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Financiamento de campanha e a participação de empresas de segurança

CAPÍTULO 3 – O perfil dos componentes da bancada da bala na Câmara dos

3.4. Financiamento de campanha e a participação de empresas de segurança

No que diz respeito ao financiamento de campanhas dos deputados selecionados, a análise de maior interesse diz respeito à presença ou não de pessoas jurídicas que atuam no ramo da segurança, bem como de pessoas físicas que sejam donas ou sócias relevantes de empresas da mesma área de atuação.

Como já discutido anteriormente, muitas definições a respeito do significado do termo “bancada da bala” tinham como ponto central o financiamento de campanhas por empresas de armas e munições, assim como outras ligadas à segurança. Nesses casos, como na matéria da Agência Pública (2012), os deputados da bancada da bala eram exclusivamente aqueles que cumpriam o requisito acima mencionado.

Considerando o arcabouço teórico e conceitual desenvolvido nos capítulos anteriores, a definição da bancada da bala construída no presente trabalho e os critérios de seleção da mesma, este não é o caso do grupo de deputados selecionados e que foram listados nos pontos 3.2.1 e 3.2.2. Há uma significativa sobreposição entre os dois grupos,

mas eles não coincidem completamente: há deputados que receberam recursos financeiros de empresas como Taurus, ANIAM e CBC que não estão na bancada da bala, como compreendida na pesquisa, e há congressistas que são da bancada e não foram financiados. Entre estes, cumpre destacar que há aqueles que se posicionaram, na atuação parlamentar, de forma crítica à flexibilização ou revogação do Estatuto do Desarmamento, e dezenas de outros que, mesmo não financiados, defendem ativamente a liberalização do controle de armas e munições.

O Instituto Sou da Paz (2014b), a Agência Pública (2012) e portais de notícias como o UOL (SAVARESE, 2011) já realizaram levantamentos dos deputados que receberam dinheiro de empresas do ramo da segurança. A fim de evitar retrabalho, os resultados dos levantamentos em questão, todos baseados nos dados disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral, foram analisados e conferidos na fonte original, o que foi confirmado. Desta forma, identificou-se 22 parlamentares eleitos em 2010 financiados por pessoas jurídicas do ramo da segurança, dos quais apenas 7 estão na bancada – 13,3% dos 30 identificados na legislatura 2011-2015.

No quadro a seguir, indica-se também qual a relação do deputado financiado com a bancada da bala – se é um aliado eventual, votando e se posicionando na maioria das ocasiões observadas de forma alinhada ou próxima à bancada; se é um deputado moderado, apresentando atuação variável ou em um “meio-termo” entre a bancada e opositores marcantes do grupo; ou se é um notório opositor da bancada, tendo votado quase na totalidade das ocasiões identificadas contra os interesses mais consensuais da bancada da bala:

Quadro 11 – Deputados financiados por pessoas jurídicas do ramo da segurança em 2010

Deputado Valor recebido Relação com a Bancada

da Bala:

Abelardo Lupion (DEM/PR) R$ 120 mil Aliado eventual

Afonso Hamm (PP/RS) R$ 40 mil Aliado eventual

Alceu Moreira (PMDB/RS) R$ 20 mil Membro

Beto Albuquerque (PSB/RS) R$ 30 mil. Moderado/variável

Cezar Silvestri (PPS/PR) R$ 20 mil Moderado/variável

Eduardo Sciarra (DEM/PR) R$ 20 mil Aliado eventual

Gonzaga Patriota (PSB/PE) R$ 40 mil Membro

Guilherme Campos

(DEM/SP)

R$ 80 mil Membro

Jerônimo Goergen (PP/RS) R$ 30 mil Aliado eventual

João Campos (PSDB/GO) R$ 40 mil Membro

José Otávio Germano

(PP/RS)

R$ 20 mil Aliado eventual

Lael Varella (DEM/MG) R$ 50 mil Aliado eventual

Luis Carlos Heinze (PP/RS) R$ 30 mil Aliado eventual

Marcos Montes (DEM/MG) R$ 40 mil Membro

Mendes Ribeiro Filho

(PMDB/RS)

R$ 20 mil Aliado eventual

Moreira Mendes (PPS/RO) R$ 90 mil Aliado eventual

Nelson Marchezan Júnior (PSDB/RS)

R$ 15 mil Aliado eventual

Ônyx Lorenzoni (DEM/RS) R$ 250 mil Membro

Sandro Mabel (PR/GO) R$ 160 mil Aliado eventual

Vicentinho (PT/SP) R$ 20 mil Opositor

Vieira da Cunha (PDT/RS) R$ 20 mil Aliado eventual

Fonte: Instituto Sou da Paz, 2014b; Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria.

Quadro 12 – Deputados financiados por pessoas jurídicas do ramo da segurança em 2014

Deputado Recebeu

em 2010?

Valor (R$) Relação com a Bancada da Bala:

Alberto Fraga

(DEM/DF)

SIM 80 mil Membro

Alceu Moreira

(PMDB/RS) SIM 20 mil Membro

Arnaldo Faria de Sá

(PTB/SP) NÃO 130 mil Membro

Arthur Maia (SD/BA) NÃO 69,9 mil Aliado eventual

Daniel Vilela

(PMDB/GO)

NÃO 70 mil Aliado eventual

Fábio Reis (PMDB/SE) 30 mil Aliado eventual

Édio Lopes

(PMDB/RR)

NÃO 30 mil Membro

Ronaldo Benedet

(PMDB/SC)

SIM 20 mil Membro

Onyx Lorenzoni (DEM/RS)

SIM 100 mil Membro

Marcos Montes

(PSD/MG)

SIM 30 mil Membro

Misael Varella

(DEM/MG)

NÂO 30 mil Aliado eventual

Carlos Zarattini (PT/SP) SIM 30 mil Opositor

Nelson Marchezan

(PSDB/RS) SIM 30 mil Aliado eventual

Gonzaga Patriota

(PSB/PE) SIM 30 mil Membro

Pompeo de Mattos

(PDT/RS)

SIM 70 mil Moderado/variável

Wilson Filho (PTB/PB) NÃO 30 mil Membro

Jerônimo Goergen

(PP/RS) SIM 30 mil Aliado eventual

Fonte: Instituto Sou da Paz, 2014b; Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria.

Ao passo que a maioria dos candidatos financiados por empresas se concentraram na comissão especial voltada à discussão do PL 3722/2012, e apenas um (Carlos Zarattini) era de fato opositor ao relaxamento do Estatuto do Desarmamento, a proporção de deputados financiados por empresas de armas na bancada da bala continua baixa: 10 dos 46 da legislatura 2015-2019 (21,7% do total).

O instituto identificou candidatos aos cargos de deputado e senador que não se elegeram nos pleitos de 2010 e/ou 2014, como Moreira Mendes (PSD-RO), que recebeu R$50 mil em sua campanha derrotada ao Senado em 2014; Anderson Benevides (PSC-SP – R$30 mil), Marcelo Sereno (PT-RJ – R$20 mil) e Sandro Avelar (PMDB-DF – R$20 mil), que obtiveram apenas a suplência na disputa para deputado federal.

Ainda há os casos de Guilherme Campos (PSD-SP), membro da bancada da bala entre 2011 e janeiro de 2015, que tentou a reeleição em 2014, recebeu R$50 mil de empresas de armas, mas não obteve êxito; e Enio Bacci (PDT-RS), que foi incluído na bancada da bala na 54ª Legislatura, se candidatou nas eleições de 2014 para o cargo de deputado estadual, recebeu R$20 mil de empresas de segurança, e se elegeu.

Os dados mostram a alta proporção de deputados financiados por grandes empresas ligadas a empresas de segurança que obtiveram êxito eleitoral, demonstrando a eficiência destas pessoas jurídicas no financiamento de candidatos a cargos no Legislativo federal.

Para além da atuação dos deputados em favor da aprovação de legislação que flexibiliza ou revoga por completo o Estatuto do Desarmamento, foram observadas outras

medidas que mostram a proximidade e o alinhamento de deputados com grandes empresas de armas e munições e suas entidades representativas, como a Forjas Taurus, a Companhia Brasileira de Cartuchos e a ANIAM.

Na 54ª e 55ª Legislaturas, foram protocolados requerimentos por deputados na CSPCCO para a realização de visitas institucionais da comissão às fábricas de Taurus e CBC. Em dezembro de 2012, as duas empresas receberam uma comitiva de integrantes da CSPCCO – cuja ampla maioria era composta por deputados incluídos na bancada da bala. Alexandre Leite, Arnaldo Faria de Sá, Delegado Protógenes e Hugo Leal foram à fábrica da CBC, e Efraim Filho, Onyx Lorenzoni e Pastor Eurico visitaram CBC e Taurus. por requerimento de Pastor Eurico e outros.

Em 2015 e 2016, Edio Lopes e Alberto Fraga também requereram a realização de visita às fábricas de CBC (REQ. 53/2015 – CSPCCO) e Taurus (Req. nº 53 e 156/2016 - CSPCCO). O último requerimento foi aprovado na comissão, mas a visita não chegou a ocorrer.

Ainda que a proximidade de vários deputados da bancada com a indústria armamentista seja notória, é forçoso relatar também que uma parcela significativa desses parlamentares apresentou relação conflituosa com as empresas que detém o virtual monopólio nacional na fabricação de armas e munições. Em 2016, vários requerimentos foram apresentados na CSPCCO (pelos deputados Major Olímpio, Arnaldo Faria de Sá, Alberto Fraga, Silas Freire e Cabo Sabino) no intuito de discutir defeitos apresentados nas armas fornecidas aos órgãos de segurança do Estado.

O deputado Major Olímpio, em audiências públicas realizadas na CSPCCO em julho e agosto de 2016, defendeu o fim da reserva de mercado (BRASIL, 2016) e denunciou que “as polícias brasileiras estão sendo enganadas pela Taurus” (BRASIL, 2016, p. 22), defendendo a instalação de uma CPI das Armas (ou CPI da Taurus) na Câmara dos Deputados – neste ponto, entrou com conflito com a parte da bancada da bala mais próxima à empresa brasileira de armas; Olímpio quase foi às vias de fato com Alberto Fraga, que o acusou de ser “advogado da Glock”, empresa austríaca de armas (GONÇALVES, 2019). Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro são outros deputados que também realizaram críticas ao monopólio e acenaram com a abertura do mercado (SANTOS, 2018; GONÇALVES, 2019).

Esta relação dúbia e não harmônica com as empresas armamentistas, que contraria as premissas dos primeiros estudos e reportagens voltados à análise e identificação da bancada da bala já tinham sido parcialmente identificados por Eveline Santos (2018), que

observou um baixo número de parlamentares financiados por Taurus ou CBC na campanha de 2014 entre 18 deputados de origem profissional ligada às forças de segurança do Estado.

Isto se dá, também, como já indicado na razão dos requerimentos apresentados em 2016, pelos questionamentos feitos pelos próprios profissionais de segurança à qualidade dos equipamentos – como falhas em armas que provocaram mortes e acidentes graves a policiais e a cidadãos abordados pela polícia (ALESSI, 2018). Esta pressão exercida por categorias diversas pertencentes ao campo da segurança pública (que é uma das principais bases eleitorais e sociais de apoio aos deputados da bancada da bala) influencia para o conflito aparentemente contraintuitivo de bancada da bala e empresas de armas e munições.

Devido à metodologia e aos critérios utilizados no trabalho, além da exiguidade temporal e a proximidade do evento, não foi possível realizar um levantamento relativo ao financiamento de campanha dos deputados da bancada da bala que concorreram em 2018, tampouco analisar a origem dos recursos dos novos integrantes da bancada da bala na Câmara na legislatura 2019-2023.

Uma pesquisa futura deste tipo, entretanto, terá mais dificuldade de ser realizada, considerando-se a proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, vigente desde 2015 após decisão do Supremo Tribunal Federal e posterior reforma eleitoral aprovada no Congresso no mesmo ano (NOTÍCIAS STF, 2015). Será necessário identificar a identidade das pessoas físicas doadoras para as campanhas dos políticos e pesquisar se, entre eles, existem sócios ou acionistas de empresas de segurança.

3.5. Quem não faz parte da bancada da bala: opositores, moderados, aliados e casos