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Da esquematização aos grupos da Representação discursiva

Esquema 5 – A esquematização na situação de interlocução (GRIZE, 1996, p 68)

3.1 DA PROPOSIÇÃO-ENUNCIADO AO NÍVEL SEMÂNTICO DO TEXTO: A NOÇÃO

3.1.1 Da esquematização aos grupos da Representação discursiva

Para Grize (1990; 1996), a situação de comunicação entre interlocutores é um espaço sociodiscursivo de interação. Essa posição carrega, em sua base, os postulados bakhtinianos acerca da dimensão dialógica da linguagem, uma vez que, para o referido autor, a atividade de esquematização é constituída pelo caráter dialógico da atividade comunicativa. Além disso, outro postulado que assume a perspectiva dialógica, na lógica natural, é o:

da situação de interlocução, que admite que toda comunicação se desenvolve numa situação que apresenta duas dimensões. A primeira, concreta, enquanto atividade discursiva situada em certo momento, em certo

14 Assumimos essa posição por estarmos em consonância com os trabalhos realizados por Adam (1999, 2011b), Passeggi (2001, 2012), Oliveira (2013) e Queiroz (2013), para os quais a representação discursiva tem suas bases na lógica natural, de Jean-Blaise Grize, e mais especificamente no conceito de esquematização.

lugar, visando a uma finalidade e estabelecendo um conjunto de relações sociais e históricas; a segunda, a própria atividade discursiva, que contribui para a elaboração da situação. (PASSEGGI, 2001, p. 247, grifos nossos). É, portanto, considerando os postulados do dialogismo e da situação de interlocução que Grize começa a conceber o que ele entende por esquematização na situação de interlocução. Isto posto, cabe afirmar que, além desses postulados, outros três são apresentados pelo autor – das representações, dos pré-construídos culturais e da construção dos objetos –, todavia, estes vinculam-se mais diretamente à esquematização discursiva. De forma resumida:

O postulado das representações remete às “representações mentais” dos interlocutores. Embora a lógica natural não pretenda examinar a realidade psicológica das representações mentais [...] ela assume que os interlocutores têm representações e que estas são fundamentais na comunicação discursiva. O postulado dos pré-construídos culturais estabelece que os interlocutores mobilizam um conjunto de conhecimentos pré-construídos, de natureza cultural e social, a começar pela própria língua utilizada. [...] São os pré- construídos que fazem com que um texto seja, ao mesmo tempo, um produto verbal e um produto social. Finalmente, o postulado da construção dos objetos refere-se ao fato de que o discurso constrói objetos de pensamento, a partir da significação dos termos que utiliza. Esses objetos remetem aos referenciais do discurso, que devem ser, pelo menos parcialmente, comuns aos interlocutores. (PASSEGGI, 2001, p. 248).

Grize (1996), ao definir esquematização, articula esses postulados em um esquema que representa o seu entendimento sobre a situação de interlocução. Vejamos:

Esquema 5 – A esquematização na situação de interlocução (GRIZE, 1996, p. 68)

Uma esquematização é resultado da interação sociodiscursiva entre um locutor (A) e um alocutário (B). “Trata-se de sujeitos que desempenham cada um uma atividade: atividade de construção por parte de A e atividade de reconstrução por parte de B” (GRIZE, 1996, p. 68).

Passeggi (2001, p. 249) afirma que “toda esquematização contém imagens que, na terminologia de Grize, são os elementos visíveis no texto para um observador, ressalvadas as interpretações possíveis”. Com isso, entendemos que A constrói (esquematiza), por meio de enunciados, uma representação discursiva através de objetos de discurso que são postos em jogo com base nos pré-construídos e no propósito comunicativo que ele intenciona. Por sua vez, cabe ao interlocutor (B) – um sujeito ou um auditório – reconstruir os sentidos provenientes dos objetos construídos por A. Para isso, B terá de interpretar o conteúdo referencial com base nos seus próprios pré-construídos culturais e sociais, bem como em seu propósito comunicativo.

Todavia, faz-se necessário ressaltar que “a construção dos objetos do discurso deve ser, necessariamente, uma co-construção, na medida em que estes são sempre objetos ad hoc que devem adequar-se a propósitos discursivos específicos e momentâneos” (PASSEGGI, 2001, p. 248). Isto porque, os interlocutores A e B são vistos como agentes nos processos de produção e interpretação dos enunciados.

É, com base nas questões da lógica natural apresentadas, que percebemos a intersecção entre os pressupostos desse estudo com os da ATD no que concerne à noção de representação discursiva. Entendemos, a priori, que “esquematizar é construir [...] uma representação discursiva por definição parcial e seletiva de uma realidade” (ADAM, 2011b, p. 102), logo, os conteúdos referenciados por meio dos objetos de discurso serão sempre construídos “com certa visão de quem o produz” (QUEIROZ, 2013, p. 53), bem como reconstruídos pelo interpretante a partir de sua visão, o que demanda, de ambos, conhecimentos de mundo comuns sobre o assunto tratado, os quais serão transmitidos e percebidos parcialmente, haja vista as experiências singulares de cada um deles.

Outro ponto que adotamos para o estudo da Rd, e que a lógica natural apresenta ao tratar da esquematização, é que esta constrói três imagens: a do locutor – im (A); a do alocutário – im (B); e a do tema tratado – im (T) (GRIZE, 1996). Nesse sentido, propomos uma adaptação terminológica, considerando a epistemologia que rege a ATD. Essa adaptação pode ser evidenciada no quadro a seguir:

Quadro 1 – Os três grupos da Representação discursiva (Rd)

Grize Adam Definição

Imagem do locutor: im(A)

Representação discursiva de si

Também chamada de ethos, refere-se à imagem que o locutor constrói de si mesmo pelas palavras que evoca em seu texto/discurso. Com base em Adam (2011b, p. 107), podemos entender que a Rd de si está associada a “função (lugar) e o(s) papel(éis) que [orador] assume, com seus fins próprios, seus pré-construídos culturais e representações da situação de enunciação, do objeto do discurso, de seu auditório (B) e as representações psicossociais de si mesmo”. Imagem do alocutário: im(B) Representação discursiva do alocutário

Associada a Rd que o locutor faz do alocutário (B), essa representação é percebida pela dialogicidade da interação comunicativa. Nesse sentido, Amossy (2011, p. 124) afirma que “o bom andamento da troca exige que à imagem do auditório corresponda uma imagem do orador”. Assim, por ser o alocutário um coconstrutor da representação presente no texto/discurso, a constante troca de experiências singulares se presentifica nos enunciados, revelando a imagem do alocutário (GRIZE, 1996; PASSEGGI, 2001). Imagem do tema tratado: im(T) Representação discursiva do tema tratado

Constituem o que Passeggi (2001, p. 249-250) chama de “conteúdos do manifesto da esquematização e remetem diretamente às operações lógico-discursivas de sua construção”. As operações a que o autor se refere, concernem à escolha e o arranjo das palavras que os interlocutores fazem, permitindo a construção e a reconstrução das representações discursivas dos conteúdos referencias evidenciados no e pelo texto (ADAM, 2011; QUEIROZ, 2013).

Fonte: Autor.

Os três tipos de Rd que apresentamos, pelos pressupostos da lógica natural e da ATD, só são possíveis de serem interpretados considerando a situação de comunicação. Dessa forma, cabe ao interpretante identificar as pistas textuais deixadas pelo locutor para que se possa reconstruir, discursivamente, as representações discursivas do locutor, do alocutário (Rd que coaduna a imagem do próprio interpretante) e dos temas tratados.

Em se tratando da interpretação, outra questão que concerne à esquematização e que deve orientar o trabalho do analista da Rd é que:

A atividade de reconstrução do alocutário consiste na interpretação da esquematização. Isso supõe, além da aplicação dos princípios gerais de cooperação e de coerência, um certo número de competências: competências

linguísticas, inicialmente lexicais, mas também sintáticas e pragmáticas; competências culturais, ou enciclopédicas, que remetem a um conhecimento sociocultural; competências retóricas, baseadas, em grande parte, no uso das metáforas; competências lógicas, que dependem das anteriores pois consistem, principalmente, em inferências. (PASSEGGI, 2001, p. 250). Como vemos, a interpretação de uma Rd não é algo tão simples, posto que demanda do analista textual-discursivo competências diversas, as quais são necessárias para reconstruir os efeitos de sentido materializados nas mais diversas atividades de linguagem pelos entornos sociodiscursivos que regem os textos, orais e escritos.

Em suma, entendemos a representação discursiva como uma propriedade semântica do texto. A Rd, portanto, revela as interpretações possíveis do locutor, do alocutário e dos temas tradados, através dos objetos de discurso presentes no texto, dos pré-construídos culturais e sociais inerentes aos interlocutores, das representações sociocognitivas utilizadas tanto para a construção como para a reconstrução dos conteúdos referenciais. Enfim, a Rd deve ser analisada co(n)textualmente para que sejam atribuídos, devidamente, os sentidos permitidos pelo texto na sua relação com o discurso.

Para tanto, é indispensável tomar conhecimento acerca das categorias semânticas que possibilitam a análise da Rd, pois elas fornecem os mecanismos necessários para analisarmos as representações discursivas de Lula nas capas de revista.