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Consultorias X X X X Foco da ação

A CERÂMICA E O C ABO DE S ANTO A GOSTINHO

5.6 T ECNOLOGIA E S USTENTABILIDADE : NEGOCIANDO NOVOS MODOS

DE FAZER

No Cabo, a tecnologia foi o motivo mobilizador e o grande desafio. Ao reconhecer o desafio, o modelo foi ajustado para a situação, observando que a intervenção deveria garantir a valorização da cultura local, o respeito às diferenças e a construção de um projeto coletivo para dar conta do objetivo maior, qual seja, a melhoria da qualidade de vida da comunidade em foco.

A abordagem psicossociológica foi o enquadramento teórico utilizado para 65

tratar as questões relacionadas à gestão e, nessa perspectiva, foram consideradas as dimensões econômica, política, ideológica e

sociopsicológica para lidar com a realidade nos seus diferentes níveis, o individual, o de grupo, a organização e o macroambiente.

Para pôr em prática a ação, entendendo ser este um processo de mudança com resultados não assegurados, foi utilizado como ferramenta o

planejamento estratégico , implementado a partir de encontros semanais, 66

quando as informações eram compartilhadas, alimentando um ambiente de experimentos, aprendizado vivenciado pelos técnicos e artesãos. Erros e acertos foram discutidos e reelaborados de forma transparente para o conforto de todos os participantes. Assim, a cada reunião, quando eram sinalizadas novas necessidades, o plano de ação tomava novas dimensões, sem perder de visa o desafio inicial: “Manter e ampliar o grupo,

comprometido com o projeto, investindo em qualidade e diversificando a sua produção para ampliar a inserção dos seus produtos no mercado.

Psicossociologia, disciplina que se situa num espaço virtual entre a Sociologia

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(conhecimentos sobre o social), a Psicologia (saber sobre os processos psíquicos e comportamentos individuais) e a Psicologia Social (estudo sobre o psiquismo e o

comportamento de grupos). Com a psicossociologia, os conceitos psicanalíticos puderam ser articulados a outros, no campo social, permitindo uma nova construção sobre os vínculos organizacionais, especialmente sobre o desenvolvimento das relações de poder, trazendo uma abordagem inovadora à Teoria das Organizações. (CARDOSO; CUNHA, 2001).

Uma metodologia como ferramenta que permite construir, de modo compartilhado, uma

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concepção de futuro desejado por um grupo e uma agenda de trabalho para fazer acontecer esse futuro. (CARDOSO; CUNHA, 2005) (b)

Consolidar e ampliar os apoios institucionais” . (ver anexo III – Projeto de 67

Transferência Tecnológica para o desenvolvimento da produção cerâmica em Pernambuco. Ata de reunião realizada em 23 de novembro de 2005, junto aos artesãos Ceramistas do Cabo – realizada no Mauriti).

Algumas questões, como: a forma empírica de calcular os custos e preços das peças, as relações do grupo com os poderes locais, a comunicação entre os artesãos, lidar com as incertezas da extração da argila, entre tantos outros, foram, naquela época ― e algumas continuam sendo ―, objeto de discussão.

A convivência com o grupo, ao longo desses anos, tem mostrado que o barro e torno fascinam o artesão, pois antes de tudo é um criador. A sedução da criação em contraponto a outras atividades, como, por exemplo, a gestão, somada a dificuldades, até mesmo de leitura, são desafios enfrentados, cada um a seu tempo, tanto pelos artesãos como pela equipe do Laboratório O Imaginário.

“Por que eu trabalho tanto e ganho tão pouco?” , pergunta feita pelo 68

artesão José Rogaciano a partir de uma constatação prática, foi o motivo para levantar outras questões que faziam refletir sobre a organização dos espaços de trabalho, a qualidade da matéria-prima, a queima e as peças trabalhadas. A estratégia de responder a partir de uma demanda foi a solução para garantir que o assunto tratado correspondia ao interesse dos artesãos, e assim superar a reação do artesão em participar de reuniões, discutir e para buscar soluções coletivas. Ao optar pelo formato, as informações chegavam com uma reflexão mais crítica, aumentando a possibilidade de serem absorvidas ao cotidiano do grupo.

O desafio estratégico foi construído com o grupo a partir das discussões sobre planejamento

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estratégico e utilizando a ferramenta Swot. Documento acervo Laboratório O Imaginário. Em visita semanal à comunidade, a equipe do Laboratório tinha oportunidade de conversar

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informalmente com os artesãos, e a pergunta foi feita à Profa. Germmanya D’Garcia, que a utilizou como argumento para analisar e alterar o layout do espaço produtivo.

Conciliar os limites tecnológicos, habilidades individuais, as referências locais à ampliação de repertório formal foi decisivo para a criação de novos produtos, que buscaram um diálogo respeitoso entre tradição e inovação sem, entretanto, esquecer o mercado, sofisticado, exigente e

contemporâneo.

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A ampliação das parcerias foi uma consequência natural. O estudo da argila, suas características plásticas e os ensaios sobre a capacidade de absorção de água, porosidade, retração, tensão de ruptura e suas

variações, em função da temperatura de queima, foram feitos com a ajuda do Instituto Tecnológico de Pernambuco ‒ Itep, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai ‒ PE. Os resultados favoráveis se

confirmaram. (SILVA 2014).

Para iniciar o processo de vitrificação, aspiração inicial dos artesãos, os problemas de beneficiamento e queima precisavam ser resolvidos.

Imagem 12 Alguidar – acervo Laboratório O Imaginário. Imagem 13 Produtos gerados a partir do alguidar – acervo Laboratório O Imaginário.

Novamente as parcerias, agora com Banco do Nordeste do Brasil – BNB, a Companhia Pernambucana de Gás ‒ Copergás, e a Prefeitura permitiram a aquisição de um forno, maromba, laminadores e a instalação de dutos para alimentação de gás natural, no local construído pela Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho para sediar o Centro de Artesanato do Cabo Arqto. Wilson de Queiroz Campos Júnior.

É preciso lembrar que o antigo espaço Mauriti, situado na área central do Cabo, não tinha as condições necessárias de acessibilidade e espaço físico para instalação dos equipamentos. O novo espaço foi projetado pela Prefeitura, segundo recomendações técnicas fornecidas pelo Imaginário, com o objetivo de ser uma referência para a construção de espaços para a produção artesanal em cerâmica no Estado.

! ! Imagem 14 O Mauriti e o Centro de Artesanato. Arqto. Wilsom de Queiroz Campos Júnior.
 Arcevo - O Imaginário Imagem 15 Imagens externas e internas do Centro de Artesanato. Arcevo - O Imaginário

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O esforço dos artesãos, parceiros e Universidade para retomar o patamar da cerâmica no Cabo teve que contrapor a repercussão negativa do intervalo dos anos 70 e 90, que provocou o desinteresse do pessoal mais jovem e de muito artesãos, como relatou o Sr. Celé:

[....] foi se expandindo, né, foi crescendo aqui e cheguei a um ponto de ter uma área, uns três anos que eu tava aqui, eu já tava com mais de mil metros de área coberta, mil metros quadrado de área coberta fabricando. E tinha vários fornos aqui, queimando. Todos os dias a gente queimava peças aqui. E cresceu, cresceu, cresceu e eu cheguei ao ponto de trabalhar com 56 pessoas, mas só que depois veio a dificuldade. Vieram as dificuldades da argila, da lenha, a entrada do Ibama, depois que Suape comprou aquela área todinha, onde extraía o barro, aí vieram as dificuldades. Eu cheguei ao ponto de parar isso aqui. Eu já estava querendo ir embora, voltar pra o Ceará ou pra Bahia, eu queria ir embora. Aí o prefeito Elias Gomes ouviu, soube que eu queria ir embora, aí mandou me chamar e formou essa Associação dos Ceramistas do Cabo, que através da Associação a gente tinha força de arrumar

Imagem 16 Espaço Mauriti: Espaço externo e olarias

o barro. Aí, pronto, através da Associação ele nos levou ao governador... 69

Continuando Sr. Celé:

[....] isso em oitenta... se eu não me engano foi em oitenta e três ou oitenta e cinco. Parece que foi... foi, ficou

formado mesmo em oitenta e cinco. Em 1985. E o

governador enviou a gente à Suape, e na época era o Cel., o presidente de Suape era o Cel. Alteniense, parece, não me lembro bem o nome. Era o... E sei que eles arrumaram o barro, né, concessão pra gente tá tirando, extraindo o barro, por dez anos. Depois de dez renovava o contrato, outro contrato. E depois que passou esses dez anos já foi outros... outro presidente, outra gestão lá de Suape e começou as políticas, né, empatava o barro e aquela agonia, e o Ibama também perseguindo muito sobre a lenha, que não ia existir mais lenha. Aí vieram as

dificuldades. Eu já querendo desistir também, novamente, foi que veio, surgiu o projeto Imaginário, né? Veio o

projeto Imaginário. Aí, já que a gente já tava muito cansado, já com vontade de desistir, mas assim mesmo o projeto deu uma alavancada e cresceu as vendas através da inovação dos produtos, que veio através do Imaginário e conseguimos ainda passar vários anos. E aí surgiu também esse projeto do...Centro de Artesanato. (idem)

O depoimento do Sr. Celé revela as dificuldades vivenciadas pelo

Laboratório para agilizar parcerias e competências necessárias para dar

Entrevista realizada pela pesquisadora no espaço Mauriti em 17 de agosto 2014.

soluções aos diferentes aspectos que envolvem a cerâmica artesanal. No caso da esmaltação, a parceria com Senai ‒ Mário Amato, em São Paulo, permitiu os primeiros desenvolvimentos de esmaltes naturais, sem a presença de chumbo. A vinda de estudantes do curso técnico, na modalidade de bolsistas para estágios acadêmicos, gerou o

desenvolvimento de esmaltes naturais de baixa temperatura e a realização de oficinas para o repasse da técnica. A parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia aportou recursos para compra de equipamentos de laboratório e matéria-prima e foi fundamental para a realização da ação. Um outro aspecto observado a partir da convivência com os artesãos foram os problemas de saúde advindos do uso do torno. No torno tradicional, o posicionamento do eixo de rotação é central e incomoda o artesão ao acionar o disco da base com o pé. Para evitar o eixo entre as pernas, sentado lateralmente, o artesão adquire problemas posturais que se transformam em problemas sérios de saúde. Utilizando conhecimentos de ergonomia, mecânica e design, e com a participação dos artesãos, foi desenvolvido um torno elétrico, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Foram reproduzidas seis unidades, que estão instaladas no Centro de Artesanato Wilson de Queiroz Campos Júnior, localizado na PE-60 e relativamente próximo ao espaço original, Mauriti.

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O município também abriga várias indústrias cerâmicas cujos resíduos poderiam ser agregados à argila natural. Uma delas, a Cerâmica Porto Rico, disponibilizou o material para estudos e, somado à argila no estado natural,

Imagem 17 Torno desenvolvido pelo Laboratório O Imaginário – acervo Laboratório O Imaginário.

alterou características de plasticidade, porosidade e resistência, que tornaram a mistura semelhante a um vidrado. O material resultante é indicado para uso em produtos utilitários de mesa, pois atende as exigências sanitárias e abre um leque de oportunidades de negócios em função da vocação turística do município. Vale notar também os benefícios ambientais, com a economia do recurso natural da jazida e o

aproveitamento de resíduos.

As ações mostram que é preciso tratar o artefato com um olhar mais amplo, observando os aspectos do uso, da forma, seus significados e compreender o ambiente em que é produzido, levando em consideração os aspectos sociais, econômicos e ambientais. Portanto, essa é uma forma de abordagem em que o tempo é também um desafio. Como pode ser

constatado no discurso de Sr. Celé:

[....] construir o Centro, mas só que passou muito tempo pra ficar pronto esse projeto, todo o processo. Aí faleceu um oleiro ...o Abiude... e outros foram embora, e foi... e eu... o Centro, quando veio ficar todo pronto, aí veio a doença da minha esposa, eu fiquei impossibilitado de trabalhar, o Cleber também adoeceu, aí não tivemos mais condições de prosseguir.

Uma nova oportunidade com a aprovação do projeto apresentado pelo Laboratório ao Programa Petrobrás Desenvolvimento e Cidadania, em 2013, possibilitou uma outra forma de implementação do modelo. A participação do artesão, anteriormente voluntária e sem remuneração, mudou. Agora contratado , o grupo ampliou com a chegada de jovens, antigos artesãos e 70

Patrocínio firmado entre Fundação de Apoio à Universidade Federal de Pernambuco – FADE, e

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a Petrobrás Desenvolvimento & Cidadania | edital 2013. Os artesãos têm contrato com carteira assinada com a FADE

algumas mulheres . Uma vez contratados, dedicaram-se a treinamentos 71

mais específicos, como, por exemplo: esmaltação, queima, beneficiamento e gestão. A produção ganhou um formato de rede, isto é, os processos são setorizados e identificados os seus responsáveis. Essa maneira de organizar repercutiu na qualidade, agilidade e eficiência, na medida em que as ações são coordenadas por artesãos “especialistas” e ao mesmo tempo

compartilhadas com os demais artesãos, que auxiliam no desenrolar dos processos. Desta forma, a produção, a comercialização e a gestão são vivenciadas por todos, muito embora em níveis de envolvimento diferentes. O novo formato, entretanto, não deixa de lembrar os modos de produzir tradicional, uma vez que o artesão tem conhecimento e domínio de todo o processo. Quanto ao desenvolvimento de novos produtos, se mantém o foco no indivíduo, buscando tirar partido das habilidades, interesses e dos repertórios de cada artesão.

Algumas questões observadas, a partir da construção da análise da trajetória , apontam contradições que ainda repercutem no cotidiano e 72

carecem atenção, dentre elas: a concorrência entre artesãos que produzem produtos semelhantes, para uma mesma clientela, num mesmo espaço produtivo; a necessidade de “um novo tipo de vendedor” para atender produtos com maior valor agregado (diferentemente do filtro tradicional); a relação precária dos artesãos com a Associação dos Ceramistas, focada unicamente no interesse em receber o barro fornecido por Suape; e especificamente a relação dos artesãos do Centro de Artesanato com a Associação de Ceramistas comprometida pelas diferenças nas relações familiares, provocando o distanciamento dos dois grupos, enfraquecendo ambos diante do poder público local.

A participação feminina no Cabo é reduzida, e geralmente não se usa o torno. A modelagem é

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manual ou usa a barbotina (barro líquido) com o auxílio de formas de gesso.

A análise da trajetória está baseada na análise do discurso e no caso foi adaptada para

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Considerando que esse é um projeto de construção coletiva, envolvendo atores diversos, é preciso compreendê-lo como um processo não finalizado. Para construir uma sintonia entre os agentes e atores é preciso considerar o fator tempo, para que sejam negociadas as diferenças, consolidadas as relações de confiança e, ao mesmo tempo, construída uma relação de autonomia. Essa situação é delicada, principalmente quando se trata de relações assimétricas de poder, comunidade artesã, Laboratório e Prefeitura, por exemplo. Esta última tem o agravante de sofrer

descontinuidade a cada quatro anos, quando em geral mudam os gestores, direcionamentos e prioridades. Contudo, esse é um espaço rico para a interação entre universidade, empresas e governos comprometidos com a pesquisa, a inovação social e o desenvolvimento sustentável.

G

OIANA

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NAS RIQUEZAS DO PASSADO

,

OPORTUNIDADES PARA O