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Caminhos para uma aproximação com a realidade

E STUDO DE CASO : O L ABORATÓRIO O I MAGINÁRIO

5.2 C ONCEIÇÃO DAS C RIOULAS : A INSPIRAÇÃO PARA O DESENHO DO MODELO

Conceição das Crioulas está situada no Sertão Central de Pernambuco, área de caatinga, região do semiárido, no município de Salgueiro. Sua população é estimada em 4 mil habitantes, envolvidos em atividades econômicas que variam da agricultura de subsistência à pequena criação de animais ou à produção artesanal com fibras naturais, palha e barro.

A história da comunidade, contada pelos antigos, diz que, no início do século XIX, seis negras chegaram à região e arrendaram uma área de três léguas. Com a produção e comercialização do algodão, pagaram e

conseguiram o título de posse das terras arrendadas. Essa é a história contada nos diversos sítios ou povoados que integram Conceição. O nome Conceição é atribuído à imagem de Nossa Senhora da Conceição, trazida por Francisco José, que, ao encontrar com as crioulas, teve a ideia de construir uma capela, tomando a santa como sua padroeira. Essa é a história da fundação do povoado de Conceição das Crioulas.

Diferentemente de outras comunidades quilombolas, que associam sua origem à condição de escravos, Conceição referencia a imagem das crioulas ao poder, autonomia que se reflete na articulação entre os sítios e a

capacidade político-organizativa da comunidade.

Contudo, a questão fundiária em Conceição das Crioulas ainda é um

problema a se resolver. Mesmo que reconhecida pelo Governo Federal como uma das primeiras comunidades remanescentes de quilombos, tem a posse de apenas 30% do seu território, com algumas fazendas de posseiros em processos de desapropriação.

A ação em Conceição das Crioulas esteve em sintonia com o foco central do Departamento de Cultura da Pró-Reitoria de Extensão da UFPE (UFPE, 1999-2003), que compreendia a cultura como um fator de inclusão social e desenvolvimento sustentável. Portanto, as ações estavam voltadas para a

valorização, o resgate e a manutenção de produções que estivessem em via de desaparecimento, bem como o fortalecimento das comunidades e suas redes de articulação.

A parceria entre UFPE (projeto Imaginário Pernambucano na época), a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas – AQCC, e a Prefeitura de Salgueiro foi fundamental para iniciar um diagnóstico, que vislumbrou na cultura material e imaterial local oportunidades de desenvolvimento da 61

comunidade. Profissionais e estudantes das áreas de design, música, dança, história, associados ao saber daqueles mais velhos, com habilidades na produção em fibra, barro e palha, estabeleceram e negociaram as bases convergentes para o início dos trabalhos.

A presença da equipe in loco foi fundamental para reconhecer as

articulações, as redes de confiança e interesses que dariam condições para a negociação do esboço do plano de ação, cujo objetivo era “colocar para o mercado a riqueza cultural material de Conceição das Crioulas, associada ao fortalecimento da identidade étnica, a história e a luta pela posse das terras” (VEIT, 2005, pág. 120).

Em pequenos grupos, os artesãos discutiam questões específicas de produção, processos, qualidade e gestão da produção, sem perder de vista as referências culturais, as tradições, explorando as habilidades dos artesãos e os limites dos materiais.

O impacto dos resultados com cerca de 500 peças apresentadas na II Feira Nacional do Negócio do Artesanato – Fenneart, em Julho de 2001, no Recife, além das encomendas recebidas durante a feira, foi avaliado na fala de Aparecida Mendes, artesã e coordenadora da AQCC. “Foi um sucesso, fiquei

Cultura Material consiste em coisas materiais, bens tangíveis, incluindo instrumentos,

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artefatos e outros objetos materiais, fruto da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Abrange produtos concretos, técnicas, construções que regularizam seu emprego. Cultura Imaterial refere-se a elementos intangíveis da cultura, que não têm substância material. Entre eles encontram-se crenças, conhecimentos, aptidões, hábitos, significados, normas, valores.

muito orgulhosa, e daqui pra frente vamos trabalhar com mais garra” (idem).

Os produtos em fibra de caroá e imbira ganharam novas cores,

acabamentos e novos modelos. Entre eles, jogos americanos, que passaram a ser chamados de jogos africanos. A produção da cerâmica utilitária

cresceu com a participação dos aprendizes. Um produto, entretanto, foi o que mais chamou a atenção: as bonecas negras feitas em caroá. As bonecas eram produzidas por uma única artesã, desde o início do projeto, sem, entretanto, ter semelhança a qualquer pessoa da comunidade. A

oportunidade de relacionar as bonecas a figuras importantes do cotidiano de Conceição das Crioulas fez toda a diferença. As bonecas ganharam nome, alma. Uma oficina com 20 jovens possibilitou a criação de 10 bonecas, entre elas a de Francisca Ferreira, em homenagem a uma das seis crioulas

fundadoras da comunidade.

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A valorização da história traduzida no produto transcendeu a forma, incluiu processos de produção sustentáveis (tingimento utilizando recursos

naturais da caatinga), a embalagem e a marca da comunidade. O efeito foi o reconhecimento da experiência pelo Banco Mundial e Comunidade Ativa, como uma das cem melhores experiências sociais inovadoras do País, no I Encontro Nacional de Experiências Sociais Inovadoras, realizado em Brasília, ganhando o I Prêmio Banco Mundial de Cidadania, em 2002, no valor de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares), revertidos na aquisição de uma sede e compra de insumos para produção e embalagens.

Imagem 09 Bonecas de Conceição das Crioulas – acervo Laboratório O Imaginário.

A exposição e articulação de novas parcerias abriram espaços, inclusive internacionais. A participação no 14º Salão Internacional de Alimentação Natural, Saúde e Ambiente – Sana, apresentou às artesãs de Conceição das Crioulas novas oportunidades e colocou em contato com outros mercados, entre eles, o mercado ético e solidário.

A experiência em Conceição das Crioulas envolveu cerca de 180 artesãos, direta e indiretamente, incluiu ações de registro das bandas de pífanos Cabaçais, de origem africana, a dança do trancelim, de origem portuguesa, e levantamentos da história oral. Essa abordagem permitiu compreender mais completamente o contexto do local, a realidade das pessoas, e, compartilhando com outros profissionais, identificar as grandes causas e aspirações da comunidade. Conceição das Crioulas foi, sem dúvida, a grande inspiração para criação do modelo de atuação do Imaginário.