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METODOLOGIA DE TRABALHO PARA A IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS POLISSEMIAS DE UM TERMO

4. ONTOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

4.2. Ontologias e Organização do conhecimento

4.2.1. Da necessidade de organização para a difusão do conhecimento

O conhecimento advém do contato e da experiência que o indivíduo estabelece com a realidade. Tanto a observação, quanto a percepção, como a compreensão são características inerentes ao processo de obtenção do conhecimento.

Esse processo cognitivo é analisado por Smith (2004) e Dahlberg (2006). Smith (2004) diz que o conhecimento existe na mente de cada indivíduo. Segundo o autor, essa atividade humana dá-se através da identificação de conceitos que esse mesmo indivíduo apresenta em relação aos objetos que integram a sua realidade: “Knowledge exists in the minds of human subjects. Hence we can have knowledge of things in reality only insofar as they are brought under the conditions which are the presuppositions of their being taken up into our minds. Hence we can have knowledge not of entities as they are in themselves but only of our own concepts.” (Smith, 2004:74).

Por seu turno, Dahlberg (2006) afirma que o conhecimento resulta da certeza que é expressa pelo indivíduo acerca de um fato; a autora destaca que o conhecimento é um ato individual e intransferível: “Knowledge is the subjectively and objectively fairly well-founded certainty of somebody about the existence of a fact or a matter. This knowledge is not transferable, it can only be elaborated by somebody’s own personal reflection.” (Dahlberg, 2006:12).

Os “pontos de vista” dos autores complementam-se no sentido de que o conhecimento resulta de uma prática individual que pode ser expressa tanto através de uma ocorrência ou fato e ainda do conceito de um dado objeto.

Assim, cada membro de uma dada comunidade apresenta conhecimentos variados em relação aos objetos e fatos e/ou ocorrências que fazem parte da sua realidade. Neste caso, os especialistas que integram essa mesma realidade,

imprescindivelmente devem chegar a um acordo em relação aos conceitos, onde interagem aspectos sociais, culturais e históricos.

Sendo o conhecimento um fenômeno pelo qual se apreende o conceito acerca de um objeto que existe, a identificação de suas características, de suas propriedades e de seus atributos, numa determinada realidade, vai permitir classificar esses elementos, considerando a semelhança entre eles.

Esse processo é abordado por Hjørland, para quem a representação do conceito é um processo subjetivo ou ainda individual, social e cultural pelo qual o indivíduo descreve a realidade baseada no seu conhecimento: “Although objects have objective properties, representation of those properties in languages and concepts is always more or less “subjective” or “based” by individuals, social groups, or different cultures. Different human interests stress different properties of objects.” (Hjørland, 2007:385).

Nessa mesma linha de pensamento, Lucio-Arias e Loet referem-se ao conhecimento como uma construção semântica e social. Os autores evidenciam que a variação das novas descobertas pode ser medida em relação às mudanças que ocorrem na representação semântica da construção social do conhecimento: “knowledge is a semantic (and social) construct, variation from new discoveries can also be measured in relation to changes in the semantic representation of the social construction of knowledge.” (Lucio-Arias e Loet, 2007:606).

Segundo Dahlberg, a concepção de um sistema de conceitos tem em conta os próprios elementos que constituem o conceito: “Regarding the construction of concept systems, the possibility of organizing knowledge contained in knowledge units, i.e. in concepts, into a systematic order, one would not need to look for outside help, as this is contained in the concepts themselves, i.e. by their concept elements, their characteristics.” (Dahlberg, 2006:13).

Assim, a conceitualização é uma operação cognitiva pela qual o indivíduo apreende o conhecimento referente à realidade que o rodeia. Através do processo de conceitualização, o indivíduo pode generalizar ou restringir o seu conhecimento acerca dessa realidade, considerando a sua vivência, experiência ou introspecção.

Embora comportando-se como uma ação individual, a conceitualização pode ser uma atividade pela qual os indivíduos encontram semelhanças na maneira de estabelecer as propriedades de um objeto que integra uma dada realidade. A esse respeito, Kleiber, já em 1999, referia que “Dans une vaste série de cas, nos conceptualisations ou notre modèle mental du monde est largement identique d’un individu à l’autre, ce qui forme une sorte de socle pour une intercompréhension réussie.” (Kleiber, 1999, 21-22).

O processo de conceitualização estrutura o conhecimento de um domínio de especialidade através das relações conceituais referentes a um determinado objeto. A esse respeito, Feliu diz-nos que, “El conjunt de les relacions que els conceptes d’un mateix àmbit especialitzat mantenen entre ells constitueix l’estructuració conceptual d’una matèria o camp de coneixement sobre un objecte. A través d’una selecció de conceptes i de relacions, organitzats en predicacions, verbalitzem el coneixement que tenim d’una matèria en concret.” (Feliu, 2004:25).

A organização do conhecimento através dos conceitos resulta de um objetivo a ser alcançado, isto é, o especialista tem em conta a organização do conhecimento através de um “ponto de vista”. Diferentes representações da realidade são elaboradas por distintos especialistas de um mesmo domínio, onde cada uma delas representa a percepção desses indivíduos.

Um sistema de organização do conhecimento é constituído por conceitos e relações semânticas que representam um domínio de especialidade.

A organização conceitual tem em conta a sistematização e estruturação de um domínio de especialidade, ou seja, essa tarefa pode auxiliar na representação dos conceitos e no estabelecimento de relações entre conceitos e termos, e ainda pode descrever os diferentes usos de uma mesma unidade em diferentes contextos.

Assim, através da sistematização dos conceitos é possível identificar, extrair, manipular, armazenar e recuperar informações em função do estudo que se deseja realizar num dado domínio.

Conforme Bräscher e Café (2008), a organização do conhecimento tem em conta “o processo de modelagem do conhecimento que visa a construção de

representações do conhecimento. Esse processo tem por base a análise do conceito e de suas características para o estabelecimento da posição que cada conceito ocupa num determinado domínio, bem como das suas relações com os demais conceitos que compõem esse sistema nocional.” (Brascher e Café, 2008:8).

A classificação e a ordenação do conhecimento num dado domínio, é uma atividade relativa, subjetiva e arbitrária, considerando que esse trabalho vai ao encontro das necessidades dos integrantes dessa mesma comunidade.

A organização do conhecimento de um domínio de especialidade através de corpora é uma metodologia que privilegia o estudo da variação dos termos, pois os corpora são na sua maioria constituídos por textos que embora focalizem um mesmo “ponto de vista” em relação à descrição e tratamento de um termo, podem apresentar variações de significações para essas unidades.

Segundo Cabré (1993:361) através do texto de especialidade é possível identificar a organização conceitual de um domínio de especialidade e detectar seus nós significativos mais importantes.

Mais tarde, Cabré e Estopà (2002:147) atentam para o fato de que um mesmo conceito pode apresentar distintas facetas num mesmo texto.

Por sua vez, Bachimont (2005) destaca que a conceitualização pode ser o resultado de três distintos níveis de trabalho: o linguístico, o semântico e o terminológico. Esse trabalho permite a extração dos conceitos do domínio em questão, a sua definição e a sua articulação, a partir dos textos de especialidade: “La conceptualisation correspond au travail linguistique, sémantique et terminologique permettant d’extraire les concepts du domaine, leur définition et leur articulation, à partir des textes et documents.” (Bachimont, 2005:320).

No âmbito da organização do conhecimento e da conceitualização da realidade científica, é sabido que os especialistas podem apresentar diferentes perspectivas em relação à representação do conhecimento do domínio de especialidade que integram.

Assim, tendo em conta as diversas maneiras de representar uma mesma realidade, por que não considerar a polissemia um fenômeno real de ocorrência na

representação do conhecimento? Afinal, a sua sistematização pode permitir uma maior eficácia para o tratamento do domínio especializado.

Nesse sentido, tanto a sistematização quanto a organização são processos que podem contemplar e favorecer a veiculação e disponibilização de maneira precisa e objetiva as informações que resultam de um processo polissêmico que, por sua vez, pode ocorrer num eixo diacrônico.