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Quem não faz parte da bancada da bala: opositores, moderados, aliados e casos

CAPÍTULO 3 – O perfil dos componentes da bancada da bala na Câmara dos

3.5. Quem não faz parte da bancada da bala: opositores, moderados, aliados e casos

Considerando as premissas adotadas pelo trabalho, o conceito do fenômeno “bancada da bala” que foi desenvolvido na pesquisa, os critérios utilizados para a seleção dos parlamentares e o caráter precipuamente qualitativo e interpretativo da análise, a lista de deputados apresentada na seção 3.1 possui um certo nível de incerteza, bem como uma linha cinzenta entre quem “está dentro” e quem “está fora” da bancada. Trata-se de um grupo com alto nível de informalidade, sem registro oficial de participação e que é, em grande medida, definido “por fora”.

Devido à disparidade de trajetórias e de possibilidades de atuação entre os membros da Câmara dos Deputados, foram identificados parlamentares em duas posições opostas: em uma ponta, aqueles que praticamente corporificam o grupo e o fenômeno conhecido como bancada da bala – e cuja existência se confunde com a trajetória do grupo, como Alberto Fraga e Jair Bolsonaro. Em outra ponta, disputaram politicamente opositores radicais da bancada, que pregam por uma perspectiva de segurança pública cidadã garantidora de direitos humanos, militando por mudanças estruturais do modelo de segurança pública do país, o fim da “guerra às drogas”, a descriminalização de diversas condutas e outras propostas de cunho desmilitarizante, antipunitivista e libertário.

Entre estas duas posições antagônicas – e, ao menos no Congresso, de nenhuma forma igualmente “extremas”, verifica-se uma ampla e complexa gama de posições sobre temas afins à segurança pública, bem como uma variação do interesse dos deputados em direcionar sua atuação no Congresso para debater estas pautas.

Como já amplamente apresentado, os recortes decisivos para definir os parlamentares da bancada da bala eram: a colocação da bandeira da segurança pública como central ao mandato, participando de diversos espaços distintos que tratavam da temática, e o engajamento na defesa de suas posições; o posicionamento marcadamente voltado ao recrudescimento penal, à redução de garantias processuais penais, à políticas de segurança pública de caráter repressivo e/ou que intensifica à militarização do campo, e a postura favorável à flexibilização total ou parcial do controle de armas e munições.

A exigência concorrente de tais critérios fez com que muitos parlamentares que possuem vários pontos de contato com os congressistas da bancada da bala não fossem considerados integrantes da mesma.

Inicialmente, há fortes indícios para afirmar, em consonância com outros estudos e surveys realizados no Legislativo federal, que a maioria dos deputados da Câmara nas duas legislaturas apresenta um perfil mais tendente ao conservadorismo que ao progressismo na área da segurança pública – como se verá no capítulo 4. Entretanto, grande parcela desses deputados registrou essa posição apenas em momentos esparsos, como em votos em número relativamente reduzido em comissões não diretamente ligados à segurança, e em plenário – também sendo fortemente influenciados por acontecimentos recentes e pelo poder de agenda e influência de Executivo, da Mesa da Câmara, e das lideranças partidárias e de governo e oposição.

Algumas dezenas de deputados apresentaram perfil consistentemente conservador e punitivista em relação ao tema da segurança pública, manifestando-se também de forma

favorável à flexibilização do controle de armas e munições, mas não foram incluídos na bancada da bala devido ao fato de não terem apresentado uma atuação suficientemente marcante e ativa na área, em comparação àqueles que foram inclusos no grupo.

Um deputado que se encaixa neste perfil é Pinto Itamaraty (PSDB/MA): o parlamentar maranhense foi membro da CSPCCO durante quase toda a 54ª Legislatura, e votou e esteve alinhado à bancada da bala em significativo número de votos e pareceres explorados na pesquisa; Itamaraty, no entanto, não apresentou sequer um projeto de lei no período, fez parte de apenas uma comissão especial de interesse da bancada, e foi pouco ativo na comissão, relatando e se pronunciando de forma veemente acerca de poucos PLs.

Outros parlamentares de destaque próximos da bancada, mas que não foram incluídos são: Nelson Marchezan Júnior (PSDB/RS – 54ª e 55ª Legislaturas), Ezequiel Teixeira (PTN-PODE/RJ – 55ª), Claudio Cajado (DEM/BA – 54ª e 55ª), Otoniel Lima (PRB/SP – 54ª), os ex-presidentes da CSPCCO Otávio Leite (PSDB/RJ – 54ª e 55ª) e José Priante (PMDB/PA – 54ª e 55ª).

Também foram observados deputados com uma atuação dúbia, moderada ou díspare em relação aos temas relacionados à segurança pública e política criminal.

Um caso limítrofe que se destacou na pesquisa é o da deputada Keiko Ota (PSB/SP). A parlamentar entrou para a política institucional após o trágico sequestro e assassinato de seu filho Ives, então com 8 anos, em 199715. A parlamentar apresenta a

segurança como sendo uma de suas principais bandeiras, e se mostrou atuante na CSPCCO, defensora de projetos que ampliavam e endureciam a legislação penal e processual penal (sendo autora ou relatora de várias proposições aprovadas no Congresso e transformadas em lei) e aliada da bancada da bala em diversas votações, como na redução da maioridade penal. Entretanto, Keiko se manifestou ao longo de todo o período analisado de forma aberta e firmemente contra a flexibilização do controle de armas e munições no Brasil.

Osmar Terra e Givaldo Carimbão, por sua vez, tiveram papel destacado na tramitação do Projeto de Lei 7663/10, que, dentre outras medidas repressivas, acrescentou qualificadoras na Lei de Drogas e permitia a internação compulsória de dependentes químicos. Osmar Terra ficou marcado em sua atuação na Câmara por sua atuação em

15 SIMAS, Fernanda. A violência não discrimina ninguém, diz deputada que teve o filho assassinado. São

Paulo: IG, 15 out. 2011. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/a-violencia-nao- discrimina-ninguem-diz-deputada-que-teve-o-filho-assassinado/n1597279266315.html> Acesso em 20 fev. 2019.

defesa das comunidades terapêuticas e de abordagens no tratamento de dependentes químicos que pregam a abstinência do paciente, e não medidas de redução de danos – tendo se oposto a categorias profissionais ligadas à área, como psicólogos e psiquiatras, e à militantes da chamada luta antimanicomial. O então deputado manteve esta linha de atuação ao assumir o Ministério do Desenvolvimento Social, no governo de Michel Temer (2016-2018)16 e não indica que fará diferente no comando do novo Ministério da

Cidadania, do governo do presidente Jair Bolsonaro.

A pesquisa também explorou os setores que, por contraste, mais se opuseram aos interesses da bancada da bala e seus aliados na Câmara dos Deputados. Ainda que a maior parte destes seja de partidos à esquerda do centro (PSOL, PT, PCdoB, PDT, PSB), uma pequena parcela dos parlamentares deste grupo se aliou ou fez parte da bancada da bala. Além disso, alguns aspectos da atuação destes partidos e de seus congressistas merecem ser discorridos em maior profundidade.

Nesse sentido, ao analisarmos as indicações dos partidos para a CSPCCO entre os anos de 2011 e 2018, notou-se que dois partidos de centro-esquerda (PDT e PSB) ocuparam suas vagas frequentemente com deputados de posição ideológica punitivista, fazendo parte ou tendo amplo diálogo com a bancada da bala. No PDT, Enio Bacci e Subtenente Gonzaga (considerados neste trabalho como integrantes “moderados” da bancada da bala) tiveram presença quase cativa na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na 54ª (no caso de Enio) e 55ª (no caso do Subtenente Gonzaga) Legislaturas; deputados do partido como Vieira da Cunha, Pompeo de Mattos, Giovani Cherini não foram incluídos na bancada, mas apresentaram posição mais simpática à flexibilização da política de armas e munições, participaram de comissões temáticas afins à questão e inclusive foram financiados por empresas de armas em suas campanhas eleitorais. Major Olímpio, do grupo mais radical da bancada, foi eleito pelo partido em 2015, embora tenha rapidamente migrado de legenda.

No PSB, Gonzaga Patriota (participante da bancada da bala) e Keiko Ota (caso limítrofe, comentado acima) também fizeram parte da CSPCCO por quase todo o período entre 2011 e 2018. No mesmo sentido, Pastor Eurico (membro da bancada) e Givaldo Carimbão (caso limítrofe) participaram com frequência da mesma comissão, assim como de outros espaços destinados a debater assuntos afins à segurança pública.

16 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Conselho aprova mudanças na política sobre drogas no país. Brasília, 01 mar. 2018. http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2018/marco/conselho-aprova- mudancas-na-politica-sobre-drogas-no-pais Acesso em 16 jan. 2019.

Os únicos partidos que preencheram suas vagas nessa comissão de forma consistente com deputados opositores da bancada da bala foram PT (parlamentares que fizeram parte da CSPCCO por pelo menos um ano: Adelmo Carneiro Leão, Alessandro Molon, Amauri Teixeira, Assis do Couto, Caetano, Cândido Vaccarezza, Dalva Figueiredo, Domingos Dutra, Edson Santos, Erika Kokay, Iriny Lopes, José Mentor, Moema Gramacho, Nazareno Fonteles, Reginaldo Lopes, Renato Simões, Rogério Carvalho, Rubens Otoni, Sibá Machado, Valmir Assunção, Vander Loubet, Vanderlei Siraque, Zé Carlos), PCdoB (Perpétua Almeida) e PSOL (Glauber Braga).

Entretanto, cabe notar que muitos dos parlamentares destes partidos apresentaram e apoiaram, em relevante número de ocasiões, projetos que criavam novos tipos penais, endureciam a legislação já vigente ou implementavam políticas públicas de viés repressivo – especialmente no que diz respeito a proposições enviadas pelo Poder Executivo no período em que Dilma Rousseff ocupou a presidência da República.

Outra característica marcante da atuação destes partidos – em especial PT e PCdoB – era a atenção a projetos relativos à segurança pública que tinham sua atenção voltada a minorias sociais e políticas e grupos vulnerabilizados na sociedade. Muitas proposições relativas à tutela penal e proteção (via sistema de justiça criminal) das mulheres, crianças e adolescentes, idosos e deficientes tinham como autoria congressistas dos partidos mencionados. Exemplos marcantes nesse sentido são a aprovação da Lei 13104/2015, conhecida como a Lei do Feminicídio, e na votação do PL 3030/2015 (de autoria de Lincoln Portela e relatoria na CCJC de Alberto Fraga), que aumenta a pena para o crime de feminicídio se o autor o tiver praticado em descumprimento de medida protetiva de urgência – foi aprovado em março de 2016 na Câmara com o apoio de partidos à esquerda.

Em adição, partidos de (centro) esquerda também demonstravam maior interesse na ampliação da fiscalização e punição dos crimes econômicos, também conhecidos como “crimes de colarinho branco” (SUTHERLAND, 1999).

Cabe ainda destacar que pelo menos dois deputados de origem profissional ligada a corporações militares não foram considerados membros da bancada da bala – na 55ª Legislatura, Cabo Daciolo (PSOL/PTdoB/Avante/Patriota-RJ) e Tenente Lúcio (PSB- MG). Estes parlamentares apresentaram uma atuação idiossincrática em relação a temas centrais da análise, tendo votado a favor da intervenção federal no Rio de Janeiro, por um lado, mas contra a redução da maioridade penal, por outro.

permanentes e especiais que discutiram temas relativos à segurança; Daciolo foi, mas apresentou um perfil de atuação variável, tendo se aproximado de deputados mais radicais em alguns momentos – como quando defendeu policiais militares acusados do homicídio do pedreiro Amarildo, em 2014, e em alguns projetos de lei apresentados, de caráter punitivista e corporativo – e se afastando em outros, como em votos e posicionamentos contrários à flexibilização do controle de armas e munições.

Em entrevista dada a Eveline Santos (2018), Daciolo se manifesta de forma crítica à liberação do porte de armas, além de destacar que não tem proximidade com membros da bancada da bala, sendo alguém de atuação mais “solitária” na Câmara.

CAPÍTULO 4 – A atuação da bancada da bala nas comissões, no plenário e nos