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1. POLISSEMIA NOMINAL DIACRÔNICA

1.7. Polissemia Nominal Diacrônica

Verifica-se que a maioria dos estudos realizados sobre a polissemia privilegia a abordagem sincrônica. Esse trabalho tem como ponto de partida a análise das significações de um termo, com o objetivo de identificar os elementos que estabelecem afinidades e que são responsáveis por tornar essa unidade polissêmica.

Diante desse quadro, sentimos a necessidade de integrar o estudo desse fenômeno numa perspectiva diacrônica, considerando que uma nova significação pode ser um elemento originado a partir de uma das significações do termo que se encontram em distintos espaços temporais da língua.

Através da abordagem diacrônica é possível identificar a causa pela qual um termo possa tornar-se uma unidade polissêmica, tendo em conta os tipos de relação que essa nova significação estabelece com o elemento existente.

Desse modo, o questionamento do motivo da mudança da significação conduz ao levantamento de uma série de premissas relacionadas, tanto aos fenômenos inerentes à formação das significações, como é o caso da ampliação, da restrição ou da criação de semas, quanto aos fatores externos à criação do elemento significação, mas que, de certo modo, motivam a sua gênese. Nesse caso, podemos referir que a

evolução nos domínios de especialidade pode ter como causa a descoberta de uma nova realidade.

A mudança de significação pode resultar da evolução da tecnologia, da transferência de vocabulários especializados entre sub-domínios de uma mesma área de especialidade, ou ainda quando um hipônimo ou um hiperônimo correspondem a um mesmo termo.

Podemos referir que, num mesmo domínio de especialidade, podem existir distintas correntes de pensamento que inspiram os trabalhos de grupos de pesquisas que podem ser paralelos e não coincidem necessariamente, ou ainda a existência de diferentes perspectivas que abordam um mesmo objeto da realidade de maneiras distintas.

Com base nesse cenário, o estudo da polissemia sob a abordagem diacrônica pode ser considerado a partir da definição apresentada por Bréal (1924). Apesar de ser uma definição elaborada há mais de cem anos, conforme a primeira edição da obra do autor6, a descrição desse fenômeno continua a ser atual, pois descreve de maneira precisa a trajetória de constituição da polissemia, através da relação de semelhança entre significações: “Le sens nouveau, quel qu’il soit, ne met pas fin à l'ancien. Ils existent tous les deux l'un à côté de l'autre. Le même terme peut s'employer tour à tour au sens propre ou au sens métaphorique, au sens restreint ou au sens étendu, au sens abstrait ou au sens concret... A mesure qu'une signification nouvelle est donnée au mot, il a l'air de se multiplier et de produire des exemplaires nouveaux, semblables de forme, mais différents de valeur. Nous appellerons ce phénomène de multiplication la polysémie.” (Bréal, 1924:143-144).

A fim de demonstrar que o novo sentido não anula a existência dos outros sentidos da unidade, Bréal situa-os estrategicamente num mesmo eixo de organização, ou seja, num espaço onde cada um dos sentidos esteja disponibilizado um ao lado do outro.

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BRÉAL, Michel, (1897), Essai de Sémantique (Science des significations), Paris, Librairie Hachette et Cie, 79, Boulevard Saint-German.

Diante do ponto de vista do autor, lembramos que a utilização de cada um desses sentidos é regida por uma situação de contexto distinta. Desse modo, num dado contexto é possível identificar, por exemplo, a ocorrência do sentido novo e do elemento que o originou. Já em outro contexto, é provável identificar a presença de dois sentidos que não caracterizam uma realidade nova, mas que indicam a ocorrência de polissemia e que, de certa maneira, essa relação é marcada pela diacronia.

Essas distintas maneiras de ocorrência de polissemia levam-nos a refletir que o estudo da polissemia diacrônica deve ser fundamentado tanto na relação diacrônica quanto na sincrônica estabelecida entre os sentidos de um dado termo.

A esse respeito, Brocardo (2007) evidencia a necessidade da articulação entre os fenômenos sincrônicos e diacrônicos para fundamentar os estudos realizados sobre a polissemia diacrônica como uma abordagem capaz de delimitar a especificidade da mudança de significação de uma unidade lexical.

A título de exemplificação, apresentamos um caso prático demonstrado por Magué. Diz-nos o autor que : “À un instant t0 de son histoire, un mot M porte un sens S1 à partir duquel se développe un sens S2 à un instant t1. L’étape finale est la perte du sens S1 à un instant t2. Cette dernière n’est pas indispensable pour pouvoir parler de changement sémantique, l’étape cruciale étant le développement du sens S2 à partir du sens S1. La polysémie est donc la manifestation synchronique des changements sémantiques.” (Magué, 2005:2).

O exemplo prático do autor demonstra o momento de criação de um sentido polissêmico do termo. Contudo, Magué, ao falar sobre a polissemia, tendo em conta os níveis da diacronia e da sincronia, considera que esse fenômeno, para além de ser uma manifestação sincrônica das mudanças semânticas, é também uma manifestação a nível diacrônico, pelo fato de que a significação é delimitada num dado espaço de tempo, que, por sua vez, origina uma nova significação.

Abrimos um espaço para referir que o termo não perde a significação que lhe foi proposta, o que pode acontecer é que esse elemento pode entrar em desuso em função de vários motivos, dentre esses, a descoberta de uma nova realidade e consequentemente o uso da significação que reflete essa nova realidade. Desse modo,

o novo conteúdo passa a estabelecer uma relação constante com o termo. Contudo, não invalida que esse mesmo termo possa estabelecer conexão com as suas outras significações. Essa evidência pode ser constatada a partir dos textos de especialidade quando o autor evoca as significações que não são atuais para fazer referência a algo que aconteceu num passado próximo ou distante.

Uma informação diacrônica, acerca de um termo, tem em conta dois momentos: o estado em que o termo se encontra em relação às significações (atual e as antigas); e o intervalo de tempo da informação na qual este estado ocorre.

Através do estudo diacrônico da polissemia é possível identificar a continuidade das significações ao longo do tempo. Porém, essa sequência não ocorre de maneira sistemática, ou seja, quando uma significação dá origem a um novo elemento, que por sua vez, a partir desse elemento possa ser concebido uma outra significação.

Esse fenômeno pode ser entendido como uma sequência não linear, pelo qual qualquer uma das significações referentes a um termo pode originar ou pode ser um predecessor de um outro sentido.

Assim, um termo que já existe, embora considerado polissêmico, em função das significações que apresenta anteriormente, pode tornar-se um homônimo no momento em que adquire uma nova significação que não apresenta nenhuma relação de semelhança com os elementos anteriores. Diante dessa situação, o termo, mesmo passando por uma ruptura no que diz respeito à absorção de sentidos numa sequência temporal, ainda é considerado uma unidade polissêmica diacrônica.

Desse modo, a criação de uma significação é relativa a uma dada época e momento do discurso dentro de uma comunidade científica e refere-se a um objeto da realidade. Essa significação, por sua vez, pode estabelecer ou não um elo de semelhança com os outros elementos referentes ao termo.

O estudo da polissemia diacrônica contempla a história da relação conceito/termo e/ou termo/ significação, que, por sua vez, reflete-se na evolução do léxico especializado de uma dada comunidade científica. Assim sendo, esse estudo também colabora para uma melhor compreensão e entendimento do domínio de especialidade.

O valor histórico da polissemia é veiculado pela realidade espaço-temporal inerente à relação significação/termo. A delimitação dessa ocorrência polissêmica através do uso em situação de contexto contribui para a estabilização dessa polissemia.

Desse modo, Kleiber refere que a polissemia resulta de uma estabilização histórica, pois ao longo do tempo os sentidos de um termo são caracterizados pela flutuação em relação ao uso dessa unidade. O autor nota que a integração dessa unidade na estrutura do léxico da língua e o seu registro em dicionários são tarefas que concedem uma estabilidade às unidades lexicais: “La polysémie est, certes, le résultat d'une stabilisation historique, et est un résultat qui n'est pas immunable, mais elle est perçue néanmoins comme étant un phénomène stable! C'est ça son côté intersubjectif, qui, à ce titre, même si c'est difficile et si cela reste soumis au flou, mérite d'être enregistré dans la structure du lexique d'une langue (et donc également dans les dictionnaires).” (1999:77).

A título de informação, a nível lexicográfico, é possível encontrar alguns verbetes que estabelecem fronteiras, tanto a nível sincrônico quanto diacrônico, entre as significações de um determinado termo. A delimitação entre as significações apresenta-se de forma clara em relação às significações polissêmicas.

Por sua vez, Rastier (2001) refere-se à polissemia como um fenômeno de relações históricas que ocorre entre as significações de uma unidade lexical. O autor acrescenta que no eixo do tempo as significações atestadas como antigas não recebem um tratamento especial, essas unidades são tratadas como elementos que apresentam relevância em função de sua particularidade.

Por fim, Quemoun (2010) tem em conta que a multiplicidade dos sentidos referentes a uma dada unidade lexical está ligada à diversidade de sua utilização em situação de contexto, que de certa maneira é condicionada por uma característica diacrônica. O autor acrescenta que as unidades lexicais podem adquirir novas significações sem perder o seu sentido primeiro.

Abrimos um espaço para mencionar a complexidade que é identificar o sentido como sendo o primeiro de um termo.

Desse modo, quando trabalhamos com corpora diacrônicos, com o objetivo de identificar o sentido primeiro referente a um dado termo, afirmamos que, quanto maior o espaço de tempo delimitado para essa tarefa, maior a probabilidade de realizá-la. Porém, não significa dizer que esse sentido será encontrado.

Podemos referir também que, no caso de o termo ser resultado de uma criação neológica formal recente e que esta mesma unidade tenha adquirido uma outra significação há pouco tempo, desse modo tornando-se uma unidade polissêmica, certamente essa informação será identificada rapidamente, mas se o termo for uma lexia criada há muito tempo, o trabalho de identificação de seu sentido primeiro torna- se mais difícil.

Como maneira de tornar o trabalho mais viável, em função da identificação da polissemia, podemos falar em sentido predecessor, pelo fato de ser um elemento que pode referir-se tanto à significação primeira de um termo quanto a uma significação posterior a um elemento que já existe.

Assim, sublinhamos o que dissemos anteriormente, que a criação polissêmica é um processo assimétrico pelo fato de que uma mesma significação pode gerar novas significações em distintos espaços de tempo, ou ainda distintas significações posicionadas em diferentes espaços temporais que, por sua vez, podem gerar novos sentidos polissêmicos. Enfim, são várias as possibilidades que contribuem para a gênese da polissemia.

Com base nos estudos sobre a polissemia nominal diacrônica tanto a nível diacrônico, quanto sincrônico, passaremos ao estudo desse fenômeno nos corpora de especialidade, tendo em conta que é a partir dessas coleções de textos que se pode ter uma melhor observação das particularidades das relações polissêmicas.