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Teorias e argumentos para compreender os contextos

D ESIGN E A RTESANATO NO B RASIL

1.1 R ELAÇÕES DE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

A relação design–artesanato no Brasil tem atraído a atenção de profissionais e professores de diferentes áreas de conhecimento, cujas discussões

muitas vezes refletem perspectivas diferentes, umas favoráveis, outras mais reativas à aproximação design–artesanato.

Aqueles reativos defendem a preservação do objeto e de seus modos de fazer, compreendendo que o artesanato, considerado tradicional ou de raiz (MASCÊNE; TADESCHI, 2010), reflete um passado que deve ser preservado. Ricardo Lima é um exemplo dessa corrente. Antropólogo com atuação em pesquisa e coordenação de instituições voltadas para cultura popular, indaga: “Não sei por que o designer no Brasil se recusa tanto a assumir a tradição, por que sempre condiciona o sucesso mercadológico do produto artesanal à criação do novo” (CADERNOS ARTESOL 1, pág. 20).

Outros entendem que essa aproximação é uma alternativa estratégica para ampliar a venda do artesanato e a renda do artesão, como afirmava Janete Costa, arquiteta pernambucana: “[....] estou preocupada com a venda... e tenho a certeza que arquitetos e designers sabem perfeitamente o que pode ser mais consumido, o que pode sair em maior

quantidade” (Artesanato, Produção e Mercado, 2002, pág. 44).

É certo que as argumentações não encerram a discussão da relação design– artesanato, mas ao contrário provocam questões outras, que podem ser associadas às origens do design. Sem pretender fazer uma análise histórica, é possível identificar, nas antigas corporações de ofício (AVAREZ; BARRACA, 1997), organizações medievais que detinham o domínio da técnica e da organização da produção, os primeiros indícios do design. É fato,

entretanto, que a transição entre os modelos de produção artesanal e a produção fabril geraram tensões com o afastamento do artesão do

processo de produção. Entendido por alguns autores como um

distanciamento entre arte e técnica, expressa por um lado o aumento da produtividade e, por outro, a falta de esmero e qualidade de criação apontada nos primeiros objetos produzidos em série. Segundo o arquiteto Charles Cockerell: “O intento de substituir o trabalho da mente e da mão por processos mecânicos, em nome da economia, terá sempre o efeito de degradar e, em última instância, de arruinar a arte” (Niemeyer, 1988, pág. 32).

A busca do equilíbrio entre a arte e a técnica inspirou artistas e pensadores da sociedade industrial, como John Ruskin e William Morris, a discutirem e buscarem alternativas ora no resgate dos valores espirituais medievais, na revalorização das artes e ofícios, ora na crítica às condições de trabalho. Ao afirmar “é impossível dissociar a arte da moral, da política e da religião”, Morris (Pevsner, 1962, apud Niemeyer, pág. 33) resume o pensamento que representou no movimento Arts and Crafts o entendimento da relação entre trabalho manual e a boa qualidade de produtos.

A demanda da sociedade industrial, principalmente na Alemanha, com a introdução de máquinas e ferramentas em pequenas oficinas,

impulsionadas pela Werkbund , aproximaram arte e design na busca de 15

uma nova estética, incorporando na configuração dos artefatos

componentes industrializados. A tensão entre a arte e a técnica, agora refletida na relação design-artesão, também foi o tema da exposição Arte e Técnica, a nova unidade, realizada pela Bauhaus . A exposição expressou a 16

defesa de fatores estéticos mais adequados à produção industrial, mas ao mesmo tempo compartilhou a crença de que

Werkbund – Associação de Artes e Ofícios – DWB, organização criada em 1907 cujo objetivo

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era desenvolver a aliança entre a arte e a indústria, para expressar a supremacia da Alemanha como uma nação industrial. (Niemeyer, 1998)

Escola fundada em 1919 na Alemanha com o objetivo de unir arte e técnica voltadas para

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[....] deveria ser formado o profissional que reunisse as competências necessárias para proceder a passagem do artesanato para a indústria, de utilizar os meios de produção industrial para inserir arte no cotidiano da coletividade” (Grophius apud Niemeyer, 1998, pág. 43).

O breve contexto da relação design–artesanato permite compreender quão distintos dos centros desenvolvidos foram os caminhos do artesanato e do design no Brasil. Essa questão é discutida por Dijon de Moraes em

profundidade e auxilia a entender os percursos e os percalços do processo de industrialização brasileira. Apontamos questões próximas à pesquisa: a ausência de corporações de ofício no País, pois fragilizou “o artesanato como corpo social”, como afirmou Lina Bo Bardi (MORAES, 2006, pág. 66); os impedimentos advindos de políticas de colonização portuguesa, que retardaram o processo de industrialização do Brasil (idem, pág. 69); e a influência da Bauhaus na formação do design no Brasil, “que acabou contribuindo para a consolidação de uma atitude de antagonismo dos designers com relação à arte e ao artesanato”, como afirmou Rafael Cardoso Denis (apud BORGES, 2011, pág. 33)

Pois, se as profissões têm uma origem tão próxima, e no Brasil ambas tiveram dificuldades para se estabelecer, quais são as divergências, ou melhor, o que levou ao distanciamento? Possivelmente, para se afirmar enquanto profissão, se distinguindo de outras atividades que também geram artefatos móveis. Esse argumento é defendido por Denis ao afirmar que “tem sido anseio de alguns designers se distanciarem do fazer

artesanal..." (DENIS, 2000, pág. 17), demarcando o seu território no ambiente industrial. Denis complementa: “Design, arte e artesanato têm muito em comum e hoje, quando o design já atingiu uma certa maturidade institucional, muitos designers começam a perceber o valor de resgatar as antigas relações com o fazer artesanal” (DENIS, 2000, pág. 17). É fato, percebe-se não apenas o interesse de designers, mas também o incentivo

de governos por meio de políticas e programas que fomentam essa aproximação.

O interesse na relação design–artesanato na atualidade é apontado também por Bonsiepe (2011), que insere o tema na discussão identidade–

globalização, a partir da sua experiência na América Latina. De acordo com o autor: “O crescimento do uso dos recursos locais em relação ao design e a criação de identidade (dentre eles: os motivos gráficos, combinações cromáticas, materiais e processos de produção intensivos em mão de obra) é uma realidade principalmente nos países periféricos" . De acordo com a 17

sua perspectiva, essas atividades situam-se no setor informal da economia, fazem uso de processos simples com pouco investimento de capital e para serem estudadas devem levar em conta as posturas que se traduzem na relação de poder designer–artesão.

O autor aponta posicionamentos que contemplam diferentes enfoques: o conservador, por exemplo, que busca proteger o artesão de qualquer influência do design, almeja manter o artesão num estado puro. Essa postura em geral é defendida por antropólogos e sociólogos visando a preservação da tradição cultural. Por outro lado, ao considerar o artesão como fonte de mão de obra qualificada e barata, alguns designers fazem uso dessa mão de obra para produzir objetos desenvolvidos e assinados por designers e artistas. Há outros que tomam os produtos locais dos artesãos como referência para criação de um design latino-americano. Existem ainda aqueles que exercem a função de mediadores e fazem a intermediação entre a produção e a comercialização dos produtos artesanais. O enfoque promotor da inovação é defendido por aqueles que atuam em favor da autonomia dos artesãos para a melhoria das suas condições de vida. Nas suas considerações, Bonsiepe (2011) faz críticas contundentes, reveladoras

O conceito de periferia, no sentido político, não no sentido geográfico, envolvendo aquele

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grupo de países que já foi denominado pejorativamente de “países em desenvolvimento”, ou, pior ainda, “países subdesenvolvidos” (Bonsiepe. pág. 46)

de ações nada ingênuas nas relações de dominação e poder de designers sobre artesãos.

Com certeza há de se contar com a ética, o conhecimento, a sensibilidade e a competência do designer para reconhecer os valores, as crenças e

culturas que o artefato artesanal encerra, para buscar no formato mais adequado a tradução da “boniteza torta”, expressão utilizada por Cecília Meireles, para retratar as bordas irregulares e vidrados escorridos do artesanato.

É um consenso que a relação design–artesanato precisa ser cuidadosa e que há de se considerar o artefato no conjunto do seu contexto,

observando os direitos de autoria do artesão.

Entretanto, esse é um espaço aberto para debates, pois envolve visões e conhecimentos de campos diversos. Contudo, não se pode deixar de reconhecer a atual valorização dos artefatos artesanais nos mercados e como esta tendência pode ser uma oportunidade de melhoria da qualidade de vida para um contingente significativo de brasileiros artesãos. Esse é um aspecto; designers, sociólogos e antropólogos não terão como discordar.