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Delimitação conceitual e de critérios da “bancada da bala”: um diálogo com

CAPÍTULO 2 – A “Bancada da bala”: do surgimento do fenômeno aos esforços

2.3. Delimitação conceitual e de critérios da “bancada da bala”: um diálogo com

O termo “bancada da bala”, como mostrado nas seções anteriores, surgiu há quase duas décadas, e vem recebendo cada vez mais reconhecimento e atenção no jornalismo político, na literatura especializada e até entre a classe política.

O que há de consensual entre as percepções de todas as análises a respeito da chamada “bancada da bala” é o fato da mesma se tratar de um grupo de congressistas, que são agrupados de forma estranha aos grupos tradicionalmente identificados na política institucional (partidos políticos, frentes parlamentares, frentes partidárias, bancadas estaduais), e estarem ligados entre si por conta de tópicos específicos (como o controle de armas e munições) ou gerais associados à segurança pública.

Entretanto, permanece existindo um nível significativo de indefinição, variação de nível de abstração e de divergências teóricas envolvendo o significado, o conteúdo e,

consequentemente, também de que fenômeno é identificado por esta expressão. Por este motivo, este subcapítulo procurará definir, em diálogo, crítica ou contraposição à literatura existente da área – ainda incipiente e conflituosa – uma conceituação consolidada da Bancada da Bala.

Alguns autores optaram por fazer uma definição de caráter mais “sociológico”, procurando inicialmente delimitar um número específico de parlamentares a partir de critérios que se relacionavam à defesa de uma pauta específica, à participação em uma outra organização política com maior formalidade, ou à uma origem social ou profissional comum.

A primeira matéria jornalística da Agência Pública (2012) sobre a bancada da bala delimitou pela primeira vez o grupo – que incluía deputados e senadores – tendo como único critério o financiamento de campanha dos congressistas: aqueles que haviam sido financiados por empresas de armas fariam parte da bancada, e todos os demais estariam fora. Esta definição converge com a maioria das primeiras ocorrências e citações à “bancada da bala”, geralmente de menor rigor analítico, onde o foco é a relação ao debate sobre o comércio de armas de fogo no Brasil.

Por outro lado, a longa investigação de Eveline Santos (2018) – não por acaso, uma dissertação da área da sociologia – chegou ao grupo de deputados que comporiam a bancada após três critérios: (1) a presença na Frente Parlamentar da Segurança Pública, que possui 299 integrantes; (2) a participação, em 2015 e/ou 2016, em alguma comissão da Câmara dos Deputados que esteja ligada diretamente ao tema da segurança pública, seja ela permanente, como a CPSCCO, ou temporária – 66 parlamentares se encontravam nesta situação; e, por fim, (3) o fato de terem atuado profissionalmente em algum cargo ou ocupação da área de segurança e ordem públicas – polícia militar, polícia civil, corpo de bombeiros militar e Forças Armadas (SANTOS, 2018).

Como os critérios são de restritividade crescente, o critério 3) – que reduz o número de deputados de interesse a 18 – é o decisivo. Ou seja, o aspecto definidor da bancada da bala para Santos (2018) seria a ligação profissional (atual ou pregressa) do(a) parlamentar com carreiras diretamente ligadas à segurança e ordem públicas.

Ao optar por tais passos, Eveline Santos acaba por não considerar - a priori - como critério de seleção dos parlamentares o conteúdo dos projetos apresentados – apoio a pautas punitivistas, defesa do porte de armas, etc. Se interessa o pertencimento às carreiras militares, uma eventual atuação corporativista em prol de profissões da área da segurança pública não é utilizada como critério, mas como resultado independente da

observação. Tais características aparecem em maior destaque apenas na sequência da análise, como uma decorrência previsível da seleção inicial. A partir da posição desenvolvida nesta pesquisa, tal procedimento não se apresenta como o mais adequado, visto que os critérios utilizados acabam por considerar apenas os deputados que atuaram profissionalmente em ofícios que compõem diretamente o sistema de segurança pública.

Na visão do presente trabalho, a Bancada da Bala, seja em sua formulação inicial, no imaginário popular ou como objeto formal de análise não deve significar e se confundir com uma bancada dos profissionais da segurança pública – ainda que estes estejam inseridos e sejam atores muito importantes na mesma.

Por estas razões, o presente trabalho divergirá do procedimento empreendido por Santos (2018) para definir a “bancada da bala” e dos critérios utilizados pela autora para identificar os parlamentares que comporiam a mesma. Dessa forma, a presente dissertação produzirá resultados diversos aos encontrados pela autora – embora, como se perceberá nos próximos capítulos, um número significativo de deputados esteja inserido nos dois trabalhos como integrantes da bancada.

A definição da bancada tampouco pode se resumir, como na visão da Agência Pública (2012) e na maioria das ocorrências na década de 200012, ao fato dos

parlamentares terem ou não sido financiados por empresas de armas ou segurança – e este aspecto tampouco deve servir como critério, isoladamente para inclusão ou exclusão do grupo. O que será considerado como característica essencial e comum da bancada é o posicionamento dos parlamentares em sua atuação na Câmara a respeito do tema do controle de armas e munições – no caso, a favor de diminuir o nível de controle existente na legislação vigente.

Por sua vez, a reportagem de Étore Medeiros e Bruno Fonseca (2016) e o documento do DIAP (2014) caminham numa perspectiva mais compatível à adotada na presente dissertação, ao identificarem, como interesse comum central à bancada da bala a defesa de pautas ligadas à segurança pública e política criminal de cunho punitivo e repressivo. Ao mesmo tempo, se direcionam ao comportamento dos parlamentares para identificar os membros da bancada.

Estas referências apresentam, porém, um baixo aprofundamento conceitual e rápida explicação dos métodos e critérios de seleção desses parlamentares, acabando por ser uma investigação superficial do fenômeno “bancada da bala”. A título de informação,

durante a pesquisa realizada para esta dissertação, o pesquisador entrou em contato com os autores da reportagem da Agência Pública (2012, 2016), e os mesmos informaram que todo o material de pesquisa produzido foi utilizado na matéria, não havendo, portanto, maior detalhamento da seleção dos parlamentares que comporiam a bancada na bala do que o presente na reportagem. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, por sua vez, não respondeu os pedidos de informações solicitados e não realizou outros trabalhos dedicados a tratar da bancada da bala.

Considerados estes pontos, a pesquisa optou, seguindo a linha desenvolvida no trabalho de Faganello (2015; 2017a; 2017b) e parcialmente no de Truffi (2018), por um norte e uma definição “ideológica” e “prática” da Bancada da Bala. De acordo com a definição de Faganello

“A Bancada da Bala se conforma pela unidade dos discursos que propõe e pela forma de atuação política: “da bala” pelas medidas repressivas e “bancada” uma vez que promovem uma articulação informal de atores políticos sobre assuntos comuns, especialmente os de segurança pública, porte de armas e direitos civis de cunho penal.” (FAGANELLO, 2017b, p. 28)

Por isto, o que conceitua e define os parlamentares que compõem a bancada deve ser a visão de mundo punitivista e repressiva – aqui denominada securitária-autoritária – que orienta tais políticos em sua atuação no que diz respeito ao tema da segurança pública e política criminal. Ao mesmo tempo, tais posições devem se desdobrar na atuação concreta dos deputados na Câmara dos Deputados e na militância política cotidiana.

Faganello (2015, p, 151) identificou diferenças ideológicas e de postura entre os membros da bancada da bala: “Uma ala moderada da Bancada da Bala, por sua vez, prescinde e até, em alguns momentos, se coloca contra a perspectiva do enfrentamento e da defesa de ações arbitrárias como remédio para problemas de segurança pública.” O autor identificaria nesse setor moderado uma falta de interesse de se contrapor aos “radicais” – e, em muitos momentos, a concordância e o trabalho conjunto em diversas pautas comuns: “No entanto, parece não haver uma condenação moral mais incisiva, por parte destes candidatos, contra os argumentos utilizados pelos policiais do discurso autoritário. Ao contrário, trabalham juntos em determinadas pautas políticas, aparecem publicamente coordenados e parecem se orientar por uma lógica corporativista.” (FAGANELLO, 2015, p. 151). O autor ainda acresce que também na ala “moderada” ocorre uma minimização de suspeitas de condutas abusivas pelas forças de segurança, sempre pressupondo a validade da ação. Uma característica observada pelo autor que o

trabalho pretende investigar é se a apologia às instituições policiais e a procedimentos militares é universal dentro do grupo analisado na Câmara.

Dessa forma, no enquadramento de uma “bancada da bala” é possível, para Faganello (2015, 2017a; 2017b), que haja certa variação ideológica e de nível de radicalidade de discursos e propostas, assim como parlamentares com pautas prioritárias relativamente distintas. O que os uniria estes políticos nessa Bancada, no entanto, seria a perspectiva comum de ação política que se orientaria pela exigência de políticas públicas de segurança repressivas e um maior recrudescimento das leis como forma de resolver os problemas da segurança pública.

Na dissertação de mestrado de Faganello (2017b), o autor utiliza os seguintes critérios na seleção dos vereadores da bancada da bala: 1) são candidatos que se apresentam explicitamente ligados à instituição policial ou ao exército, seja estando na ativa ou como ex-policiais. Em sua grande maioria, candidatos que apresentam a designação de suas patentes nos nomes de urna. Ou que apresentem símbolos e histórico ligados à instituição em seus materiais de campanha ou histórico; 2) se candidataram tendo a temática da segurança pública, em sua vertente securitizadoras, como bandeira principal de campanha. A caracterização do discurso da Bancada da Bala, foi feita a partir de reportagens e por uma análise de conteúdo das redes sociais, quando havia, de alguns dos candidatos no Facebook.

Considerando a produção acadêmica existente em relação à bancada, o trabalho optou por partir do conceito utilizado por Faganello, realizando acréscimos e adaptações considerando a diferença do local de análise (Câmara dos Deputados x Câmara de Vereadores de São Paulo), as distintas competências das duas casas legislativas e o foco da presente pesquisa na atuação cotidiana dos parlamentares na Câmara.

Visto que a origem do termo deriva da posição favorável ao relaxamento do controle de armas e munições, e levando em consideração a forte associação existente entre este discurso e as pautas punitivas e repressivas, a posição pró-armas também será considerada como núcleo do que caracteriza o grupo.

Deste modo, a partir do desenvolvimento conceitual e do debate de critérios utilizados por outros autores, o pesquisador chegou à conclusão de que os aspectos centrais para definir os parlamentares da Câmara dos Deputados que seriam integrantes da Bancada da Bala são: 1) a visão de mundo punitivista, repressiva e – na ala mais radical da bancada – autoritária que orienta uma parcela da sociedade, das instituições e da classe política no que diz respeito ao tema da segurança e ordem públicas (i), associada à defesa

de uma política de controle de armas de fogo e munições menos restritiva que a vigente (ii) e de pautas corporativistas de alguma(s) da(s) categorias profissionais ligadas ao sistema de justiça criminal e às forças de segurança do Estado (iii); 2) a atuação concreta e ativa dos deputados nos diversos espaços da Câmara dos Deputados e na militância política cotidiana no que diz respeito ao tema da segurança e ordem públicas.

Após este refinamento conceitual, foi possível estabelecer critérios e métodos justificados que permitam a identificação de quais parlamentares na Câmara dos