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Ezequiel Santos e Graça Joaquim

1. TURISMO DE SAÚDE E BEM-ESTAR

Relativamente ao Turismo de Saúde e Bem-estar, ex- istem estudos onde o termalismo, os spas e as talas- soterapias assumem um papel central. Em 2008, Carlos Medeiros e Carminda Cavaco, coordenadores de um es- tudo sobre Turismo de Bem-estar e de saúde, referiam- -se a este enquanto conceito permeável e fluido afir- mando-o, na inserção possível num turismo de repou- so, como implicando

“Deslocações por motivo de relaxamento físico e mental e bene- fícios para a saúde, recuperação do stress e das perturbações dos ritmos e da intensidade do trabalho nas sociedades modernas e urbanas” ou “Deslocações em busca de períodos de vida saudável, mesmo se curtos e intervalados,…, tanto para as estâncias ter- mais como para os health resorts, quando localizados em ambi- entes rurais e naturais ou nas montanhas” (pp 45-46).

Sendo os SPA, os SPA termais e os centros de Talas- soterapia eleitos como os produtos objecto desse estudo, nele se apelava, coincidentemente a um dos dez eixos do PENT 2006-2015, à diversificação e sofisticação da oferta turística neste registo, à semelhança do que se observava em práticas internacionais, ressalvando já mudanças nos modos de vida e nas estruturas familiares e sociais que poderiam ter impactos potenciais neste segmento.

O turismo de saúde e bem-estar tem estado ligado, sobretudo a partir dos anos 1990, aos Spas que prolif- eram mundialmente, não só no contexto da hotelaria mas enquanto ofertas específicas, como os Day Spa. O corpo como sujeito (Joaquim e Inácio, 2008) deu lugar a uma forte diversificação dos produtos no contexto da hotelaria. Do auge do termalismo entre final do século XIX e princípios do século XX, por razões terapêuticas, a todo o recalcamento vivido neste sector até aos anos 1990 cultivou-se a atenção ao corpo estimulada pela cultura dos anos 1980 e iniciou-se a partir desse período a recupera- ção do Turismo de Saúde e Bem-Estar, já não associado à “doença”, mas à tarefa de conquistar o corpo e a mente perfeitas (Bauman, 2007).

No caso concreto do turismo de saúde e bem-estar, separamo-lo operativamente do turismo medicalizado, tipologia que dispõe de requisitos e de procedimentos cen- trados na doença e na cura e não nos aspectos preventivos e integrativos da saúde. Trata-se de uma distinção charneira,

capaz de destacar as valências dos produtos de bem-estar para a saúde, no contexto actual do turismo e à luz da ne- cessária observação da transformação da sociedade apon- tada por Rojek (2010). Tratar-se-ia da tarefa de estabelecer uma prática não exclusivamente elitista e hedonista, cono- tada com a deslocação a SPAs luxuosos, e sim fundamen- tada para além de um modelo biomédico, apelando a novas relações vivenciais com o espaço e o tempo subjectivo e com o território, mantendo características de glocalidade e sustentabilidade em linha com tendências, metas de de- senvolvimento e referenciais internacionais.

Neste sentido, uma consulta ao PETRL, em que o Turismo de saúde é tomado como uma das novas apostas, evidencia um enfoque territorial restrito (Cascais) centrado em especialidades médicas e ofertas complementares visi- tantes e seus acompanhantes através dos pacotes sol e mar, natureza e cultura. Existe, necessariamente, espaço para a discussão de novos critérios que relevem a importância de práticas preventivas e de promoção da saúde, permitindo uma ampla integração do território da AML através da as- sumpção de uma definição de saúde mais abrangente e res- paldada por convenções internacionais, com vista a uma sofisticação e inovação da oferta e, ainda, a usar o poten- cial do turismo como estímulo ao desenvolvimento das co- munidades humanas. Naturalmente, discutir a noção de saúde e bem-estar torna-se pertinente. Em 1986, o conceito de saúde como recurso é proposto pela WHO através da Carta de Ottawa (WHO, 1986):

“Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e so- cial, o indivíduo ou o grupo devem estar aptos a identificar e realizar as suas aspirações, a satisfazer as suas necessidades e a modificar ou adaptar-se ao meio. Assim, a saúde é entendida como um re- curso para a vida e não como uma finalidade de vida”. Na senda desta visão integrativa da saúde a mesma WHO na sua Estratégia

2014-2023 contempla e recomenda: “Fortalecer a colaboração entre

profissionais da medicina convencional e medicina tradicional e complementar (MTC), com um enfoque centrado na pessoa.”

De acordo com esta visão, é lógico que se faça o re- conhecimento do território, que questionemos a evolução da oferta ao nível dos produtos Spa já identificados e, ain- da, que operemos uma reflexão a favor da inclusão de no- vas tendências, novos produtos associados a práticas de medicinas alternativas ou acompanhadas por disciplinas complementares no campo amplo das ciências da saúde. Disciplinas como a nutrição, a psicologia e a sociologia da saúde, as quais acompanham as transformações soci- ais, preparam o indivíduo, facilitam competências para a adopção de estilos de vida saudáveis, advogando uma edu- cação holística para a saúde ao longo da vida.

Sendo que a promoção do Desenvolvimento Susten- tável compromete tanto os governos quanto os cidadãos, permitimo-nos destacar ainda uma dimensão ética e que toca os valores de uma cidadania activa: para metas globais corresponderão transformações pessoais, desejáveis e en- quadráveis numa cultura de responsabilidade pessoal para com a promoção da saúde própria, através da realização de actividades que possuem valor preventivo (primário e secundário) e que representam escolhas de vida informadas e saudáveis. Em segundo lugar, do ponto de vista teórico, a inserção de um tema como a saúde e o bem-estar carece de alguma preocupação onto-epistemológica, acerca do lugar que este(s) conceitos(s) ocupam quer nas políticas públicas de promoção de saúde quer a nível da validação científica das práticas que o consubstanciam. O editor Neil Carr (2018)19,

na sua chamada de propostas para publicação de um volu- me temático da ATLAS sobre a intersecção saúde/lazer, aborda precisamente a questão do alargamento do campo da saúde humana através do reconhecimento do lazer, projecto

já iniciado academicamente (ver Anderson e Heyne, 2012; Henderson, 2014). Carr apresenta uma lista de items en- quadráveis nesta temática. Destes, salientamos apenas dois, que nos auxiliaram na condução do presente estudo: 1) a per- tinência de ouvir os cuidadores e prestadores de serviços na saúde fora do domínio turístico, para ajudar os stakeholders no turismo a actualizar e enquadrar actividades e produtos numa lógica de maior rigor científico e harmonização inter- nacional; 2) a procura por um quadro teórico ou uma termi- nologia que possa ser uma ponte comum aos universos da prática da saúde e do lazer.

Dispomos assim internacionalmente de novos produ- tos que se integram numa visão completa da saúde huma- na: os Spas de silêncio, as práticas e terapêuticas holísti- cas, as ginásticas doces ou técnicas somáticas, a medicina culinária, a Terapia Assistida com Animais. Algumas com validação empírica, outras em processos de certificação e que são utilizadas há décadas por populações como forma de prevenção e de optimização de variáveis biopsicosso- ciais que medem a qualidade de vida ou o sentimento de bem-estar subjectivo. Algumas destas foram já sugeridas e tomadas e.g. por Smith e Puczko (2014), como indica- ção de tendências para turismo de saúde e bem-estar num modelo biopsicossocial, a saber: os governos que encora- jam os cidadãos para uma saúde preventiva; o consumo de terapias alternativas; a busca pelo bem-estar através de estilos de vida e hábitos de nutrição devidamente escruti- nados; a avaliação dos impactos da recessão económica e do envelhecimento populacional. Ou, recordando a visão de Krippendorf (1987) e Rojek (2010), assistimos a trans- formações que lançam novos modelos de procura, criam novos mercados, também com oportunidade de negócio.

Já uma utilização de um quadro teórico ancorado na fenomenologia responde à necessidade de acom- panhar a intersecção dos dois domínios (saúde e lazer),

ambos itersectando objectivos de desempenho profissional e económico, com um referencial comum. A fenomeno- logia, dando primazia à função da consciência imediata e à descrição da experiência do mundo pelo sujeito, é uma corrente da filosofia que se tem aplicado e apurado metodologicamente para uso nas ciências da saúde (enfer- magem, psicologia, psiquiatria). No campo da medicina convencional, ou centrada na doença, existem referenciais internacionais para padronizar doenças e outros proble- mas de saúde, como o ICD-11 (WHO, 2018), ou o DSM V (APA, 2013), na área da saúde mental e também ancorado na descrição. A fenomenologia é também a abordagem que permite descrever e aprofundar, em termos e linguagem comuns, a natureza da experiência turística, através do laz- er, considerando-a na intersecção da noção de saúde.