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Das bancadas partidárias tradicionais até as bancadas temáticas informais na

CAPÍTULO 2 – A “Bancada da bala”: do surgimento do fenômeno aos esforços

2.2. Das bancadas partidárias tradicionais até as bancadas temáticas informais na

A área de estudos legislativos dentro da ciência política brasileira centrou sua atenção nas últimas décadas, no que diz respeito a bancadas parlamentares, em pesquisas relativas ao comportamento das bancadas partidárias “tradicionais”: as partidárias e as de governo e oposição (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2001; MOISÉS, 2011). Essas análises

mensuraram a frequência na qual as decisões dos líderes partidários e do governo eram respeitadas por suas bases, encontrando frequentemente índices bastante elevados no período da Nova República, marcado pelo chamado “presidencialismo de coalizão” (ABRANCHES, 1988).

Outra característica da dinâmica Legislativo-Executivo identificada a partir dos estudos de Figueiredo e Limongi (2001) foi a grande prevalência do Executivo como propositor, espaço de origem da legislação aprovada no Congresso. Os estudos de Campos (2010, 2014) demonstraram que, no caso da legislação afeita à segurança pública (direito penal, processual penal, penitenciário, dentre outras), também foi verificada participação significativa de iniciativas do Executivo.

Por outro lado, a literatura brasileira acerca do fenômeno do lobby – o qual, em sua acepção política, poderia ser definido como a defesa de interesses junto a membros do poder público que tem poder de decisão (MANCUSO; GOZETTO, 2018) – ganhou fôlego a partir da década de 2000. Um exemplo marcante é o trabalho de Mancuso (2007) a respeito da influência – geralmente exitosa – da indústria nacional (representada especialmente pela CNI) na produção legislativa do Congresso.

Entretanto, estas pesquisas geralmente se interessaram em investigar a atuação dos atores externos às arenas de tomadas de decisão, sobre estes. Membros do legislativo, como representantes políticos que são (e com poder de decisão), evidentemente também possuem interesses específicos e defendem os mesmos frente a seus pares. Não raramente, parlamentares com pautas e áreas comuns se aglutinam em grupos, de graus de coordenação e organização variados – ainda que não façam parte dos mesmos partidos, ou estejam em lados opostos em sua relação com o Executivo. Um dos exemplos mais conhecidos e tradicionais desse tipo de articulação é a chamada Bancada Ruralista, que existe como grupo formal e com alto grau de organização desde a criação da associação civil União Democrática Ruralista (UDR)11, que desde seu começo na década de 80

possuía membros atuantes na política institucional.

Estas aglutinações de parlamentares de vários partidos em torno da defesa de uma pauta ou interesse específico passaram a ser chamadas por parte da literatura como “bancadas de interesse” (ARAÚJO; SILVA, 2012; 2014), e começaram a ser analisadas com maior atenção e profundidade pelos pesquisadores voltados aos estudos legislativos

11 BRUNO, Regina. Verbete - União Democrática Ruralista (UDR). FGV-CPDOC, 2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/uniao-democratica-ruralista-udr Acesso em 24 dez. 2018.

apenas recentemente. Desde o período de elaboração da Constituição de 1988, produções esparsas a respeito de bancadas parlamentares temáticas começaram a aparecer, em que pese direcionada, em geral, a descrições e estudos de caso de bancadas específicas e identificadas há mais tempo, como a já citada bancada Ruralista e a Evangélica. Os estudos de Vigna (2001) e Vogel (2005) são alguns exemplos. A partir de 2005, quando a Mesa da Câmara dos Deputados passou a permitir o registro de frentes parlamentares temáticas, o fenômeno passou a atrair gradativamente maior atenção dos cientistas sociais.

Coradini (2010) sustenta que o objetivo primeiro da criação de frentes parlamentares seria a formação de “espaços” de “opinião mobilizada” – termo cunhado pelo sociólogo Pierre Bourdieu – na definição e imposição de interesses no espaço político. Esse processo se daria de três formas: 1) associação de deputados e senadores com afinidades a respeito de determinado tema; 2) possibilidade se articular também com representantes de órgãos do poder Executivo de algum modo vinculados à “questão”; e 3) criação de espaços ou articulação entre os deputados e senadores com os processos de definição e de organização de interesses no Congresso Nacional (CORADINI, 2010, p. 242). Essa articulação também poderia se dar com grupos e setores organizados da sociedade civil ligados ao tema.

O mesmo autor ainda identificou que algumas dessas frentes parlamentares caracterizavam-se pelo intenso corporativismo profissional. A partir da análise da composição de 66 (sessenta e seis) frentes parlamentares registradas no período entre 2003 e 2007, identificou que um número significativo das mesmas tendia a aglutinar parlamentares de partidos associados à esquerda ou à direita do espectro político, embora uma série de outros interesses e origens influenciassem no processo de organização dessas frentes.

Recentemente, Araújo e Silva (2012, 2014, 2016) realizaram uma série de estudos voltados à análise de estratégias e formas distintas e pouco estudadas de disputa de espaço na agenda de decisões no Congresso Nacional. Nesses esforços, analisaram com maior profundidade e sistematicidade o fenômeno das bancadas parlamentares setoriais, ou bancadas de interesse, argumentando que, no caso destas, suas dinâmicas de funcionamento não obedeceriam exclusivamente à estratégia de lobby. Extrapolando as atividades típicas dessa estratégia, propõem que as frentes temáticas (e, possivelmente, também as bancadas de interesse) realizam uma atividade de advocacy:

“Advocacy seria a promoção ampla de princípios, criando comunidades de apoio na sociedade e entre os tomadores de decisão. Trata-se do ato de identificar, adotar e promover uma causa, buscando moldar a percepção pública. São estratégias que procuram envolver os atores políticos em discussões que perpassam uma ampla gama de proposições legislativas.” (ARAÚJO; SILVA, 2016, p. 13).

Estes mesmos autores relatam que, convivendo conjuntamente às frentes parlamentares temáticas devidamente registradas na Câmara dos Deputados, diversos outros grupos de marcada presença no Legislativo federal atuam sem a realização de qualquer registro formal, sendo identificadas a partir da ação articulada dos próprios parlamentares e da autoidentificação de alguns congressistas a esses grupos.

A Bancada da Bala encontra-se nessa situação, não se confundindo com a Frente Parlamentar da Segurança Pública, que é ligada diretamente ao tema de atuação da bancada, mas também agrega parlamentares com concepções de segurança pública e orientação político-ideológica sensivelmente distintas das predominantes na Bancada da Bala, em especial devido à restrição formal que exige assinaturas de 1/3 dos deputados da Câmara para a oficialização de qualquer Frente Parlamentar.

Os autores apresentaram, ainda, uma proposta de agenda de pesquisa do referido fenômeno, indicando, ainda, caminhos metodológicos para o estudo do mesmo (ARAÚJO, SILVA, 2016).

2.3. Delimitação conceitual e de critérios da “bancada da bala”: um diálogo com