Graça Joaquim, Ezequiel Santos e Miguel Belo
2. A PROCURA DE DARKNESS
2.3. Da descoberta ao estabelecimento científico
de dark tourism
A introdução nos anos 90 do conceito de dark tourism no campo de investigação do turismo pode ser considerada tardia, em comparação com o início da sua prática. Inde- pendentemente deste desfasamento temporal entre práti- ca e literatura, ressalva-se a rutura literária que significa esta nova ideia, tal como debatido anteriormente.
A primeira aproximação à ideia do dark tourism sur- giu por intermédio de Rojek (1993), que estudou o cres- cimento do interesse de turistas por sepulturas e lugares associados à morte de celebridades, denominando esses lugares como black spots e explicando-os como: “O desen-
volvimento comercial e turístico de locais cemiteriais e de lo- cais em que se deu a morte subida e violenta de celebridades ou de um número significativo de pessoas” (p. 136).
Contudo, a comunidade científica concorda que foi entre os anos 1995-2000 que se assistiu à publicação dos estudos que consubstanciaram linhas de investigação posteriores. Concretamente, o ano de 1996 marca o início de três correntes literárias: a dissonância no património (turístico), o dark tourism e o thanatourism (Ashworth e Isaac, 2015; Hartmann, 2014; Light, 2017).
A primeira corrente decorre da área do planeamento e gestão urbana. A obra de Tunbridge e Ashworth (1996) esclarece que as pessoas e o património nem sempre es- tão harmonizados, justificando que os recursos patrimo- niais têm significados diferentes para grupos diferentes e que, por isso, a própria natureza do património é disso- nante. Ashworth e Isaac (2015) interpretam que esta ideia abandonou o consenso existente de que o património beneficia automaticamente o turista em termos culturais, desviando o foco da investigação do lugar e do património para a experiência e para os sentimentos que esta evoca.
Na segunda corrente, centra-se a identificação de destinos turísticos dark. Para Foley e Lennon (1996), dark
tourism define-se como: “A apresentação e o consumo (pe- los visitantes) da morte e de lugares de desastre real e comer- cializada” (p. 198). O artigo dos autores, que se expandiu,
mais tarde, em forma de livro (Foley e Lennon, 2000), pressuponha a identificação de um novo tipo de destino turístico, os destinos dark, claramente diferenciados do tradicional consumo associado ao turismo tradicional
oferta e na forma como os lugares associados à morte e ao sofrimento são apresentadas e interpretadas pelos visitan- tes (com ênfase nos assuntos da ética, da mercadorização e da adequabilidade). Por outro lado, Seaton (1996) focou o estudo no comportamento e nas motivações dos turistas
dark, clarificando que a sua intensidade varia consoante
as motivações do turista. Light (2017) compreende que o exclusivo foco na morte quer dizer que thanatourism é mais restrito, em comparação ao dark tourism, que recebe maior atenção pelos investigadores. O quadro seguinte reflecte a evolução das definições dos dois conceitos, con- soante as várias áreas de investigação.
quadro 2.1. A evolução das definições dos conceitos de dark tourism e de thanatourism
Definição Autor(es)
Definições baseadas em práticas (o ato de visitar determinados tipos de lugar)
Dark tourism: “Visita a qualquer lugar associado à morte, ao desastre e à tragédia no século vinte, para fins de recordação, educação ou entretenimento”
Foley e Lennon (1997, p. 155) Dark tourism: “Visita a locais onde ocorreram
tragédias ou mortes historicamente memoráveis e que continuam a ter impacte nas nossas vidas”
Tarlow (2005, p. 48) Dark tourism: “Visita a lugares associados à morte,
desastre, actos de violência, tragédia, cenas de morte ou crimes contra a humanidade”.
Preece e Price (2005, p. 192) Dark tourism: “O acto de viajar para lugares associados
à morte, ao sofrimento ou ao aparentemente macabro” Stone(2006, p. 146) Dark tourism “Envolve a visita a destinos em que a
violência é a atração principal” Robb(2009, p. 51)
Thanatourism: “Forma de viagem em que os turistas se encontram com locais associados à morte, ao desastre e ao macabro”.
Johnston (2015, p. 20)
Definições baseadas em turismo em determinados tipos de lugar
Dark tourism: “a apresentação e o consumo (dos visitantes) da morte e de lugares de desastre real e comercializada”
Foley e Lennon (1996, p. 198) Dark tourism: “Turismo associado a lugares de morte,
desastre e depravação” Lennon e Foley(1999, p. 46)
Thanatourism: “Turismo em locais globalmente
reconhecidos de comemoração” Knudsen(2011, p. 57)
Thanatourism: “Forma de turismo em que os turistas visitam lugares primordialmente associados à morte e ao desastre”
Johnston e Mandelartz (2016, p. v)
Definições baseadas em motivações
Thanatourism: “Viagem a um local total, ou parcialmente, motivada pelo desejo de confronto, real ou simbólica, com a morte, particularmente, mas não exclusivamente, violenta”
Seaton (1996, p. 240)
(Hartmann, 2014). Porém, apesar de se tratar de um es- tudo de referência, a obra tem sofrido algumas críticas severas, não só sob o ponto de vista da fundamentação teórica (Hartmann, 2014; Light, 2017), mas também pela eclética seleção dos casos, devido à excessiva amplitude de escala e intensidade de darkness (Ashworth e Isaac, 2015). A terceira corrente prende-se com a identificação e clas- sificação de experiências turísticas dark. Tendo por base o fascínio de turistas por lugares associados à morte, o artigo de Seaton (1996) introduziu o conceito de thanatourism, definido como: “Viagem para um local total, ou parcialmente,
motivada pelo desejo de confrontar a morte, particularmente, mas não exclusivamente, violenta” (p. 240). Ashworth e Isaac
(2015) chamam a atenção para as implicações da introdução deste conceito no foco da investigação de dark tourism.
Este thanatourism levanta a questão: poderemos identificar e classificar tais experiências de dark tourism? Isto representa uma alteração no foco, do lugar para a motivação, conceptual e em- piricamente (…) e para a subsequente experiência e consequente comportamento do turista como resultado da visita ao lugar (Ashworth e Isaac, 2015, p. 317).
Aliás, o estudo de Ashworth e Isaac (2015), no qual se examina a evolução e desenvolvimento da investigação no
dark tourism, evidencia que foi rapidamente evidenciado que
o dark tourism assenta nas experiências que se dão nos luga- res, e não nos lugares em si. Esta abordagem oferece novas perspectivas para a experiência turística, estendendo-se além da visão económica e conduzindo ao campo das emoções causadas pela experiência que, por seu lado, têm a capaci- dade de provocar determinadas reacções comportamentais.
Recorde-se ainda que há importantes distinções nas concepções de dark tourism e de thanatourism. Por um lado, Foley e Lennon (1996) focaram-se na dimensão da
Thanatourism: “Refere-se a indivíduos que são principalmente motivados por experienciarem a morte e o sofrimento de outros com o propósito da diversão, do prazer ou da satisfação”
Best (2007, p. 38)
Definições baseadas no modo de experiência
Dark tourism: “É onde a experiência do turista é essencialmente composta por emoções dark, como a dor, a morte, o horror ou a tristeza, entre as quais muitas resultam da imposição de violência, que não é geralmente associada a experiência de entretenimento voluntário
Ashworth (2008, p. 234)
Dark tourism: “Relaciona-se com o confronto com espaços de morte ou de calamidade que têm significado político ou histórico e que continuam a ter impacte entre os vivos”.
Stone (2016, p. 23)
Definições baseadas em património
Thanatourism: “Património encenado em torno de atrações e lugares associados à morte, actos de violência, cenas de desastre ou crimes contra a humanidade.
Dann e Seaton (2001, p. 24)
Fonte: adaptado de Light (2017).
Permanecem por abordar as razões que levaram ao surgimento coincidentemente simultâneo de três literárias correntes originais e distintas. Nesta linha de pensamento, Hartmann (2014) remete para as significativas alterações sociais e políticas que os autores assistiram no período 1985-1995: o final da guerra fria e o colapso do comunismo na Europa do Leste permitiram a sua abertura ao turismo, o que possibilitou aceder e reviver o património associado ao regime Nazi, ao Holocausto e ao regime Soviético na Polónia, na Alemanha Oriental, na Checoslováquia, na Hungria e na Ucrânia. Um dos resultados desta abertura foi a emergência de Auschwitz enquanto um dos princi- pais líderes de destinos turísticos à escala mundial.
O desenvolvimento da investigação de dark tou-
rism tem evoluído fortemente ao longo dos anos, espe-
cialmente no passado recente (Dale e Robinson, 2011). Na sua pesquisa sobre o progresso da investigação de dark
tourism e thanatourism, Light (2017) salienta o acentuado
crescimento do interesse da academia pela relação do tu- rismo com a morte, o macabro ou o trágico nas últimas duas décadas, que é particularmente evidente desde 2011, tal como ilustra a figura seguinte.
figura 2.1. Número de artigos sobre dark tourism e thanatourism publicados anualmente (1996-2016)
Nota: inclui artigos publicados na língua inglesa por jornais com arbitragem científica em torno, mesmo que criticamente, do dark tourism ou thanatourism.
Fonte: Light (2017).
Complementarmente, o autor chama a atenção para o facto de, na primeira década (1996-2005) a inves- tigação se debruçar sobre assuntos como a relação com o pós-modernismo, a mercadorização e autenticidade e debates éticos. Já na segunda década (2006-2016), as temáticas principais passam pela definição e contexto, relação entre identidade individual e colectiva, relação com a memória colectiva, motivações, experiência e per- formance dos visitantes, dimensão emocional da visita, relação entre os vivos e os mortos e influência de dife- rentes stakeholders (Light, 2017).
O crescimento da atenção científica por dark tou-
rism impulsionou o lançamento da revista científica In-
ternational Journal of Heritage Studies (1995), já que duas das três correntes pioneiras de dark tourism, da autoria de Foley e Lennon (1996) e de Seaton (1996), foram inicialmente publicados numa edição temática da revista (Light, 2017). A gradual acentuação do interesse
científico sustentou, mais tarde, a origem do Journal of Heritage Tourism (2006) e inclusivamente a constitu- ição de um instituto para investigação de dark tourism, na University of Central Lancashire, em Preston (2012) (Ashworth e Isaac, 2015), onde se organiza, desde 2005, um fórum digital de dark tourism11 (Hartmann, 2014).