Teorias e argumentos para compreender os contextos
A RTESANATO P ERNAMBUCANO E S USTENTABILIDADE
2.4 S USTENTABILIDADE PARA O DESIGN E O ARTESANATO
As discussões sobre o crescimento e futuro do planeta, por algum tempo, foram ancoradas em posicionamentos diametralmente opostos; uns consideravam desnecessária a preocupação com o meio ambiente, pois apostavam na abundância dos recursos naturais, enquanto outros, mais pessimistas, viam no crescimento demográfico e no consumo uma grande ameaça, devendo ser estagnados para evitar a destruição do planeta.
Paradigma social, segundo Thomas Kuhn, “é uma constelação de concepções, de valores, de
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percepções e de prática compartilhada por uma comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza” (Buarque, 2004, pág. 18).
A abordagem do professor Sachs a respeito das posições extremadas pondera que, entre o “economicismo arrogante e o fundamentalismo 45
ecológico” (Sachs, 2009, pág. 52), há de se definir estratégias de desenvolvimento que considerem padrões negociados e contratuais na gestão da biodiversidade. Este, segundo o autor, é o “caminho do meio”, que modela um outro desenvolvimento:
[....] endógeno (em oposição à transposição mimética de paradigmas alienígenas), autossuficiente (em vez de dependente), orientado para as necessidades (em lugar de direcionado pelo mercado), em harmonia com a natureza e aberto às mudanças institucionais. (Sachs, 2009, pág. 53)
Essa nova alternativa está fundamentada na harmonização dos objetivos sociais, ambientais e econômicos, denominada desenvolvimento
sustentável ou ecodesenvolvimento , que remetem a estratégias 46 47
economicamente eficazes, ecologicamente prudentes e socialmente equitativas, como afirma Sachs (Sachs, 2007). Ao mesmo tempo, o autor adverte que “estamos sendo desafiados a formular planos de ação muito mais concretos e precisos em termos de recursos e prazos ― e isto sem esperar mais por avanços significativos no âmbito das negociações internacionais” (op.cit. pág. 23).
O economicismo, sendo uma visão unilateral da realidade, não considera as demais visões
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da sociedade, enfocando somente a produção e produtividade econômicas. Na literatura econômica, inclusive em certas abordagens que deturpam o marxismo, encontra-se frequentemente esse viés. No plano prático, a visão economicista implica na concepção de políticas de desenvolvimento embasadas apenas no crescimento da economia. Assim, perde de vista a importante concepção de totalidade dinâmica. (MONTIBELLER FILHO, 1993)
Relatório Brundtland, de 1987, da Comissão. Mundial sobre Meio Ambiente e
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Desenvolvimento, retoma o conceito de Desenvolvimento Sustentável, dando-lhe a seguinte definição: "desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades" (Raynaut e Zanoni, 1993, apud Monibeller 1993, pág.135).
Trata-se, portanto, o Ecodesenvolvimento, de um projeto de Civilização, na medida em que
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evoca: um novo estilo de vida; conjunto de valores próprios; conjunto de objetivos escolhidos socialmente; e visão de futuro (apud Monibeller 1993, pág. 133). https://periodicos.ufsc.br/ index.php/economia/article/viewFile/6645/6263. Acesso em 18 de novembro de 2014.
Outros autores também compartilham a crença de que a aplicação dos princípios do ecodesenvolvimento pode inspirar experimentações que despertem a capacidade latente que possuem as comunidades de
interpretar seus próprios problemas, sua base de recursos naturais, suas necessidades e aspirações, e de dar forma ao projeto de tentar responder a tais desafios minimizando os custos sociais e ecológicos correspondentes (Ossa, 1989; Sauvé, 1996; Friedmann,1999; Gadgil, 1999; Morin,1995, apud VIEIRA, 2007).
De acordo com essa perspectiva, o desenvolvimento requer o planejamento local e participativo, no nível micro, das autoridades locais, comunidades e associação de cidadãos, para atuar num modelo de gestão negociada e contratual dos recursos.
É bem verdade, como afirma Sachs (2009), que o conceito de recurso é cultural e histórico. O conhecimento e a técnica alteraram a definição de recursos, bem como suas relações de dependência e descarte no passado hoje e certamente alterarão no futuro. Esse é o movimento do progresso, em que, segundo Sachs, “a tecnologia constitui o lugar privilegiado, no qual podem virtualmente se harmonizar as três aspirações de equidade social, de prudência ecológica e de eficácia econômica” (op.cit. pág. 211).
É possível que, como afirma Manzini (2008), o processo de mudança na direção da sustentabilidade, a partir do questionamento do complexo sistema sociotécnico no qual as sociedades industrias estão baseadas, faça surgir um novo sistema, em que o design pode ter um papel significativo, pela própria natureza da atividade, que “ligando o tecnicamente possível com o ecologicamente necessário, faz nascer novas propostas que sejam social e culturalmente apreciáveis” (MANZINI& VEZZOLI, 2004, p. 20). Nesse contexto, a construção do futuro parte de uma visão negociada em
diferentes dimensões: a física, que considera os fluxos de matéria e
energia; a dimensão institucional, que diz respeito ao universo das relações entre os atores sociais, além das dimensões éticas, estéticas e culturais em
que se baseiam os critérios de valor e juízos de qualidade que socialmente legitima o sistema, como complementa e advoga o autor:
[....] designers, justamente por serem atores sociais que, mais do quaisquer outros, lidam com as interações cotidianas dos seres humanos e seus artefatos. São precisamente tais interações, junto com as expectativas de bem-estar a elas associadas, que devem
necessariamente mudar durante a transição rumo a sustentabilidade... Seu papel específico na transição que nos aguarda é oferecer novas soluções a problemas, sejam velhos ou novos, e propor seus cenários com tema em processos de discussão social, colaborando na construção de visões compartilhadas sobre futuros possíveis e
sustentáveis. (MORAES apud MANZINI, 2008, pág. 16)
Para fazer face a esse desafio, o conceito de projeto de design foi
inevitavelmente ampliado, incorporando abordagens de diferentes áreas, como afirma Lia Kruchen:
[....] a partir da década de 80, como: “produto ampliado, introduzido pelo economista Levitt (1990); “sistema produto”, formalizada na década 90 por Manzini (2004) e Mauri (1996), situando o projeto entre os sistemas de produção e de consumo e incorporando o serviço ao produto; “sistema produto-serviço”, evidenciando a questão da sustentabilidade do modelo de produção e de consumo; e “sistema design” que destaca a importância do design para o desenvolvimento de um território. (MORAES; KRUCHEN; 2008, pág. 26)
Nessa diretriz, cada vez mais se observa o interesse do design em compreender os recursos locais, aqui incluídos os produtos, os conhecimentos e as pessoas em seus contextos e territórios. Essa
aproximação é reconhecidamente a fonte de inspiração para a participação dos designers no desenho de novos modelos de desenvolvimento e ao mesmo tempo uma ampliação do seu espaço de atuação. A este fato se associa a afirmação Dijon de Moraes:
No início deste milênio, assistimos ao aumento da
demanda por produtos autóctones e à valorização da arte e engenho regionais, com o referencial histórico local materializado em forma de artefato. Ocorre em paralelo o ressurgimento do artesanato como meio de produção possível e de poética própria, a demonstrar que tudo isso, ao mesmo tempo, completa e contrapõe a relação local- global instituída pelo processo de globalização. (MORAES, apud KRUCKEN 2009, pág. 10)
A valorização do artesanato, apontada por Moraes, associada às tendências das pesquisas em design, a partir de estudos de novas estratégias e
metodologias projetuais voltadas para a inovação social e a
sustentabilidade, renova nos designers e pesquisadores o interesse pelo ambiente artesanal. Ao mesmo tempo, faz com que repensem o papel do design, estimulados, principalmente, pelas realidades complexas e contraditórias como, por exemplo, a realidade brasileira: cujas riquezas naturais e culturais se contrapõem a uma população com baixo índice de escolaridade e governos com pouca capacidade gerencial. Os desafios encontrados neste contexto impõem aos designers o conhecimento e uso de ferramentas de gestão. Esse é o tema a ser tratado no capítulo
Por se tratar de um tema ainda recente, é necessário apresentar as
perspectivas defendidas pelos principais autores, bem como pontuar fatos, eventos mais relevantes para contextualizar sem pretender realizar
abordagem histórica. O capítulo também discute as formas de atuação e função do designer em organizações e empresas. Modelos de gestão de design ilustram as relações entre design e gestão em ambientes
industriais, que buscam nesta relação a melhoria da competitividade. O enfoque nas micro e pequenas empresas permite recortar do ambiente industrial aquele segmento que mais se assemelha ao artesanato, interesse da pesquisa.