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METODOLOGIA DE TRABALHO PARA A IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS POLISSEMIAS DE UM TERMO

3. TERMINOLOGIA DIACRÔNICA

3.2. A variação conceitual, uma realidade que deve ser revisitada em terminologia

A variação é resultado da evolução técnica e científica que atinge as línguas de especialidade. A difusão do conhecimento é um processo dinâmico, não sistemático, ou seja, não obedece a uma linearidade, daí o surgimento de variados e distintos pontos de vista que procuram explicar através de suas teorias singulares a relação entre o conceito e o termo.

Freixa (2002) sublinha que a partir do processo de denominação, um mesmo conceito pode ser abordado de distintas maneiras, desse modo, poderá resultar em denominações diferentes. A autora acrescenta que, as denominações referentes a um mesmo conceito podem referir-se a uma parte do conteúdo conceitual que apresenta relevância em um determinado contexto.

Brigandt (2012) fala sobre a variação interna do conceito, mais precisamente, a variação no uso de um termo dentro de uma comunidade científica. Segundo a autora essa ocorrência é uma realidade que determina a mudança conceitual e que deve ser analisada a partir do uso dessas unidades perante essa mesma comunidade.

Por sua vez, Kostina (2009) refere-se que a variação conceitual é um processo cognitivo que gera modificações graduais num conceito, manifestando-se linguístico e

semanticamente em diferentes graus de equivalência entre os sentidos de uma unidade lexical ou entre os sentidos de suas variantes léxico-semânticas.

A variação conceitual resulta de uma modificação que afeta tanto o plano do conteúdo quanto o plano da expressão de um termo. Tal mudança gera uma certa instabilidade diante da relação conceito-termo que por sua vez é refletida no discurso especializado.

Os conceitos podem apresentar fronteiras tênues, temos em conta que esses elementos podem ocupar espaços semânticos diferentes de acordo com os contextos de ocorrência.

O estudo sobre a variação terminológica é relevante, no tocante que, a partir da identificação da variação de conceitos que um dado termo pode apresentar, é possível sistematizar essas variações conceituais a fim de escolher qual o conceito que pode ser relacionado ao termo em função do estudo que está sendo realizado.

A realização desse estudo permite ao especialista ter um melhor discernimento no momento de escolher aquele conceito, por exemplo, que seja pertinente para a elaboração de uma definição capaz de denominar um dado objeto inserido numa determinada realidade. Ou ainda saber como sistematizar e inserir os conceitos referentes a um termo numa base de dados do conhecimento, considerando que cada um desses elementos é uma realidade que ocorre num certo momento da língua.

Desse modo, Czap nota que os bancos terminológicos acumulam vários problemas causados pelas variações de sentido, que de certo modo, afetam o próprio conceito, quando esse elemento passa de um domínio para o outro: “les grandes banques de terminologie accumulent les problèmes posés par les variations minimes de sens qui affectent un concept lors de son passage d'une discipline ou d'un contexte à l'autre.” (Czap, 1989:72).

Por seu turno, Freixa diz-nos que o especialista atua de maneira espontânea ao escrever um texto, desse modo, esse indivíduo é livre para introduzir as variações de maneira consciente e inconsciente. Porém, segundo a autora, quando esse mesmo especialista é questionado sobre as mudanças denominativas, a espontaneidade diminui consideravelmente e, portanto, aumenta o grau de consciência sobre a

variação. Assim Freixa sublinha que “El especialista actúa libremente cuando redacta su texto original, e introduce variación consciente o inconscientemente, pero parto de la base de que por el simple hecho de hacerle reescribir el texto y de interrogarle sobre sus cambios denominativos, la espontaneidad decrece considerablemente y, por tanto, aumenta el grado de conciencia sobre la variación.” (Freixa, 2005:7).

Dessa maneira, o terminólogo deve refletir acerca de como ter em conta o processo de variação antes de adotar um termo ou um conceito.

Quando se fala em variação terminológica, implicitamente, se reconhece que as características de monossemia e de biunivocidade que regem a relação entre o conceito e o termo são afetadas (cf. ponto 1.1.3.).

Kocourek (1991) refere-se à variação em língua de especialidade como um processo temporal e dinâmico, pelo qual a língua de especialidade comporta-se sob a forma de uma dicotomia entre o estado contemporâneo e o seu estado passado.

A esse respeito, podemos mencionar que na dinâmica da língua, a forma e o conteúdo são elementos que podem variar tanto sincronicamente quanto diacronicamente.

Por sua vez, Boulanger defende a ocorrência e a relevância dos estudos sobre a variação como um fenômeno que fundamenta a teoria da socioterminologia. Nas palavras do autor: “La variation terminologique est aussi nécessaire et evidente que la variation lexicale ou linguistique observée pour toute langue fragmentée dans le temps, dans l'espace et dans la société. Ces variantions diachroniques, diatopiques et diastratiques forment l'essence même de la socioterminologie.” (Boulanger, 1991:19)

Boulanger ainda nota que em uma língua que é partilhada, pode haver correspondência com culturas distintas que suscitam naturalmente terminologias variáveis no que se refere a descrição dos mesmos objetos referentes a uma mesma realidade. No dizer do autor: “une langue partagée correspondent donc des cultures distinctes qui suscitent naturellment des terminologies variables pour désigner parfois les mêmes choses.” (1991:21).

Cabré (1998) chama a atenção para o fato de que, a não abordagem dos fenômenos, tanto de variação formal, quanto de variação conceitual dos termos, como

processos inerentes ao funcionamento da língua e da comunicação geral e de especialidade, resulta em métodos de trabalhos de ordem prescritiva, que de certo modo passam a ser considerados para todo tipo de investigação, independente do tema de trabalho, de suas finalidades, dos contextos nos quais são realizados e da tipologia linguística.

Assim, conforme lembram Bourigault e Slodzian (1999), uma terminologia elaborada para uma determinada aplicação, num determinado espaço do tempo, distingue-se de uma outra, aplicada para uma tarefa diferente a fim de atender um objetivo distinto.

Gaudin e Bouveret (2003) referem que os conceitos devem ser estudados em relação à variação discursiva. Conforme os autores, as questões teóricas e práticas relativas ao estudo variacionista devem propor modelos de aplicações computacionais que sejam capazes de representar esse fenômeno da relação entre conceitos e termos. Nesse contexto, Condamines et al. (2004) sublinham que a variação terminológica pode ser observada tendo em conta três ângulos distintos, são eles: a forma dos termos, a sua distribuição e o seu funcionamento semântico.

Conforme o nosso trabalho, deteremos-nos a analisar a transferência semântica como um processo pelo qual um termo absorve um outro conceito. Esse processo é referido pela ISO (704, 2009) da seguinte maneira: “Semantic transfer is the process whereby an existing term within a special language is used to designate another concept by logical extension: terms designating a concept corresponding to concrete objects can be extended to abstract objects, a part extended to the whole, a container extended to the substance contained, etc.” (ISO 704, 2009:54).

A esse respeito, Francelin refere-se à dificuldade de apreender a carga semântica do conceito; segundo o autor, a compreensão de um conceito está relacionada às experiências apresentadas por um indivíduo que integra uma comunidade social: “A carga semântica de um conceito é de difícil determinação porque ocorre no sujeito e depende de suas experiências como indivíduo que pertence a uma determinada coletividade.” (Francelin, 2010:43).

Assim, podemos referir que o conceito e o termo apresentam relevância para a Terminologia; é a partir da relação estabelecida entre esses dois elementos que se pode obter uma estabilidade semântica. Ocorre uma estabilização semântica quando um termo associa-se a um conjunto de características, propriedades e/ou atributos que definem o conceito que ele designa com o objetivo de diferenciá-lo de outros conceitos.

Assim, refletir a ocorrência de variação em língua de especialidade é ter em conta que as transformações, no seio de cada domínio, podem estar relacionadas com a relação conceito/termo, daí da possibilidade da ocorrência de polissemia como mecanismo inerente à evolução de toda língua.

3.3. Especialização e Interdisciplinaridade no domínio de especialidade: processos