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Da possibilidade de nova aferição de constitucionalidade de norma já declarada

CAPÍTULO III – RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO DE

3.1 Da possibilidade de nova aferição de constitucionalidade de norma já declarada

Questão interessante é a de saber se e como podem se dar outros juízos de constitucionalidade de uma norma já submetida ao controle do STF por via de ação.

Em primeiro lugar nunca é demais lembrar que a CF/88 fixou o STF como órgão de cúpula do Judiciário, atribuindo-lhe a competência para interpretar e preservar o seu texto. Appio118 ensina que:

Ao fixar a competência do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102) para a guarda e proteção da Constituição, não se pode admitir que os juízes das instâncias inferiores novamente decidam a mesma e idêntica questão

115SARLET, Ingo Wolfgang, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 999.

116 MS nº 20.505/DF. Relator Ministro Néri da Silveira, DJ 08.11.1991.

117 A título de exemplo podemos citar os seguintes julgados: Rcl-AgR 2.009, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 10.12.2004; Rcl-AgR 3.293, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 13.04.2007; Rcl 1.525, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 03.02.2006; Rcl 4.904, Relatora Ministra Cármem Lúcia, DJ 17.10.2008; Rcl-AgR 4.054, Relatora para acórdão ministra Cármem Lúcia, DJ 21.11.2008; Rcl-MC-AgR 4.990, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 14.03.2008; Rcl-MC-AgR 4.785, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 14.03.2008; Rcl-AgR 7.633, Relator Ministro dias Toffoli, DJe 17.09.2010; Rcl-AgR 8.110, Relator para acórdão Ministra Cármem Lúcia, DJe 12.02.2010.

118 APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos, uniformização de jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2008. p. 43.

constitucional, inclusive com a possibilidade de negar observância do entendimento do Supremo.

Infere-se, portanto, que o STF tem o dever de combater a permanência, no nosso sistema jurídico, de normas eivadas do vício da inconstitucionalidade. Tal afirmação, porém, não implica dizer que uma norma tida por constitucional num dado momento, não possa ser analisada com o passar do tempo e a emergência de outra realidade.

Além disso, deve-se notar que os ministros do STF, ao analisarem a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei, o fazem com base nos argumentos tangíveis, ou seja, com base nos argumentos que lhes foram postos no momento da arguição ou decorrentes da própria percepção do Direito e da realidade de cada um desses julgadores.

Veja que os Ministros não são seres oniscientes e, portanto, não podem declarar, a

priori, que inexiste qualquer outra razão que possa levar a que se considere inconstitucional

uma determinada norma. Ao proclamar que uma norma X é constitucional, o magistrado está simplesmente afirmando que um determinado fundamento Y não torna a norma X inconstitucional.

Ou seja, o STF não possui condições de afirmar a eterna ou absoluta constitucionalidade de um dispositivo legal. Sempre poderão surgir fundamentos novos, com quais o juízo de confrontação acerca da constitucionalidade pode vir a ser alterado. Esses novos argumentos podem decorrer de uma alteração no estado social, econômico, cultural, político ou até mesmo do sistema jurídico como um todo.

Dessa forma, o acórdão que declara a constitucionalidade de uma norma questionada na Corte apenas rejeita determinado fundamento levantado pelos interessados e que poderia conduzir à inconstitucionalidade.

Certo é que um segundo juízo acerca da constitucionalidade de uma lei só será possível se na primeira oportunidade o Tribunal tiver concluído pela constitucionalidade desse mesmo ato normativo.

É que se a norma tiver sido declarada inconstitucional, a consequência é a sua completa exclusão do ordenamento jurídico, de sorte que não haveria mais a possibilidade de sua utilização como parâmetro para controle. Uma vez excluída do ordenamento jurídico não se poderia mais falar de relação entre normas, e essa nova aferição restaria impossibilitada de ocorrer.

Lênio Streck119 vai além ao afirmar que:

Hermeneuticamente, uma decisão que declara a inconstitucionalidade é uma decisão que “nadifica”. Se uma lei é invalidada pelo Tribunal encarregado de dizer por último se uma lei é constitucional ou não, como admitir que alguém, juiz ou tribunal, pudesse dizer o contrário? E sobre o que o juiz estaria julgando? Sobre algo que deixou de ser válido? Sobre uma lei írrita? Nenhuma? Portanto, nada mais lógico que o efeito vinculante em ação que declare a invalidade de um ato normativo.

Esse cenário não modifica a regra segundo a qual, uma vez declarada a constitucionalidade de uma lei, ter-se-á de concluir pela inadmissibilidade de que o Tribunal se ocupe mais uma vez desse juízo. Porém, que fique claro que a ressalva se dá nos casos de significativa mudança das circunstâncias fáticas ou relevante alteração das concepções jurídicas dominantes120. A percepção de que essas alterações justificam uma mudança de

entendimento da Corte está calcada nos pilares da interpretação constitucional e no fenômeno da mutação constitucional.

Segundo Teori Albino Zavascki, parece bastante evidente a inviabilidade de renovação da ação quando se tem a declaração de inconstitucionalidade de uma norma no controle abstrato. Para ele “se a lei é inconstitucional por ofensa a qualquer dispositivo da Constituição, ela permanecerá inconstitucional e, portanto, nula, mesmo que possa ser compatível com todos os demais dispositivos constitucionais”, sendo que qualquer pedido de restabelecimento da norma deveria ser entendido como uma forma indireta de rescisão, o que não se admite121.

Porém, no caso de julgada procedente a ação declaratória de constitucionalidade ou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, reconhecida em controle abstrato a constitucionalidade de uma lei, Zavascki é pela impossibilidade de repetição do pedido de nova ação direta de inconstitucionalidade fundada em ofensa a outro dispositivo constitucional, visto que a repetição do pedido, por qualquer modo, atentaria contra a coisa julgada.

O argumento é o de que o plenário do STF possui entendimento de que na ação direta de inconstitucionalidade o julgamento

119 STRECK, Lênio Luiz. Juridição Constitucional e decisão jurídica. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 723.

120 BROX, Hans. Apud. MENDES, Gilmar Ferreira. O uso da reclamação para atualizar a jurisprudência

firmada em controle abstrato. Observatório da Jurisdição Constitucional. Brasília: IDP, ano 6, v. 1, maio

2013. ISSN 1982-4564.

121 ZAVASCKI, Teori Albino. A eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 105.

independe da causa petendi, formulada na inicial, ou seja, dos fundamentos jurídicos nela deduzidos, pois, havendo, nesse processo objetivo, arguição de inconstitucionalidade, a Corte deve considera-la sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas daqueles focalizados pelo autor122

Esse, inclusive, foi o posicionamento do Ministro no julgamento da Rcl. nº 4374/PE, que entendeu que aquela solução dada pelo STF representava a própria rescisão do acórdão na ação direta de inconstitucionalidade anterior, além do que, para ele o juízo da reclamação seria limitado à averiguação de desrespeito à autoridade da decisão proferida anteriormente, razão pela qual o Tribunal estaria impedido de análise da inconstitucionalidade, ainda que superveniente.

Outro argumento levantado é o de que adotados os parâmetros da tríplice identidade, ou seja, não havendo partes nas ações de controle e sendo idênticos pedidos e causa de pedir, restaria coberta pela coisa julgada a segunda ação direta, mesmo que a ação anterior fosse declaratória, ante a sua natureza dúplice. Zavascki arremata:

Em suma: declarada a procedência ou a improcedência da ação declaratória de constitucionalidade ou da ação direta de inconstitucionalidade, haverá coisa julgada material insuscetível de ser modificada mediante nova ação, ainda que com outro fundamento legal. Aplica-se à hipótese o princípio segundo o qual a coisa julgada opera a preclusão do deduzido e do dedutível, que inspirou o art. 474 do CPC: “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”123.

Embora se possa levantar que há diferença entre os dois casos, o fato é que pode se inferir que para o Ministro Teori Zavascki não é cabível nova ação de controle e nem revisão do julgado por meio da reclamação, o que torna seu posicionamento um contraponto ao que se compreende como desejável, já que a jurisprudência nesse caso restaria engessada.

Ademais, quando se tem uma mudança na realidade fática a ser oposta a determinada lei, não se pode dizer que esta era dedutível. Essas circunstâncias precisam ser concretas de comprovadas em sede de um processo judicial para que seja cabível a revisão de um julgado. A partir desse processo é que se permitirá a atualização de uma jurisprudência que não mais se adéqua às novas demandas da sociedade.

122 ZAVASCKI, Teori Albino. A eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 106.

3.2 Do processo de mutação constitucional e o trânsito para a inconstitucionalidade de