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Níveis do texto e do discurso na Análise Textual dos Discursos

Esquema 5 – A esquematização na situação de interlocução (GRIZE, 1996, p 68)

2.2 ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

2.2.1 Níveis do texto e do discurso na Análise Textual dos Discursos

Nas palavras de Marcuschi (2008, p. 81, grifos do autor): “Não é interessante distinguir rigidamente entre texto e discurso, pois a tendência atual é ver um contínuo entre ambos com uma espécie de condicionamento mútuo”. Essa afirmação do autor presentifica a ideia adotada para a constituição da ATD, uma vez que, para Adam (2010), fazer AD é

desenvolver um trabalho filológico, isto é, analisar o texto em sua materialidade real, interpretando os enunciados que o constituem, a fim de compreender os efeitos de sentido na relação textual-discursiva.

Nesse segmento, Adam (2010, p. 10, grifos do autor) afirma que:

Compreendo que os analistas do discurso não tenham um interesse excepcional pela questão – decisiva, no entanto – da organização sequencial dos textos, organização inseparável da organização reticular que os analistas do discurso descrevem por meios estatísticos. Trata-se de dois princípios tão complementares quanto repetição e progressão, ligação e segmentação.

O texto e o discurso, nessa perspectiva, não podem ser vistos separadamente como se preconizava no início dos estudos do texto. O que se observa, considerando a ATD, bem como os estudos atuais de linguística do texto, é a tendência de afinar cada vez mais as relações entre o texto e o discurso, considerando-os como aspectos complementares da atividade enunciativa (COUTINHO, 2004 apud MARCUSCHI, 2008). Em sendo assim, Marcuschi (2008, p. 81-82) assevera que “o discurso dar-se-ia no plano do dizer (a enunciação) e o texto no plano da esquematização (a configuração)”, isto porque este seria considerado como objeto de figura e aquele como objeto de dizer.

A discussão esboçada por Marcuschi (2008), ao tratar da relação entre texto e discurso, está amparada nas teorizações de Adam (1999), na obra Linguistique Textuelle. Des

genres de discours aux textes. Nela, o autor afirma que a separação do textual e do discursivo

é apenas de caráter metodológico, propondo que ambos sejam tomados de forma articulada, o que permitiria diluir sensivelmente a distinção entre eles (ADAM, 1999).

Com isso, chegamos, então, a ideia de complementariedade entre o texto o discurso. Para reforçar esse conceito, Maingueneau apud Adam (1999, p. 40) assevera que “ao falarmos de discurso articulamos o enunciado sobre uma situação de enunciação singular; ao falar de texto, colocamos o acento sobre aquilo que lhe confere uma unidade, que o torna uma totalidade e não um simples conjunto de frases”.

Segundo Marcuschi (2008), essa visão “é importante e tem como consequência o fato de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua”, logo, deve-se entender que os pontos de vista expressos por Maingueneau e adotados por Adam são complementares e, consequentemente, relevantes para a interpretação do texto como forma de construir o seu sentido em discurso.

Assim, ao definir a ATD como um construto teórico-metodológico para a análise de textos concretos, Adam (2011a) propõe um esquema no qual os níveis do texto estão imersos

nos níveis do discurso. Segundo o autor, esse esquema serve para especificar o esquema que utilizamos anteriormente para falarmos do lugar da LT na ATD. Vejamos:

Esquema 2 – Níveis da Análise Textual dos Discursos

Fonte: Esquema 4, Adam (2011a, p. 61).

Ao observarmos o esquema 2, podemos compreender o modelo que configura a ATD, ou melhor, as categorias que são definidas por Adam para a análise textual-discursiva. Com base em Adam (2011a) e estudiosos contemporâneas, buscamos, a seguir, especificar os níveis (N) apresentados nesse esquema.

No Nível 1 (N1), segundo Adam (2011a, p. 61), “a ação linguageira [...] realizada por meio de um texto explica a eficácia da ação sociodiscursiva realizada”. Como se pode ver, o autor coloca o N1 entre a ação de linguagem e a interação social. Desse modo, compreendemos que as ações de linguagem refletem os interesses dos enunciadores em um dado contexto sociocomunicativo de interação. Nesse sentido, Queiroz (2013, p. 36) acrescenta que, nesse nível discursivo, o sujeito inicia uma ação de linguagem, demonstrando “quais são os objetivos que o falante possui em produzir o seu discurso, para ser orientado, argumentativamente, por uma intenção comunicativa”.

O Nível 2 (N2), por sua vez, tramita entre a interação social e a formação discursiva. Nele, os enunciados são atualizados pelos enunciadores e postos em circulação. De acordo com Adam (2011a), constam nesse nível as condições de produção e de recepção dos enunciados, haja vista as formações discursivas regularem o que vai ser dito pelo enunciador na ação de linguagem.

Vale ressaltar o que entendemos por formação discursiva (FD). Para tanto, recorremos a Mussalim (2004, p. 119) ao afirmar que:

[...] uma formação FD determina o que pode/deve ser dito a partir de um determinado lugar social. Assim, uma formação discursiva é marcada por regularidades, ou seja, por “regras de formação”, concebidas como mecanismos de controle que determinam o interno (o que pertence) e o externo (o que não pertence) de uma formação discursiva. Assim, uma FD, ao definir-se sempre em relação a um externo, ou seja, em relação a outras FDs, não pode mais ser concebida como um espaço estrutural fechado. Ela sempre será invadida por elementos que vêm de outro lugar, de outras formações discursivas. Neste sentido, o espaço de uma FD é atravessado pelo “pré-construído”, ou seja, por discursos que vieram de outro lugar (de uma construção anterior e exterior) e que são incorporados por ela numa relação de confronto ou aliança.

Constituído pelo que poderíamos denominar de subníveis (socioletos e intertextos), o

Nível 3 (N3) diz repeito ao interdiscurso, isto é, “outros discursos e gêneros” aos quais os enunciados podem estar relacionados ou fazer uso (PASSEGGI et al. 2010, p. 267). Ainda no que concerne a esse nível, podemos dizer que, devido a ação de linguagem se increver em um dado espaço social, essa ação deve ser pensada como um lugar, no qual, por meio da variante da comunidade de fala (socioleto) e dos gêneros de discurso os sentidos são manifestados (PASSEGGI et al. 2010; ADAM, 2011a). Além disso, é proveniente desse nível que ocorre o destaque para os gêneros na ATD. Estes são apresentados como “a (inter)mediação da análise textual e discursiva, já que o gênero não existe sozinho, ele existe para ser analisado, tendo em vista um conjunto de textos” (QUEIROZ, 2013, p. 36).

Os níveis 1, 2 e 3 correspondem ao nível discursivo, ou seja, na perspectiva adaniana, o espaço social em que as ações de linguagem ocorrem, por meio de gêneros de discurso, regulados pelas formações sociodiscursivas, constituem o contexto de produção e de recepção dos mas variados textos. Estes, por seu turno, devem ser analisados com base nas considerações que o nível discursivo autoriza, quer pelo sentidos mediados pelo material linguístico, quer pelo efeitos de sentido que o discurso evoca com base nas relações

interdiscursivas. Sendo assim, mais uma vez evidenciamos a necessidade de uma análise que tenham por fundamento a complementariedade entre texto e discurso.

Os níveis que se seguem estão no nível textual. O Nível 4 (N4), em parceria com o

Nível 5 (N5) constituem o que Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) chamam de nível

sequencial-composiconal. Para esses autores, nesse nível:

[...] os enunciados elementares (a proposição-enunciado ou proposição enunciada) se organizam em períodos, que comporão as sequências. Estas, por sua vez, agrupam-se conforme um plano de texto. Esse nível focaliza a estruturação linear do texto, no qual as sequências desempeham um papel fundamental. (Ibid., p. 152, grifo dos autores).

Para Adam (2011a), as proposições enunciadas, períodos, sequências e planos de texto formam “o conjunto das operações de textualização”. É nesse sentido que, Passeggi et al. (2010, p. 267) afirmam que os níveis 4 e 5 “remetem diretamente à textura/composicionalidade do texto, isto é, de forma ampla, à sua sequencialidade ou linearidade”.

O Nível 6 (N6) é o nível semântico do texto7, “apoiado na noção de representação

discursiva e em noções conexas (anáforas, correferências, isotopias, colocações), que

remetem ao conteúdo referencial do texto” (RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010, p. 152, grifos dos autores).

De acordo com Adam (2012), as razões teóricas que amparam o Nível 7 (N7) advém da teoria da enunciação (Beveniste) e da teoria do ponto de vista (Rabatel, Nølke), por esse motivo, discute-se a noção de responsabilidade enunciativa. Segundo Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, p. 152), essa noção “corresponde às ‘vozes’ do texto, à sua polissemia”. Sobre isso, Adam (2011a, p. 117) afirma que “o grau de responsabilidade enunciativa de uma proposição é suscetível de ser marcado por um grande número de unidades da língua”. Nesse sentido, podemos dizer que esse nível se ocupa de compreender os diferentes graus de (não) assunção dos enuncidos, a partir de elementos como: os índices de pessoas, os dêiticos espaciais e temporais, os tempos verbais, as modalidades, etc.

Considerado como o enunciado propriamente dito, é com o Nível 8 (N8) que se pode compreender a força que o enunciado produz, uma vez que ele reflete os atos de discurso e a

7 Por ser a representação discursiva – nível semântico – o foco deste estudo de doutoramento, dedicamos, a seguir, um tópico exclusivo para esse nível textual, a fim de compreender mais detalhadamente o nosso objeto teórico. Por esse motivo, não nos alargamos, nesse momento, em sua discussão.

orientação argumentativa que o enunciador intenciona manifestar por meio do dizer (afirmações, perguntas, promessas, etc.).

Algo que deve ser ressaltado é que os níveis 6, 7 e 8 “são dimensões constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto de vista e uma valor ilocucionário/argumentativo” (PASSEGGI et al. 2010, p. 268).

Nesse ínterim, no nível textual estão as questões relacionadas à textura, à estrutura, à semântica, à enunciação e aos atos de discurso (níveis 4, 5, 6, 7 e 8, respectivamente). Todavia, na ATD, proposta de análise pragmática textual ligada à análise do discurso, essas questões devem ser vistas na relação com o nível do discurso, ou seja, observando a ação de linguagem, a interação social e a formação discursiva que institui pragmaticamente os gêneros de discurso (níveis 1, 2 e 3), uma vez que é na relação entre esses níveis que se constroem os efeitos de sentidos passíveis de interpretação.