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CAPÍTULO II – ANTECEDENTES HISTÓRICOS, CONCEITO, FUNÇÕES E

2.3 Natureza jurídica

2.3.1 Divergências quanto à Medida Jurisdicional da Reclamação

Superada a primeira divergência quanto à natureza jurídica da reclamação, insta demonstrar os três principais entendimentos acerca do seu enquadramento enquanto medida jurisdicional. Uma primeira corrente defende sua natureza de ação; uma segunda entende o instituto como modalidade recursal e uma terceira como simples decorrência do exercício do direito de petição.

Segundo Gilberto Schäfer91 a reclamação constitucional se caracteriza como ação

constitucional, ao lado de outros remédios como o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança.

Leonardo Morato reforça esse entendimento ressaltando duas características da reclamação. Primeiramente demonstra que o art. 103-A, § 3º da CF/88 utiliza o termo “procedente” para designar o resultado positivo do julgamento da reclamação. Esse termo só seria utilizado para se referir a pedidos formulados no bojo de ações. A outra característica, talvez ainda mais relevante, é a previsão de que em caso de procedência haverá a cassação da decisão judicial ou a anulação do ato administrativo, o que só seria possível por meio de um instrumento adequado à provocação do exercício da jurisdição processual92.

Para Pacheco93 a reclamação é ação fundada no direito de que dispõe a parte em ver

a resolução de determinada demanda ser pronunciada por autoridade judicial competente; ou ainda, ação que busca dar eficácia a outra decisão já prestada por quem tinha poder para tanto, de forma que não remanesça nenhum impedimento ao exercício da competência jurisdicional ou à efetividade das decisões judiciais.

Assim, para parte expressiva da doutrina, a reclamação provoca o exercício da atividade jurisdicional, atribuindo à Corte a competência para, em lide autônoma, fazer valer a força de uma decisão sua ou impedir a usurpação de competências.

90 MANGONE, Kátia Aparecida. Estudo sobre a Reclamação Constitucional. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 1, p. 545-561, jan./jun. 2013.

91 SCHÄFER, Gilberto. Súmulas vinculantes: análise crítica da experiência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 139.

92 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007, p. 110-111.

93 PACHECO, José da Silva. A “reclamação” no STJ e no STF de acordo com a nova Constituição. Revista dos

Esse parece ser o melhor entendimento já que a reclamação inicia um novo processo em que o interessado vai originariamente ao STF requerer a garantia da autoridade de suas decisões ou a preservação de sua competência. Reconhece-se existir um outro processo, por alguma razão causador dessa ação. Porém, inquestionavelmente, o mérito da reclamação será diverso do mérito dessa outra ação.

O tratamento dado à reclamação pela Lei nº 8.038/90, que confere disposições muito semelhantes à da ação civil pública também reforça essa compreensão.

No julgamento da ADI nº 2.212, entretanto, o STF se posicionou contrariamente a este entendimento, expondo o seguinte94:

A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF).

Para o Tribunal, portanto, a reclamação não é ação, posto que não há partes (autor e réu), não há pedido e não há contestação, demonstrando inexistir por essa razão um litígio95.

Ada Pellegrini também reputou descabido o entendimento de que a reclamação tenha natureza de ação. Segundo a autora o instituto mais se aproxima do simples direito de petição assegurado constitucionalmente, já que o interessado se dirige ao Poder Público visando a defesa de direito, contra abuso de Poder ou ilegalidade. Destaca96:

É o que ocorre claramente quando se cuida da reclamação aos tribunais, com objetivo de assegurar a autoridade de suas decisões: não se trata de ação, uma vez que não se vai discutir a causa com um terceiro; não se trata de recurso, pois a relação processual já está encerrada, nem se pretende reformar a decisão, mas antes garanti-la. Cuida-se simplesmente de postular perante o próprio órgão que proferiu uma decisão o seu exato e integral cumprimento.

Assim, para a Suprema Corte, em posição já sedimentada, a reclamação possui natureza de exercício de direito de petição. Este entendimento, entretanto, não está indene de críticas.

94 ADI 2212/CE. Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ. 14-11-2003.

95 ADI 2212/CE. Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ. 14-11-2003. Voto-vista do Ministro Carlos Veloso. 96 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais.

Para Fredie Diddier ao menos cinco questões devem ser levantadas em decorrência dessa posição97. Primeiramente é de se ressaltar que em sendo uma manifestação de simples

direito de petição a reclamação poderia então ser intentada perante qualquer órgão do Poder Público, o que não é o caso, como se vê do próprio dispositivo constitucional. Da mesma forma, não se deveria exigir o pagamento de custas para o ajuizamento de uma reclamação, nem muito menos o rigor com as formalidades, a exemplo da capacidade postulatória, já que isso não é exigível para o direito de petição. Por fim, em se considerando a reclamação como simples direito de petição a decisão proferida após seu processamento não se submeteria à coisa julgada.

Parte desses argumentos foram postos no julgamento da ADI 2212/CE. Na ocasião o Ministro Carlos Veloso, em voto-vista que acompanhou o voto da Ministra Ellen Gracie, expressamente entendeu que os Tribunais Federais poderiam instituir a reclamação em seus regimentos internos, já que se cuidava de simples direito de petição. Esse posicionamento, entretanto, não prevaleceu. Afirmou o Ministro:

Quando integrava o Tribunal Federal de Recursos, no julgamento do MS 89.995/DF, sustentei a constitucionalidade das normas inseridas no Regimento Interno daquela Corte, instituidoras da reclamação, por isso que esta, que tem por finalidade básica garantir a autoridade das decisões do Tribunal, não constitui ação e nem recurso.

Maior espanto, porém, advém da possibilidade de se reconhecer que um ato não jurisdicional possa vir a cassar uma decisão judicial. Tal compreensão foge absolutamente de todos os ensinamentos do direito processual civil brasileiro, que rejeita absolutamente a possibilidade de atos jurisdicionais se sujeitarem a controle por órgãos administrativos.

Por fim, embora com menos força, também há doutrina que defende a natureza recursal do instituto da reclamação. Guilherme de Souza Nucci, por exemplo, aduz que98:

Embora tenha forte conotação disciplinar, assim como a correição, pois medidas administrativas podem ser tomadas contra o magistrado, após o seu julgamento, é um autentico recurso. Afinal, nem sempre está a Corte obrigada a oficiar ao órgão competente para solicitar punição ao magistrado. Por vezes, o equívoco não representa intenção de desatender o julgado superior, sendo inútil tomar providências disciplinares.

97 DIDDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2007, v. 3, p. 381.

98 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 833.

Não parece adequada a compreensão de que a reclamação tenha natureza recursal. Pacheco99 destaca que a reclamação não pode ser comparada a um recurso por algumas

razões, dentre as quais destaca sua indiferença aos pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade.

Além disso, avulta que no caso da reclamação é desnecessário que haja sentença ou decisões que se pretenda reformar ou modificar, bastando que haja interesse em se corrigir eventual desvio de competência ou descumprimento de decisão do STF ou STJ.

Para Alvim100 a reclamação não pode ser comparada a um recurso porque nela não se

pretende a rediscussão da matéria já analisada.

Ademais, na reclamação contra decisão que contrarie pronunciamento do STF proferido em ação direta de inconstitucionalidade, colima-se resguardar a garantia da autoridade de suas decisões, nada mais. Não se analisa, na reclamação, a lide discutida no processo subjacente, como se faz na apelação interposta contra a sentença; quer-se por meio da reclamação, a observância da orientação estampada na decisão da ação direta de inconstitucionalidade, porque a sentença a contrariou, e a Suprema Corte, ao julgar a reclamação procedente, cassará a decisão.

Assim, nota-se que a reclamação não serve à apreciação da matéria dentro do mesmo processo, mas sim de fato diverso em processo autônomo, o que por si já afasta a natureza recursal do instituto.

99 PACHECO, José da Silva. A “reclamação” no STJ e no STF de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 78, n. 646, ago. 1989, p. 30.

100 ALVIN, Eduardo Arruda; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo