• Nenhum resultado encontrado

Perspectiva histórica

No documento Conceito de cultura em Celso Furtado (páginas 68-84)

No capítulo 11 da TPDE, Furtado analisa o processo histórico do de- senvolvimento, partindo de uma classificação das formas de apro- priação do excedente em dois tipos, que convivem sempre, de algu- ma forma, em diferentes sociedades: um baseado na cobrança de tributos, como no caso da expansão militar de Roma sobre povos dominados, e outro vinculado à expansão das atividades comerciais. No primeiro caso,

22 trata-se, em todo caso, de forças “distintas em sua natureza” (antagônicas, diria marx), pois “o regime de propriedade, implícito nas regras do jogo, resulta de um processo histórico em que se cristalizou certo quadro institucional, cuja imagem varia de acordo com o grupo social que o observa.” (furtadO, 1983, p. 105)

23 furtado (1983, p. 105-6) termina a exposição do modelo analisando os limites das duas ten- dências que constituem essa dinâmica virtuosa. Para nós, o que foi dito até aqui é suficiente.

[...] a cúpula dominante [que se apropria da maior parte do excedente] podia estar dissociada das atividades econômi- cas, inexistindo qualquer conexão entre as preocupações das elites dirigentes e os problemas diretamente ligados ao sistema produtivo. (FURTADO, 1983, p. 117)

A novidade, no segundo caso, é que “o lucro comercial reverte em benefício de um grupo integrado no processo econômico.” (FURTADO, 1983, p. 119)

O autor exemplifica a coexistência dos dois tipos para o caso da Grécia antiga, em que a apropriação baseada na escravidão convivia com “o sistema de apropriação com base no lucro comercial, aufe- rido principalmente no intercâmbio com as colônias”, gerando um conflito entre os dois tipos de elite, que estava na base da instabili- dade política das cidades gregas. Para nossos interesses, importa mais a “retomada do desenvolvimento” na Europa do século XI, após o período de “involução econômica” feudal, inaugurado no sé- culo VIII. Citando Pirenne, o autor lembra que “o desenvolvimento recomeçou, a partir dos séculos X ou XI [...] [graças às] modifica- ções fundamentais que a eclosão do maometanismo trouxe às li- nhas do comércio bizantino”, (FURTADO, 1983, p. 120) que se vol- ta para as costas da Itália, a partir de onde se constituirá uma cadeia de entrepostos comerciais, que atingirá todo o continente europeu, através do leito dos grandes rios.

Tem-se aí um caso típico de expansão de uma economia comercial, a qual encontra grande receptividade, em razão da existência de um excedente virtual de produção, isto é, das características mesmas da economia feudal européia [...]. Esta economia comportou-se como se estivesse pre- parada para receber as correntes de comércio, as quais vi- nham possibilitar melhor utilização dos recursos já existen- tes, e uma diversificação do consumo, sem exigir maiores modificações no sistema produtivo. Destarte, as correntes

comerciais constituíram um fenômeno exógeno no mundo feudal. (FURTADO, 1983, p. 120-1)

Decorre daí que os dirigentes das atividades comerciais forma- riam uma nova classe (a burguesia) “totalmente dissociada das eli- tes dominantes no mundo feudal.” Com o tempo, ao contrário do que ocorrera em Roma, onde “a integração política provocou o co- mércio e o desenvolvimento”, na Europa, “o comércio e a interde- pendência entre regiões vizinhas provocarão a integração política”.

Os Estados nacionais surgirão na Europa, destarte, não como uma aglutinação das unidades feudais, e sim como uma armadura para proteger e regulamentar a nova socie- dade de base urbana que se estava formando. Ao contrário do que ocorrera nas cidades gregas, onde as elites comer- ciais permaneceram em choque com os grupos escravistas que detinham o poder político, na Europa a classe burguesa pôde, quando conveniente, tomar partido nas guerras entre os senhores feudais e precipitar a ruína do regime político dominante. (FURTADO, 1983, p. 121-2)

O caráter exógeno do desenvolvimento do comércio, não super- pondo uma estrutura política à existente, faz surgir uma nova eco- nomia, separada inclusive geograficamente da velha agropecuária de subsistência e a ela contraposta, mas não por uma oposição total de interesses. Ao contrário, “a economia urbana veio abrir, ao se- nhor feudal, a possibilidade de diversificar o seu consumo”, dando vazão ao excedente de produção que, numa sociedade fechada como a feudal, se dirigia à construção de castelos, armamento e sustentação de um séquito crescente e bem nutrido. Assim tam- bém, “o advento das linhas de comércio provocou o desenvolvimen- to das atividades agropecuárias, vale dizer, o aumento da produtivi- dade nos campos”, de modo que, já no século XII, certas regiões da Europa vão-se especializando na produção de vinho, de linho, de

trigo etc. Ou seja, a nova economia não veio para substituir simples- mente a antiga, mas para induzir esta a transformar-se de uma eco- nomia rural fechada para “um sistema que dedicava parte de sua produção ao mercado externo.” (FURTADO, 1983, p. 122)

O sistema das corporações, por outro lado, representa, para o autor, um compromisso entre os artesãos e a classe comerciante hegemônica nas cidades, que impede a concorrência no nível inter- no, com forte controle sobre o nível de preços e a produção, numa organização basicamente feudal, enquanto que o comércio externo era regido pelas normas do laissez-faire, representando a classe dos grandes comerciantes, o fator dinâmico da economia urbana. Se- gundo o autor, a evolução para a economia industrial se fará a partir do setor de mercado externo, com o surgimento de um novo siste- ma de organização da produção, que tende a reduzir o salário real dos artesãos, transformado-os em operários, e que acabará final- mente com o sistema das corporações, na segunda metade do sécu- lo XVIII. O autor resume assim os marcos mais relevantes do pro- cesso de formação da economia industrial europeia:

A estabilização da fronteira econômica provoca a intensi- ficação da concorrência; esta leva a tensões crescentes que aceleram a aglutinação do sistema político, a formação de economias nacionais e provoca o surgimento da política mercantilista de proteção das burguesias nacionais; para manter suas linhas de comércio, particularmente as de ex- portação de tecidos entre regiões vizinhas, os comerciantes exigem dos mestres-artesãos, organizadores da produção, custos mais e mais baixos; surge, em conseqüência, uma classe de artesãos-empresários cuja subsistência depende de permanente vigilância com respeito aos custos de pro- dução; a política de redução de custos leva à organização de grandes unidades de produção – as fábricas – e a uma enorme pressão sobre os salários reais; por outro lado, essa política de redução de custos induz a progressivos

aperfeiçoamentos na técnica de produção. Abre-se, assim, um caminho de possibilidades extraordinárias. (FURTA- DO, 1983, p. 127)

Note-se em operação, nesse trecho, de forma exemplar, a teoria do poder econômico do autor, referida anteriormente, em que grupos hegemônicos conseguem alterar os parâmetros do modo de vida de uma sociedade, influenciando o comportamento dos demais e pro- vocando, assim, a mudança estrutural sobre a qual se consolidará a nova cultura, neste caso, a civilização industrial. O título da sessão iniciada em seguida é justamente “um novo horizonte cultural” e é disto precisamente que se trata. Furtado (1983, p. 127) enfatizará os seguintes aspectos:

1. A grande valorização da pesquisa empírica, de modo que o eterno desejo humano de conhecimento do mundo fí- sico e metafísico se incorpora, com a Revolução Indus- trial, ao elemento motor do desenvolvimento econômi- co, o que não ocorrera, por exemplo, na Grécia antiga, em que “a elite comerciante permaneceu como que enxerta- da no organismo social, onde continuou prevalecendo o complexo ideológico da elite agrícola-escravista.”24

2. Essa valorização das ciências naturais está vinculada a um segundo aspecto fundamental, que é a recorrente incorporação de novos recursos ao processo produtivo, de modo que os métodos de produção estarão cada vez

24 furtado (1983, p. 127) aponta, por outro lado, que não basta o desenvolvimento das econo- mias comerciais, na medida em que estas podem explorar simplesmente a linha de menor resistência da expansão da fronteira econômica, como aconteceu com fenícios ou portu- gueses, que chegaram, uns à inglaterra e outros às Índias, mas mantiveram as atividades produtivas “demasiado pouco interdependentes para que a organização da produção che- gasse a ter um significado fundamental para eles. Por outro lado, as formas de produção hierarquizadas ou burocratizadas, que tenderam a prevalecer nas culturas não-européias, não criaram a competitividade e as possibilidades de rápida acumulação características do regime de laissez-faire, que engendrará o capitalismo industrial.”

mais baseados no uso de equipamentos e outras formas de capital, o que significa que o empresário não depen- derá mais, para aplicar reprodutivamente os seus recur- sos, de uma fronteira em expansão.

A relação capital-trabalho também se modifica. Poderíamos co- locar a questão em termos marxistas, lembrando que aqui acaba o período da acumulação primitiva de capital. Furtado (1983, p. 128), na sequência, coloca a questão nos seguintes termos:

A aplicação desses capitais significará incremento de pro- dutividade, aumento da renda global e, portanto, expansão do mercado interno. Baixando os seus custos sem cortar na folha de salários, o empresário poderá baratear os seus pro- dutos sem reduzir, concomitantemente, a renda dos operá- rios. Dessa forma, os lucros que afluem às mãos da classe empresária industrial serão aplicados, de maneira crescen- te, no próprio sistema industrial.

É a partir desse momento, podemos dizer, que aquela dinâmica virtuosa da luta de classes, segundo Furtado (1983, p. 128), que vi- mos acima, pode finalmente estabelecer-se. Se quisermos reforçar nossa interpretação marxista, devemos enfatizar que o aspecto cen- tral do novo sistema econômico está no “papel da organização e da técnica de produção”. Mas aqui também podemos sentir o eco da crítica, anteriormente citada, ao “modelo de Marx”:

E não é somente isso: inovar nas técnicas de produção sig- nifica, via de regra, abrir oportunidades ao capital – que sob a forma de lucro está afluindo às mãos do empresário – de reincorporar-se ao sistema produtivo. A eficiência produtiva e o avanço da técnica constituem, portanto, no novo sistema econômico, a fonte do lucro do empresário e a oportunidade de aplicação remunerativa desses lucros.

Ou seja, as decisões dos capitalistas definem, em nível macro, a medida em que o excedente por eles apropriado será reinvestido no próprio sistema produtivo, sob a forma de novos equipamentos, aperfeiçoamento da técnica ou novos recursos naturais incorpora- dos. Se isso justifica a posição do empresário, questionando de al- guma forma a radicalidade de Marx – interessado em dar um fun- damento científico à doutrina da luta de classes, deixando em segundo plano a dinâmica da concorrência –, é discutível. A sequ- ência do raciocínio de Furtado (1983), em todo caso, está perfeita- mente de acordo com Marx:

Cabe, assim, à técnica papel central na economia industrial. E como a técnica não é outra coisa senão a aplicação ao sis- tema produtivo do conhecimento empírico ou científico do mundo físico, pode-se afirmar que a economia industrial só encontra limites de expansão do lado da oferta, na própria capacidade do homem para penetrar no conhecimento do mundo em que vive.

Na sequência, o autor se refere explicitamente às consideráveis “consequências culturais dessa transformação do papel do agente que se apropria do excedente”:

À diferença daqueles que legitimavam a apropriação de parte do excedente com a propriedade da terra ou com o aventureirismo em terras alheias, o empresário industrial tende a formar de si mesmo uma imagem de ‘criador de progresso’. Graças a ele novas oportunidades de emprego estão sendo criadas e novas formas de ascensão social ten- dem a surgir. (FURTADO, 1983)

Ao contrário de uma economia comercial, em que o empresário pode, em consequência, por exemplo, de um esgotamento das possibilidades de expansão da fronteira econômica, aplicar seus recursos em inversões improdutivas, ou entesourar, a lógica de

uma economia industrial obriga ao desenvolvimento, pois a renda do empresário não pode ser conservada em forma líquida e ente- sourada indefinidamente. A reprodução exige.

É por esta razão que, no sistema industrial, a produção já está organizada de acordo com o que se supõe será a forma por que se utilizará a renda, tidas em conta as possibilidades de intercâmbio externo. Para funcionar sem dificuldades, o sistema não somente exige que seja utilizada a totalidade da renda mas, também, que essa renda seja utilizada mais ou menos de determinada forma. Está aí a causa da grande instabilidade das economias industriais. (FURTADO, 1983, p. 130)

Deixando de lado as questões aí envolvidas, relativas a despro- porções, à necessidade de ajustes, à dinâmica cíclica das economias industriais ou ao planejamento, “forma superior de organização” das mesmas, o que cabe destacar é que “a economia industrial de livre empresa, para utilizar plenamente sua capacidade produtiva, necessita transformar permanentemente em nova capacidade de produção uma certa massa de renda.” (FURTADO, 1983 p. 130) Tra- ta-se, portanto, de um sistema fadado à expansão. A existência de um excedente estrutural de mão de obra, nos primórdios da econo- mia industrial, permitirá que o seu desenvolvimento se caracterize pelo “aumento substancial da participação da indústria de bens de capital – sobretudo da indústria de equipamentos – no produto na- cional”, acarretando “alterações na distribuição da renda, em bene- fício dos grupos que auferiam lucros”, que puderam se apropriar da maior parte dos ganhos de produtividade. (FURTADO, 1983, p. 32)

Essa primeira fase de expansão da economia industrial se encer- raria com o esgotamento daquele excedente estrutural de mão de obra, reduzindo a elasticidade da oferta da mesma, melhorando o poder de barganha da classe trabalhadora, “o que deveria pressio- nar no sentido de reduzir a participação das indústrias de bens de

capital no produto. Tal situação configurou-se com absoluta clare- za, na Inglaterra, já no começo da segunda metade do século [...]” XIX. Essa situação indicava, segundo Furtado (1983, p. 133), uma tendência de restar recursos do setor de bens de capital em favor do de bens de consumo, “com redistribuição da renda a favor dos assa- lariados, e redução do ritmo de crescimento”, o que foi evitado pela Inglaterra, ao lançar-se em uma grande ofensiva internacional:

[...] teve inicio, então, a fase de total liberalização do comér- cio inglês, das maciças exportações de capital, que manti- nham a indústria de equipamento funcionando a plena ca- pacidade, e da ofensiva comercial sob a forma do audacioso imperialismo vitoriano.

Este ponto é interessante, pois trata, entre outras coisas, da expli- cação de Furtado para o imperialismo, em diálogo com “as teorias marxistas do ‘capitalismo imperialista’” – título do apêndice ao ca- pítulo 18, onde o autor retoma o problema da realização. Uma con- tradição óbvia, segundo o autor, do modelo dos clássicos, inclusive Marx, é ver o capitalismo como um sistema “dotado de um podero- so mecanismo de acumulação, baseado na apropriação do exceden- te pela classe capitalista (que se empenha em invertê-lo) e no pro- gresso técnico”, (FURTADO, 1983, p. 189) ao mesmo tempo em que se pretende que a taxa de salário não seja afetada pela acumulação, sendo a oferta de trabalho totalmente elástica.

Já vimos a crítica que o autor faz à ideia marxiana de exército indus- trial de reserva e a sua própria solução para a dinâmica do desenvol- vimento, em que a luta de classes desempenha um importante papel. Neste ponto, ele se refere às duas soluções presentes no pensamento marxista, que implicam, ambas, “uma doutrina do expansionis- mo capitalista”, a saber, “a ampliação do espaço em que operam os capitalistas (exportação de capitais) e a destruição dos capitalis- tas uns pelos outros (concentração do capital).” (FURTADO, 1983)

À primeira solução, de Rosa Luxemburgo,25que fazia a acumula-

ção capitalista depender da destruição das áreas do globo onde ain- da imperam relações de produção pré-capitalistas, opõe-se uma segunda, que parte de Hilferding, quem, pensando a realidade alemã, sobretudo do final do século XIX, articula a tendência à concentração do capital, a política protecionista dos Estados nacio- nais e a constituição do capital financeiro:

Temos, assim, por um lado, a grande concentração econô- mica em mercados protegidos, o que cria a possibilidade de uma política interna de preços altos e gera taxas de lucro excepcionalmente elevadas; por outro temos as limitações à expansão internacional na forma da tradicional exportação de mercadorias. Ora, a flexibilidade do capitalismo mono- polista encontra uma solução para esse problema mediante a instalação de empresas por trás das barreiras protecionis- tas. (FURTADO, 1983, p. 190)

Lênin se apropriaria dessa perspectiva, supondo que a exporta- ção de capital é uma característica do capitalismo que denominará monopolista, deixando em segundo plano a questão do protecio- nismo:

Ao contrário de Hilferding, que via na saída para o exterior uma manobra para transpor as barreiras aduaneiras e conti- nuar o processo produtivo a fim de aplicar e remunerar uma massa crescente de capital, Lenine via aí uma forma de apro- priar-se de fontes de matérias-primas, de impor certo tipo de comércio a povos débeis, de adquirir colônias [...]. Desta forma, Lenine utilizou o essencial das idéias de Hilferding

25 “Para ela, o processo de acumulação deveria ser observado em escala mundial. destruídas as formas pré-capitalistas dentro de um país, os capitalistas desse país tenderiam a avançar para as áreas de atraso relativo, prosseguindo além-fronteiras a tarefa de liquidação dos modos pré-capitalistas de produção que já haviam concluído intramuros. a acumulação, ou seja, a expansão da economia capitalista seria inseparável da destruição de formas pré- capitalistas de produção.” (furtadO, 1983, p. 189-90)

para elaborar a tese de que a expansão colonialista do século XIX era a decorrência do próprio desenvolvimento do capi- talismo, o qual, na sua forma superior, assumiria a forma de imperialismo. (FURTADO, 1983, p. 190-1)

Furtado (1983, p. 192) reconhece a verossimilhança da explica- ção de Lênin naquele momento, mas critica, sobretudo, o fato de que na base do seu raciocínio estava “uma tese que já em sua época conflitava com a evidência histórica: a economia de um país capita- lista não se poderia desenvolver mediante a expansão de seu pró- prio mercado interno.” Com isto, aponta, volta-se ao ponto de par- tida de Rosa Luxemburgo. Para arrematar a crítica a uma e outro, Furtado (1983, p. 192) recorre a Marx:

O próprio Marx, ao sugerir que a concentração de capital constitui uma saída para evitar o declínio da taxa de lucro, estava abrindo a porta a uma constatação de alcance bem maior: o capitalismo não tende a reproduzir-se tal qual ele é, e sim a modificar permanentemente suas estruturas em função de objetivos fundamentais ligados aos interesses da classe capitalista. Em outras palavras, a evolução do capita- lismo não decorre de uma necessidade histórica, inelutável como uma lei natural; ela se realiza condicionada por deci- sões que são tomadas em função de valores definidos por grupos dominantes.

E segue, reafirmando en passant a importância das decisões de investimento dos capitalistas para a mudança estrutural:

Falar em tendência ao declínio da taxa de lucro, como algo virtual, vem a ser a mesma coisa que afirmar que, se os capitalistas não dispusessem da possibilidade de orientar o progresso técnico – introduzindo novos processos produ- tivos que modificam a eficiência dos recursos e a disponi- bilidade relativa de fatores –, de introduzir novos produtos e de condicionar os hábitos dos consumidores, o sistema

tenderia rapidamente a perder suas características atuais. (FURTADO, 1983)

Já vimos também a crítica de Furtado à lei de tendência de Marx, mas é interessante voltar ainda um pouco ao tema aqui. Referen- dando a ideia de Hilferding de que as transformações estruturais do capitalismo preparam a empresa para atuar em nível internacio- nal, insiste em que

[...] a razão última que induz a empresa a atuar no estrangei- ro é a perspectiva de uma taxa de lucro mais alta. Portanto, não é necessário que a sua taxa de lucro esteja em declínio, bastando que as perspectivas de lucros mais altos surjam em outras áreas. (FURTADO, 1983, p. 192)

Não se critica o fato histórico da tendência à queda da taxa de lucro que se verificava no momento vivido por Marx, mas a teoria que eleva esse fato à condição de lei, de condição inerente ao desen- volvimento capitalista.

Vale retornar, nesse sentido, à página 133, bem na sequência do trecho a pouco citado, e verificar a explicação do próprio Furtado para o fenômeno do imperialismo, que recorre também, de alguma forma, à tendência:

Na fase mais avançada do processo de industrialização – quando a oferta de mão-de-obra se torna pouco elástica – o

No documento Conceito de cultura em Celso Furtado (páginas 68-84)