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1. POLISSEMIA NOMINAL DIACRÔNICA

1.2. Reflexões em torno do conceito de polissemia 1 O “ponto de vista” em polissemia

1.2.2. Polissemia: um conceito difícil de delimitar

Delimitar a polissemia não se refere apenas à enumeração de sentidos que apresentam elementos comuns e que são referentes a um dado termo. Antes de tudo, essa tarefa consiste na adoção de uma perspectiva que possa fundamentar a descrição e análise da sua complexidade.

É necessário estabelecer um “ponto de vista” para descrever o que se entende por polissemia e a que nível esse fenômeno deve ser estudado.

No que se refere à delimitação das significações, essa tarefa deve ser fundamentada em critérios claros a fim de conceber fronteiras mais nítidas e precisas entre cada um desses elementos (cf. Lopez, 2002:75).

A polissemia é um conceito complexo que engloba os aspectos seguintes: formulação de critérios que tenham em conta a sua identificação e descrição; o tratamento dispensado às relações entre as significações de um mesmo termo, considerando as características em comum entre esses elementos; e ainda o estudo realizado a nível diacrônico.

Tendo em conta a amplitude do conceito de polissemia, levantam-se várias questões em relação ao seu tratamento.

Kleiber enumera algumas questões acerca da polissemia, de forma resumida: a) como a polissemia deve ser definida; b) em qual nível esse fenômeno deve ser analisado: semântico ou pragmático; c) é possível considerar que há ocorrência de polissemia quando um sentido é derivado a partir de um sentido já existente, e que o autor denomina de sentido de base; d) qual o papel do contexto na delimitação dos sentidos múltiplos de um termo; e) como tratar a polissemia tendo em conta a dimensão diacrônica (cf. Kleiber, 1999:54).

Por sua vez, Demange-Paillet refere que a polissemia é um fenômeno que levanta as seguintes questões: a) quais os elos que unem os vários sentidos de um “polissema” ? – denominação utilizada pelo autor; b) como passar de uma pluralidade de sentidos a um sentido unívoco a nível do discurso? (cf. Demange-Paillet, 2005:22).

Segundo Silva (2006), a polissemia é uma questão de representação mental e os usos de uma mesma unidade linguística estão polissemicamente – termo utilizado pelo autor – representados na mente dos indivíduos.

Considerando este quadro de reflexões em relação ao conceito de polissemia, retomamos a seguinte questão levantada por Kleiber (1999): como tratar a polissemia tendo em conta a dimensão diacrônica. Este estudo permite-nos refletir sobre a reutilização de uma mesma unidade em espaço e tempo distintos da língua. Desse modo, estaremos diante de conceitos e/ou significações que apresentam características tanto sincrônicas quanto diacrônicas (cf. ponto 1.7).

Essa reflexão remete-nos para uma outra questão: caso uma significação de um dado termo que é utilizada num período “x” seja idêntica à ocorrência da significação desse mesmo termo num tempo “y”, podemos considerá-la como polissemia? Ou apenas como significações referentes a um termo que ocorrem e se situam em tempo e espaço distintos da língua? Contudo essas significações podem agregar um constituinte que pode diferenciá-las e assim conceder a cada uma dessas significações as particularidades que só podem ser identificadas, analisadas e descritas através de metodologias de ordem diacrônica (cf. ponto 6).

Assim, questões como essas serão discutidas ao longo deste trabalho, no qual, pretendemos apontar algumas resoluções para o tratamento desse fenômeno.

A análise sobre a polissemia é uma maneira de se investigar a estrutura do léxico e, portanto, indiretamente, do conhecimento humano (cf. Kilgarriff, 1992).

Para Temmerman (2000), a polissemia é causada pela mudança ocorrente em três níveis: mudança da compreensão da categoria (concepção); mudança na categoria, por exemplo, inovação tecnológica ou sociológica (percepção) e a mudança nos meios de expressão do que se percebe e compreende, ou seja, o resultado dos mecanismos de mudança na língua.

Por sua vez, Alves (2000) observa que a ocorrência de polissemia pode resultar de dois fatores, são eles: a utilização frequente de um termo e o caráter transparente desse mesmo termo.

Diante desse panorama, é necessário referir que a reflexão em torno da polissemia é maioritariamente realizada na língua corrente, onde se diz que esse fenômeno constitui a regra e a monossemia, por sua vez, comporta-se como um caso de idealização no que se refere à relação entre conceitos e objetos da realidade por parte dos domínios de especialidade (cf. Honeste, 1999:27).

Nessa mesma linha de pensamento, Alves (2000) aponta que a polissemia, em língua de especialidade, apresenta um tratamento que não se diferencia muito em relação à língua comum; o conceito desse termo em Terminologia é definido de maneira análoga às definições referidas na língua comum.

A título de informação, elencamos alguns trabalhos onde o fenômeno da polissemia é objeto de investigação na língua corrente, segundo perspectivas diferenciadas por parte de vários autores, dentre eles, Cusimano (2008), Rastier (2006, 2003, 2000), Gaston Gross (2005, 1997), Mejri (2004), Kleiber (2002, 1999, 1984), Martin (2001), Victorri e Fuchs (1996), Cadiot e Habert (1997), Récanati (1997), Pustejovisk (1995), Mel'čuk, Clas e Polguère (1995), Kilgarriff (1992), Ullmann (1957).

Tendo em conta a analogia referida entre a polissemia na língua corrente e na língua de especialidade, acrescentamos que o estudo sobre esse fenômeno pode ser delimitado a partir dos estudos da semântica, conforme apontam Ullmann (1957), Kleiber (2002) e Girardin (2004).

Para a análise e descrição desse fenômeno, Ullmann (1957) tem em conta as abordagens sincrônica e diacrônica. A citação do autor revela o dinamismo que caracteriza o sentido de uma dada unidade quando esse elemento é descrito nessas distintas abordagens: “Polysemy is the pivot of semantic analysis. Couched in synchronistic terms, it means that one word can have more than one sense. Translated into diachronistic terminology, it implies that a word may retain its previous senses or senses and at the same time acquire one or several new ones.” (Ullmann, 1957:117).

Por sua vez, Kleiber chama a atenção para a dificuldade da delimitação desse fenômeno e acrescenta que, o tratamento da polissemia é uma questão de um “ponto de vista”: “La polysémie comme un ingrédient central de la sémantique du langage, elle ne se laisse pas facilement domestiquer, étant donné qu'elle amène, tôt ou tard, à une position.” (Kleiber, 2002:89-90).

Kleiber revisita o conceito de polissemia e diz-nos que a sua ocorrência deve ser considerada em função das propriedades das significações de uma unidade, que de certo modo, estabelecem uma relação em comum: “Nous nous proposons de reprendre de problème de la multiplicité de sens associée à une unité lexicale pour essayer de voir quelles sont les propriétés que doivent présenter de tels sens pour mériter le label de polysémie ou non.” (Kleiber, 2008:87).

Por último, Girardin refere que a dificuldade de redefinição do conceito de polissemia concentra-se em termos teóricos. Conforme nota o autor, “la polysémie est au centre de toutes les études sémantiques et la place décisive qu'elle occupe actuellement pose des questions théoriques de fond qui conduisent à une redéfinition du concept, les divergences apparaissant dès lors qu'il s'agit de s'entendre sur les termes définitoires” (Girardin, 2004:133).

Observamos uma constante revisitação do conceito de polissemia, em virtude de suas bases teóricas apresentarem uma insufiência para explicar a complexidade e dinamicidade desse fenômeno, muito em especial, nas línguas de especialidade.

Refletir sobre a polissemia é uma maneira de compreender a relação estabelecida entre significações que estão ligadas por algum tipo de relação de semelhança tanto a nível sincrônico quanto a nível diacrônico. O seu estudo e a análise permitem identificar os variados e distintos tipos de relações polissêmicas com o objetivo, dentre outros, de desenvolver ferramentas computacionais que sejam pertinentes às distintas necessidades de representação dos tipos de relações polissêmicas, sejam elas sincrônicas e diacrônicas.

Assim, delimitar a polissemia é uma tarefa difícil, considerando que a inexistência de fronteiras, mesmo tênues, entre as significações de um termo implica também a ausência de relações entre as referidas significações. Essa mesma

dificuldade pode ser observada a nível conceitual, pelo fato de os conceitos assumirem distintas funções: ora como uma propriedade, ora como uma característica, ou ainda como um atributo, enfim, esses elementos apresentam-se num mesmo nível de tratamento, isto é, são tratados apenas e exclusivamente como conceitos.

De acordo com o parágrafo acima, a ocorrência da polissemia em língua de especialidade deve ser tratada de maneira distinta, quando nos referimos tanto ao nível linguístico, quanto ao nível conceitual (cf. ponto 2.5.2).

A delimitação da polissemia não consiste apenas em estabelecer uma fronteira com a homonínia, conforme referido anteriormente (ponto 1.1.4). Essa problemática reincide sobre uma questão de níveis de significações, isto é, cada elemento que constitui uma significação deve estar e ocupar uma determinada posição de hierarquia em relação a outros elementos.

Desse modo, para desenvolvermos a nossa perspectiva de análise e descrição da polissemia, tanto a nível sincrônico quanto a nível diacrônico, recordamos a perspectiva de Pottier, através da qual, o autor utiliza os conceitos de semas, sememas, taxemas, etc, para classificar cada um dos elementos que compõem cada significação de uma unidade lexical. Assim, cada traço distintivo de uma unidade estabelece uma relação de semelhança ou diferença com os outros elementos que pertence a esse mesmo nível.

No entanto, é dificil identificar e denominar semas e sememas referentes aos termos em situação de contexto.

Sob a abordagem diacrônica, as significações polissêmicas ocupam distintos espaços no tempo e a sua disponibilização pode ocorrer de diferentes maneiras nesse mesmo eixo temporal. No entanto, essas mesmas significações ocupam determinados espaços que as delimita tendo em conta os intervalos de tempo nesse mesmo eixo. (cf. ponto 1.7).

Dessa maneira, defendemos que a polissemia ocorre quando há uma relação de semelhança ou proximidade entre as significações que integram cada um dos espaços delimitados no eixo temporal. A título de informação, Geeraerts (1997)

sublinha que as polissemias não apresentam um estatuto igual, isto é, pode haver elementos centrais e periféricos.

Por assim dizer, de certo modo, a polissemia sincrônica e a polissemia diacrônica, apesar de apresentarem uma fronteira tênue, complementam-se no sentido de que, no eixo diacrônico, é possível identificar polissemias que comportam- se como sincrônicas no momento em que se delimita o espaço para observá-las e descrevê-las.

Nesse contexto, falar sobre a polissemia é ter em conta um “ponto de vista” para analisar e descrever a ocorrência desse fenômeno.