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Teorias e argumentos para compreender os contextos

A RTESANATO P ERNAMBUCANO E S USTENTABILIDADE

2.3 D ESENVOLVIMENTO LOCAL : CONCEITOS QUE IMPACTAM NO ARTESANATO

Diferentemente de outras fibras que sofrem com a ação da água e dos fungos, a cana-brava resiste inclusive quando imersa na água, pois não perde suas características estruturais e, uma vez exposta ao sol para secar, tem vida útil duradoura. Por tais qualidades, ainda hoje é utilizada na produção de armadilhas de pesca.

Ao analisar as duas cadeias produtivas, é possível observar a vulnerabilidade da atividade em função da matéria-prima. Nas duas situações (fibra e cerâmica), as áreas de extração da matéria-prima são constantemente ameaçadas pela expansão das cidades e dos polos

industriais. Esse fato gera tensões entre proprietários, artesãos e governos e chama a atenção para os modelos de desenvolvimento e para a gestão pública principalmente no âmbito local.

2.3 D

ESENVOLVIMENTO LOCAL

:

CONCEITOS QUE IMPACTAM NO ARTESANATO

Muito embora haja dificuldades em obter informações precisas sobre o artesanato no Brasil, o contingente de pessoas envolvidas na atividade é significativo. Em 2001, dados publicados pelo Banco do Nordeste no

relatório Ações para o Desenvolvimento do Artesanato do Nordeste (BANCO DO NORDESTE, 2002) estimaram a existência de cerca de 8.5 milhões de artesãos no Brasil, sem levar em conta aqueles que participam da cadeia produtiva, como por exemplo, os envolvidos com a extração ou

beneficiamento de matéria-prima. A partir desse dado, é possível inferir que o artesanato é um importante indutor para a geração de renda, principalmente para grupos que estão localizados nas periferias ou áreas rurais, onde há poucas opções de emprego. Por outro lado, esses mesmo grupos são detentores de conhecimentos que configuram um valioso

patrimônio cultural, traduzido nas maneiras de produzir seus artefatos, fazer suas brincadeiras e devoções.

O reconhecimento do patrimônio cultural e a valorização da cultura são aspectos que foram incorporados na formulação do conceito de

desenvolvimento por pensadores que não acreditavam na dicotomia entre a cultura tradicional e inovação.

É bem verdade que, sob o ponto de vista de modelos de desenvolvimento, o tema exige uma discussão aprofundada e deve contemplar outras áreas como: economia, política, tecnologia, entre outras, que não cabem no recorte da pesquisa. Entretanto, é interessante observar iniciativas que ajudaram a compreender a relação artesanato, cultura e desenvolvimento. A relevância da experiência da Índia, citada pelo Novaes e Dias (2010), baseada no pensamento de Gandhi, voltado para a reabilitação e o

desenvolvimento de tecnologias tradicionais hindus praticadas nas aldeias, como estratégias de luta contra o domínio britânico no final do século XIX, é um exemplo. E Herrera complementa:

[....] o conceito de desenvolvimento de Gandhi incluía uma política científica e tecnológica explícita, que era essencial para sua implementação. A insistência de Gandhi na

proteção do artesanato das aldeias não significava uma conservação estática das tecnologias tradicionais. Ao contrário, implicava no melhoramento das técnicas locais, a adaptação da tecnologia moderna ao meio ambiente e às condições da Índia, e o fomento da pesquisa científica e tecnológica, para identificar e resolver os problemas importantes imediatos. (HERRERA, apud Novaes; Dias, 2010, pág. 118).

No Brasil, a construção do conceito de desenvolvimento, marcado fortemente pela dimensão cultural, é atribuída ao economista Celso Furtado. Segundo Octavio Rodrigues (O estruturalismo latino americano, apud D'AGUIAR 2013), o estudo sistemático do elo entre cultura e

desenvolvimento é um traço das pesquisas do economista. A citação de Celso Furtado “Sou da opinião de que a reflexão sobre a cultura brasileira deve ser o ponto de partida para o debate sobre as ações de

desenvolvimento” (FURTADO, 1984, apud D’AGUIAR, 2013, pág. 203), em encontro de secretários de cultura, em Belo Horizonte, em 1984, deixa clara a sua posição. Para o economista, havia a necessidade de pensar sobre um modelo de desenvolvimento mais adequado à realidade brasileira e reforça:

Uma reflexão sobre nossa própria identidade terá que ser o ponto de partida do processo de reconstrução que temos pela frente, se desejamos que o desenvolvimento futuro se alimente da criatividade de nosso povo e contribua para a satisfação dos anseios mais legítimos deste. (op. cit. pág. 202)

O estudo de Furtado Uma política de desenvolvimento para o Nordeste deu origem à criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene. A instituição considerou a importância das manifestações culturais e do artesanato como atividade econômica de impacto significativo para a ocupação e fonte de renda. Tal como foi expressa no I Plano Diretor (1961-1963) , a Diretriz XII ― Reconhecimento da necessidade de prestar 42

assistência técnica e financeira ao grupo de produtores artesanais ― inspirou

uma política de industrialização que viabilizou o estudo das atividades artesanais no Nordeste com ações focadas no melhoramento técnico, apoio financeiro e na comercialização visando ao aumento da produtividade e renda dos artesãos.

Sudene 10 Anos, pág. 115 | Anexo I do I Plano diretor (1961-1963) pág. 1.

Sob outro ponto de vista, na perspectiva do artista e designer gráfico Aloísio Magalhães, cuja importância na cena política e cultural brasileira foi marcada, dentre outras coisas, pela sua passagem como Secretário do Ministério de Educação e Cultura (1979–1982) e por sua atuação na fundação da primeira escola superior de design do País, a Escola Superior de

Desenho Industrial – ESDI, no Rio de Janeiro, a política cultural estava intrinsecamente ligada ao desenvolvimento. Aloísio perguntava:

Será que a nação brasileira pretende desenvolver-se no sentido de se tornar uma nação rica, uma nação forte, poderosa, porém uma nação sem caráter? Será que o objetivo do chamado processo de desenvolvimento é somente o crescimento dos benefícios materiais, o aumento de uma ilusória alegria e felicidade do homem através de seus bens e dos elementos de conforto material?

Segundo Aloísio, “Não tem sentido a memória apenas para guardar o passado. (...) A tarefa de preservar o patrimônio brasileiro, ao invés de ser uma tarefa de cuidar do passado, é essencialmente uma tarefa de refletir sobre o futuro” (MAGALHÃES, 1997, pág. 22). E, continuando, numa de suas famosas provocações, à pergunta “E Triunfo?” (op. cit. pág. 49), “exprimia sua preocupação com o papel que os bens culturais devem desempenhar no processo de desenvolvimento do País” (op. cit. pág. 15).

Diante da necessidade de aliar preservação e desenvolvimento, Aloísio desenvolvia argumentos para lidar com a tensão entre o global e o local. A sua frase “A homogeneidade é uma inverdade” sintetiza a ideia de

globalização como resultado de intenso pluralismo e respeito a diferenças e combate a monopólios culturais. E complementa a argumentação

afirmando: “o universal não é igual”, acreditando no poder criativo local, ressaltando aqueles procedentes do saber popular, pois “é a partir deles

que se afere o potencial, se reconhece a vocação e se descobrem valores mais autênticos de uma nacionalidade”.

A discussão local–global no contexto da pesquisa visa aproximar o conceito de desenvolvimento e cultura a partir da realidade das comunidades

produtoras de artesanato. Os estudos e experiências do pesquisador Sérgio Buarque auxiliam a compreensão de metodologias de planejamento que consideram o desenvolvimento local e municipal. Segundo o autor:

O desenvolvimento local pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos

humanos. Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as

oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade 43

da economia local; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base mesma das suas potencialidades e condição para

qualidade de vida da população local. Esse

empreendimento endógeno demanda, normalmente, um movimento de organização e mobilização da sociedade local, explorando as suas capacidades e potencialidades próprias, de modo a criar raízes efetivas na matriz socioeconômica e cultural da localidade. (Buarque, 2004, pág. 25)

A competitividade (vantagem competitiva), contudo, não pode ser considerada como dado

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definitivo e inelutável, mas como algo a ser construído nas condições concretas de cada realidade. Por não se limitar ao tradicional conceito de vantagens comparativas clássicas, ligadas a dotações de recursos naturais e vocações dadas, a vantagem competitiva é um processo permanente de construção e reconstrução. (BUARQUE, 2004)

O desenvolvimento local implica num ambiente de inovação e aprendizagem social, que incorpora novos paradigmas , entre eles, a sustentabilidade, 44

que é decorrente de uma maior consciência da sociedade acerca dos problemas sociais e ambientais. Para operar num ambiente complexo, de forma ordenada, de modo a interferir na realidade, pensando no futuro, faz-se necessário o uso do planejamento (CARDOSO; CUNHA; GUIMARÃES, 2005 b), instrumento que, de acordo com Ingelstam, “representa a forma da sociedade exercer poder sobre o seu futuro, rejeitando a resignação e partindo para iniciativas que definam o seu destino” (BUARQUE, 2004, pág. 81). Participativo e estratégico, o planejamento é, portanto, um

instrumento que auxilia na organização da ação dos atores e agentes, contribui para criar convergências e articulações e, de forma sistematizada, aproxima os cidadãos da sua realidade.

A aproximação entre os conceitos de desenvolvimento e cultura, assim como o reconhecimento de ferramentas de gestão, como por exemplo o planejamento, é a base para o entendimento da relação entre artesanato e design no contexto da sustentabilidade, tratado a seguir.