição à sociologização marxista da dialética hege- liana – é avançar na exposição da “grande teoria”, na expressão de Mallorquin, do Prefácio (ainda no capítulo segundo) e de Dependên- cia e criatividade (no terceiro), considerado, este último, de maneira bastante consensual, como ponto de corte nas reflexões de Furtado sobre a cultura.

Segundo Rosa Freire d’Aguiar Furtado, Celso Furtado se dedicou à reflexão profunda sobre a cultura em quatro momentos de sua trajetória intelectual: (1) final dos anos 1970, quando escreve os en- saios que comporão Criatividade e dependência (1978), na sequência de O mito do desenvolvimento (1974) e do Prefácio (1977); (2) o perío- do em que esteve à frente do Ministério da Cultura (1986-1988), precedido da produção do Que somos? (1984), que “é de certa forma o fecho desse primeiro momento”; (3) o período (1992-1995) em que integrou a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, da Unesco, e (4) seus escritos como membro da Academia Brasilei- ra de Letras, a partir de 1997. (FURTADO, 2012, Introdução)

Minha exposição, nos capítulos terceiro e quarto, segue basica- mente essa indicação de Rosa Furtado. No capítulo Crítica da civili- zação industrial, além de Criatividade, discuto a Pequena Introdução

3 É importante deixar claro, em todo caso, que, numa próxima ocasião, seria de todo reco- mendável retomar justamente o conjunto dos trabalhos históricos sobre o Brasil e a américa latina, pois é aí que se poderá observar a teoria aqui discutida em operação. nesse caso, o conceito de formação, central na literatura filosófica por ele utilizada, poderia fundamentar uma interessante comparação entre furtado e outros autores-chave para a compreensão dos fundamentos da cultura brasileira. algo sobre isso se falará na conclusão deste volume, mas é claro que o seu bom desenvolvimento exigiria uma pesquisa à parte para a qual, com o resultado aqui apresentado, estamos agora melhor aparelhados. sobre o conceito de for- mação, vide em especial o trabalho de Otilia arantes e Paulo arantes (1997). Vide também Paula (2007).

ao Desenvolvimento e, sobretudo, O mito, onde, na verdade, a ques- tão cultural está posta também de forma clara e profunda, ainda que normalmente se enfatize a problemática ecológica, a qual, ali- ás, também tem uma posição de destaque no livro de 1978, sobre- tudo na valorização que faz do movimento ecologista na construção de uma alternativa global ao sistema cultural capitalista hegemôni- co. Em ambos os casos, a questão ecológica, tal como é posta pelo autor, deve ser tomada na perspectiva cultural que caracteriza o seu pensamento, para que se possa ter a dimensão completa do projeto teórico e político proposto por Furtado a partir dos anos 1970.

No capítulo Cultura brasileira, política e economia, trabalharei com uma série de pequenos textos, alguns publicados na coletânea (FURTADO, 2012) coordenada por Rosa. O mais, digamos, impor- tante é o Que somos? Trata-se de uma conferência proferida em 23 de abril de 1984, no I Encontro Nacional de Política Cultural,

[...] promovido em Belo Horizonte por José Aparecido de Oli- veira, então secretário da cultura de Minas Gerais, durante o governo Tancredo Neves, que reuniu outros secretários da Cultura estaduais, como Darcy Ribeiro, do Rio de Janeiro, Fernando Ghignone, do Paraná, e Jorge Cunha Lima, de São Paulo. (FURTADO, 2010, p. 10)

O artigo se divide em três partes, a segunda delas, intitulada Sete teses sobre a cultura brasileira, teve como desdobramento os dois pri- meiros artigos – Reflexões sobre a cultura brasileira e Desenvolvimento e cultura – da coletânea Cultura e desenvolvimento (FURTADO, 1984), segundo o próprio autor, no posfácio desse livro, que inclui ainda Um novo federalismo (republicado revisto em O longo amanhe- cer, sob o título Nova concepção do federalismo) e uma série de outros textos sobre temas diversos, como a crise mundial, o Nordeste, uni- versidade, desenvolvimento endógeno... Aqui só interessam direta- mente os dois sobre cultura mencionados (o primeiro deles tam-

bém seria republicado em O longo amanhecer, revisado, sob o título Formação cultural do Brasil).

Além desses, incluirei, na parte principal do capítulo quarto, ou- tro artigo publicado em Furtado (2012, p. 43), da segunda metade dos anos 1970, de acordo com a organizadora, “talvez primeira ver- são de um dos ensaios de Criatividade e dependência [...]”, redigido originalmente em espanhol, além do capítulo sete desse mesmo livro, que também fala da formação da cultura brasileira. Por como- didade, referir-me-ei sempre aos textos da coletânea de 2012 e aos textos incluídos em O longo amanhecer (FURTADO, 1999), ao con- trário de todas as demais referências feitas ao longo deste trabalho, citando a data de sua recentíssima publicação. Assim será também em relação aos trabalhos referentes à passagem de Furtado pelo MinC, lamentavelmente mal documentada no próprio ministério, que revisarei sumariamente ainda no capítulo quarto.

Um estudo mais adequado desse período exigiria outro tipo de pesquisa, recorrendo a material de imprensa da época, entrevistas, num tipo de esforço mais adequado a um projeto posterior, como o sugerido na nota 3 abaixo, com o envolvimento, inclusive, de uma pequena equipe de pesquisadores. O mesmo pode ser dito para o caso da participação de Furtado na referida comissão da Unesco, de importância, aliás, crucial no redirecionamento das ações da mes- ma – após a desestruturação do movimento pela NOMIC, que se seguiu à aprovação do relatório McBride, e a saída dos Estados Uni- dos – no sentido vigente até hoje, quando o conceito de “indústrias criativas” adquire inusitada relevância.4 Nesse caso, seria necessá-

rio, ademais, retomar o tema das relações entre comunicação e cul-

4 Vide, a esse respeito, Bolaño (2013). um exercício interessante, que poderia ser feito, por exemplo, é o da leitura do referido relatório, à luz do que se expõe neste trabalho, procuran- do identificar os pontos de contato (e as diferenças) de enfoque entre um e outro. também seria fundamental visitar os arquivos da unesco e entrevistar pessoas que estiveram envol- vidas no processo. finalmente, seria fundamental procurar entender as influências que o relatório de 1995 teria sobre as políticas de diversidade cultural implantadas a partir de 2005, sobretudo o que também está fora do escopo deste trabalho.

tura, entre política cultural e política de comunicação, pouco explo- rado pelo autor, ainda que não ausente do seu trabalho, onde demonstra, aliás, em diferentes ocasiões, plena consciência do pro- blema, como no trecho abaixo, no bojo da discussão sobre o novo federalismo:

A luta pelo federalismo tem sido, na Europa, reflexo da as- piração profunda da preservação da identidade de grupos étnicos ou culturais com história própria. Não é de admi- rar, portanto, que essa luta se haja intensificado em nosso tempo, quando as agressões da indústria cultural tendem a esterilizar a capacidade criativa em benefício da homoge- neização dos mercados. (FURTADO, 1999, p. 46)

Ou, ainda mais explicitamente:

A crescente influência da economia norte-americana, im- pulsionando uma cultura de massas dotada de meios extra- ordinários de difusão, opera como fator de desestabilização do quadro cultural fundado na dicotomia elite-povo. Com o avanço da urbanização a presença do povo torna-se mais vi- sível, fazendo-se mais difícil escamotear a sua criatividade cultural. A emergência de uma classe média de crescente peso econômico introduz elementos novos na equação cul- tural brasileira. (FURTADO, 1999, p. 65)

Não é possível entender bem e apreciar em toda a sua dimensão esta sintética afirmação antes de completar toda a trajetória aqui proposta. Deixarei para a conclusão, onde retomo, em traços largos, a questão da situação de Furtado na construção da ideologia da cul- tura brasileira, seguindo pistas de Carlos Guilherme Mota, ou no debate sobre a formação – temas, por suposto, apenas indicados para estudos posteriores –, um retorno, também breve e com o in- tuito de levantar novas questões para o futuro, ao tema da classe média, de renovada atualidade nos dias de hoje. Lá também tratarei

de forma mais desinibida alguns pontos que considero importan- tes para a compreensão do nosso tempo, com apoio em Furtado, mas avançando pelo terreno da comunicação, no qual ele não chegou verdadeiramente a pisar. É justamente a relação entre co- municação, cultura e desenvolvimento, o desafio que devemos enfrentar hoje.

Advertência

As ênfases em negrito no texto são sempre minhas, com o obje- tivo didático de estabelecer uma marcação para a leitura, destacan- do categorias ou ideias-chave. Para as ênfases dos autores utilizo o itálico.

No documento Conceito de cultura em Celso Furtado (páginas 33-42)