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Teorias e argumentos para compreender os contextos

D ESIGN E A RTESANATO NO B RASIL

1.2 I DENTIFICANDO CAMINHOS E ESTABELECENDO LIMITES

Na tentativa de compreender os caminhos e limites entre design e

artesanato, a pesquisa levanta alguns conceitos utilizados em publicações que tratam sob o tema artesanato. Em uma primeira aproximação, foi possível observar que o artesanato é abordado de forma muito geral, e as tentativas de definição oscilam entre os modos de fazer e/ou os atributos

estéticos do artefato , o que muitas vezes confunde com atributos que 18

seriam mais adequados se atribuídos ao universo da arte popular . 19

Para confirmar a dificuldade, um outro viés é apresentado por Souza, ao afirmar que

[....] a conceituação do artesanato é uma tarefa difícil, ante a polêmica existente entre aqueles que procuram defini-lo como uma atividade socioeconômica e os que a definem como uma atividade que expressa a cultura de um povo, região ou raça (FREITAS, 2011, pág. 36)

A pesquisa La competitividad del Sector Artesano en España mostra que as 20 dificuldades não se limitam ao continente americano, uma vez que na União Europeia, e na Espanha em especial, coexistem várias definições e que em algumas regiões a atividade é relacionada ao setor das micro e pequenas empresas.

Para atender aos objetivos da pesquisa, o conceito de artesanato utilizado considera grupos de artesãos, valoriza a forma predominante do fazer manual e identifica a predominância do uso de recursos e matérias-primas

O artigo Definiciones de Artesanias y Artes Populares, da autoria de Beatriz Sojos de

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Barragan, apresentado na Revista Del CIDAP - Artesania de America, 27 de agosto de 1988 (99 a 107), faz uma discussão incorporando autores de diversos países da América Latina.

Conceitos Básicos do Artesanato Brasileiro. Portaria SCS/MIDIC n°29, 5 de outubro de 2010.

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Arte Popular: conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas, dentre outras, que configuram o modo de ser e de viver do povo e de um lugar. A Arte Popular diferencia-se do artesanato a partir do propósito de ambas as atividades. Enquanto o artista tem profundo compromisso com a originalidade, para o artesão, essa é uma situação meramente eventual. O artista necessita dominar a matéria-prima, como faz o artesão, mas está livre da ação

repetitiva frente a um modelo ou protótipo escolhido, partindo sempre para fazer algo que seja de sua própria criação. Já o artesão, quando encontra e elege um modelo que satisfaz quanto a solução e forma, inicia um processo de reprodução a partir da matriz original, obedecendo a um padrão de trabalho que é a afirmação de sua capacidade de expressão. A obra de arte é peça única que pode, em alguma situação, ser tomada como referência e ser reproduzida como artesanato.

La competitividad del sector artesano en España. Ministerio de Industria e Turismo Y

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locais. O conceito admite as diversas características e funções do 21

artesanato: utilitárias, estéticas, artísticas, entre outras, e reconhece a importância do seu valor cultural e simbólico, assim como o seu papel sob o ponto de vista social.

A escolha da abordagem foi baseada no objetivo da pesquisa, que necessita considerar os agentes (artesãos, técnicos e gestores), os processos

produtivos e matérias-primas, além da natureza e características do artesanato, para compreender os possíveis formatos de gestão. É possível observar no artesanato brasileiro que a divisão do trabalho acontece basicamente em três níveis: o aprendiz ou iniciante, geralmente, assistido pelo artesão; o artesão, aquele que domina a matéria-prima e os modos de fazer; e o mestre ― artesão que, além de dominar os modos de fazer, tem o reconhecimento conquistado pelo respeito dos seus pares, da comunidade em que vive e do mercado. É interessante notar que, em relação à divisão de trabalho, há certa semelhança com as corporações de ofício do século XVIII, entretanto diverge na forma de organização, uma vez que é mais frágil enquanto grupo social. Esse aspecto tem significado especial para a pesquisa, já que mesmo previsto em decreto governamental os diversos formatos de organização (cooperativas, associações, 22

sindicatos, federação e confederação) são os núcleos organizados informalmente que mais representam o modelo de organização do

artesanato, principalmente no Norte e Nordeste do País. Embora não haja pesquisas que respondam especificamente a questão, a pesquisa O Artesão Brasileiro, realizada pelo Sebrae em 2013, permite fazer inferências, na medida em que indica que 60% dos artesãos não possuem CNPJ e que apenas 37% do universo entrevistado realiza suas vendas coletivamente. A pesquisa também confirma que, na composição do grupo, há

predominância de pessoas do mesmo núcleo familiar e, por vezes, agregam

As características serão discutidas mais adiante.

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Programa Brasileiro de Artesanato, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

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pessoas que moram nas vizinhanças, comumente com pouca formação educacional.

Quanto a natureza e características do artesanato, o Programa Brasileiro do Artesanato , criado pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e 23

Comércio Exterior, classifica em: indígena, de reciclagem, tradicional, de referência cultural e contemporâneo ou conceitual. Nem sempre as classificações são evidentes e algumas observações são necessárias. O artesanato indígena, em sua maioria, tem como característica a produção coletiva, faz parte do cotidiano da tribo e não é evidenciada a figura do autor, afirma Barroso Neto (2001). O artesanato de reciclagem, como o nome sugere, é produzido a partir da reutilização de materiais e encontrado com mais frequência nos centros urbanos. O tradicional tem sua maior referência na expressão da cultura local e das suas tradições e reflete uma forma de organização social própria. Aqueles denominados como de

referência cultural recebem interferências de artistas, arquitetos e

designers, que, em conjunto com o artesão, criam artefatos que valorizam referências culturais e incorporam inovações, inclusive tecnológicas, para melhor posicionar o artefato no mercado. Há ainda a denominação de conceitual ou contemporâneo, em que o fator inovação na interferência tem peso significativo na expressão de estilos de vida ou afinidade cultural. As classificações existem, mas nem sempre é evidente o enquadramento do artefato, sendo muitas vezes necessário, além da imagem, o conhecimento do seu processo produtivo, por exemplo. O reconhecimento de

características e particularidades específicas são relevantes na medida em que podem influenciar a configuração de políticas públicas mais efetivas para determinados grupos ou segmentos do setor do artesanato.

O Programa Brasileiro de Artesanato – PAB, foi instituído com a finalidade de coordenar e

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desenvolver atividades que visam valorizar o artesão brasileiro, elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, bem como desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal, no entendimento de que artesanato é empreendedorismo. http://www.smpe.gov.br/ assuntos/programa-do-artesanato-brasileiro, acesso em 9 de janeiro de 2015.

A iniciativa da Agência de Desenvolvimento do Governo do Estado de

Pernambuco – AD/Diper , é um exemplo. A AD/Diper, desde os anos 2000, é 24

responsável pela realização da Feira Nacional de Negócios do Artesanato – Fenearte, a maior feira de artesanato do País, que por muitos anos

representou a política para o desenvolvimento do artesanato para o Estado de Pernambuco.

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É um evento reconhecido nacional e internacionalmente e, por sua dimensão (cerca de 5000 expositores, 800 estandes, um público visitante de 312 mil pessoas e faturamento de 40 milhões) tem grande impacto para o artesanato no estado e no País.

Para reforçar a valorização do artesanato e aprimorar o processo seletivo, a Agência desenvolveu um software para inscrever e selecionar os artesãos que iriam expor na XII FENEARTE. A base conceitual para o desenvolvimento do software estimulava a reflexão do artesão sobre a sua prática e

explicitava conceitos e suas respectivas categorias, além de deixar claro os critérios de julgamento.

O formato autoexplicativo permitiu o enquadramento do artesão na categoria que melhor o representava, identificando a peça que melhor traduzia a sua obra, acompanhada de informações sobre a matéria-prima, o

A Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco – AD Diper, é o órgão estadual

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vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SEDEC,,e está focado na promoção de ações em torno da captação de novos investimentos e de projetos estruturadores e

impulsionadores do crescimento da economia local. http://www.pe.gov.br/orgaos/ad-diper/, acesso em 9 de janeiro de 2015.

Imagem 01 Vista aérea do Salão dos Mestres Fonte: Sebrae Imagem 02 Mestre Miro Fonte: Daniela Nader

processo e a capacidade produtiva, bem como as formas de suporte para a comercialização que o artesão dispunha. O software também mostrava os atributos e respectivos pesos de cada categoria. Um comitê de seleção, composto por representantes secretarias de Governo, Sebrae/PE e Universidade, além dos sindicatos e associação de artesãos, avaliou as inscrições . 25

O formato permitiu a construção de um rico banco de dados, e, ao mesmo tempo, para aqueles artesãos não classificados, foi dada a oportunidade de identificar os motivos e receber sugestões para melhorias por meio de entrevistas individualizadas com especialistas e designers.

É importante observar que, mesmo não sendo classificados como artesanato, arte popular e os trabalhos manuais foram incluídos na chamada para a Feira. A inclusão da categoria arte popular teve como objetivo congregar os artistas populares, que, utilizando os diferentes materiais, expressavam, numa linguagem própria, a sua visão de mundo, materializada em objetos com grande valor simbólico e pleno de referências culturais. A importância da valorização do artista popular está relacionada a sua capacidade de inspirar antigos e jovens artesãos. A inclusão abriu espaços para os novos talentos e assim sugerir a renovação da Galeria dos Mestres, espaço consagrado aos mestres, reverenciados durante a feira. A inclusão dos trabalhos manuais, aqueles que são produzidos a partir de moldes e padrões, sem maiores compromissos com as referências

culturais, participaram também da programação e, neste caso, muito mais pelo impacto social da atividade, pois o valor agregado é baixo, mas o contingente de pessoas envolvidas na atividade é em geral muito significativo.

A seleção dos trabalhos foi feita como base critérios explícitos que

valoraram aquelas categorias com maior valor agregado (artesanato e arte

Ver anexo 1 Programa do Artesanato de Pernambuco- Manual de Pré-inscrição | exemplo de

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popular), em detrimento daquelas com menor representatividade cultural e simbólica (trabalhos manuais).

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A relação entre os artefatos e o seu valor agregado é tema que tem relevância para instituições que apoiam a inserção do artesanato no mercado. Eduardo Barroso, designer que subsidiou as discussões iniciais sobre o tema junto ao Sebrae, elaborou a tabela apresentada a seguir, que relaciona o valor cultural e a escala de produção.

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Na tabela, o autor, além das categorias já mencionadas, inclui ainda os produtos típicos e os industrianato. É possível reconhecer que aquelas categorias posicionadas com maior valor cultural sejam também aquelas a que se podem atribuir um maior valor agregado perante o mercado. O desafio do objeto se fazer reconhecer como tal (valor cultural + valor agregado) pode ser facilitado com o apoio do design.

Imagem 03 e 04 Exemplos de arte popular, artesanato Fonte: A autora Imagem 05 Exemplo de trabalhos manuais Fonte: Maria Ribeiro

Figura 02 Valor Cultural x Escala de Produção Autor: Eduardo Barroso. O que é artesanato. 2001

A interface design–artesanato como resultado de uma ação de cooperação entre designers e artesãos pode ampliar as vantagens competitivas do artesanato. De imediato, a compreensão do objeto é ampliada, pois incorpora uma marca que faz referência ao seu território, ao contar a história do lugar de origem e identificar a autoria dos artesãos. As

embalagens projetadas adequadamente valorizam, protegem e facilitam o transporte dos artefatos que atravessam países e continentes. A melhoria de processos e modos de produção, o uso de equipamentos e organização dos espaços diminuem as perdas de produção e esforços. Estas vantagens possibilitam aos artesãos maior dedicação a etapas mais valiosas, aquelas que estão relacionadas ao processo criativo e às experimentações. A familiarização com os recursos da informática e a internet facilitam o diálogo com o mercado exigente e competitivo.

Estas são algumas das contribuições que o design pode, a partir de uma atitude crítica e respeitosa, reconhecendo os seus limites, contribuir para o reconhecimento do valor e fortalecer a autonomia e sustentabilidade do artesão e dos grupos produtivos.