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O surgimento e a consolidação do termo “bancada da bala”

CAPÍTULO 2 – A “Bancada da bala”: do surgimento do fenômeno aos esforços

2.1. O surgimento e a consolidação do termo “bancada da bala”

O termo “bancada da bala”, cujos primeiros registros encontrados datam do início da década de 2000, surgiu como uma referência, geralmente de conotação negativa, a uma parcela dos congressistas que vocalizaram maior oposição inicial durante a tramitação, no Congresso, do Projeto de Lei do Senado 292/1999, que veio a se tornar o Estatuto do Desarmamento – o qual, promulgado em 2003, impôs severas restrições ao porte, uso e circulação de armas de fogo e munições no país. Outras denominações similares utilizadas à época para se referir ao grupo eram a “Bancada das Armas” ou “Bancada do Gatilho” (BRASIL, 2003).

À época, a denominação “bancada da bala” poderia significar, de forma quase indissociável, tanto o grupo de parlamentares que vocalizaram de forma mais veemente a contrariedade à restrição à venda, porte e posse de armas no Brasil, como àqueles que supostamente seriam representantes dos interesses de empresas de segurança, armas e munições por terem sido financiados em suas campanhas pelas mesmas. Isto ocorria devido ao fato de haver uma significativa sobreposição entre esses dois grupos -já naquele período, muitos dos deputados que se posicionavam contra o Estatuto também haviam sido financiados por empresas e entidades patronais do setor de armas, munições e equipamentos de segurança (SÁLES, 2006).

A identificação do grupo pró-armas se fortaleceu na ocasião do referendo nacional, aprovado pelo Senado Federal e realizado em 2005, que versava sobre a entrada em vigor ou não do artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003): “art. 35 -

É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei". A consulta popular questionava se a venda de armas e munições no país deveria seria proibida, ou se o comércio seria permitido, ainda que dentro das demais restrições presentes no Estatuto do Desarmamento – votação esta que já estava prevista no texto do Estatuto aprovado em 2003 (SANTOS, 2007).

Os parlamentares contrários ao Estatuto tentaram evitar ou adiar a realização do referendo (FLOR, 2005), mas foram derrotados de forma acachapante em votação na Câmara em julho de 2005, por 258 votos a 48. Este grupo então passou a se articular na Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa – presidida pelo deputado Alberto Fraga (PFL-DF). A mesma abrigava 23,6% dos membros do Congresso à época (GOMES; SANTINI, 2016), e passou a se engajar ativamente na campanha pela opção do “não” no referendo.

Quase todos os grandes partidos políticos do país, de esquerda e direita, se posicionaram pelo “sim”10 – assim como diversas organizações importantes da sociedade

civil e figuras públicas de destaque. A expectativa era pela aprovação popular da proibição, visto que, além do apoio político e social de peso, pesquisas anteriores apontavam grande maioria pró-desarmamento. Entretanto, após uma forte campanha dos defensores da opção “não”, amplamente financiados por empresas de armas como Taurus e a Companhia Brasileira de Cartuchos (GOMES; SANTINI, 2006), a proibição total foi derrubada nas urnas por 64 a 36%.

Ainda que o tema do comércio e porte de armas tenha sido central para a aglutinação dos parlamentares que motivou o surgimento do termo, já em meados da década de 2000 a definição já era utilizada de forma mais ampla. Em matéria do Portal G1 por ocasião do falecimento do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo e então deputado Ubiratan Guimarães (PP-SP), o mesmo era “considerado um dos membros da bancada da bala, grupo de parlamentares adeptos da linha dura no combate à violência.” (PORTAL G1, 2006). Ainda que Ubiratan também se posicionasse contra o desarmamento da população, o portal de notícias também destacava o fato do mesmo defender “o fim da maioridade penal e a adoção de regras mais rígidas para os detentos, como o fim das visitas íntimas e das saídas temporárias.” (PORTAL G1, 2006).

10 UOL. Oposição culpa Lula pela vitória do “não” em referendo. São Paulo, 24 out. 2005. https://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2005/10/24/ult1913u39867.jhtm> Acesso em 21 dez. 2018.

A partir de 2010, após um período de arrefecimento do debate sobre as armas, o termo passou a ser utilizado pela imprensa e pela classe política com maior frequência para identificar parlamentares que tinham como característica, além dos atributos acima indicados, a defesa de pautas corporativistas de profissionais ligados à segurança e ordem públicas e um posicionamento ativo e marcadamente conservador e punitivo sobre o tema da segurança pública (GOMES, ROHDE, 2012).

Um marco jornalístico de identificação e popularização do termo “bancada da bala” para se referir a um grupo de parlamentares atuantes no Congresso Nacional foi a matéria “A bancada da bala”, da Agência Pública de Jornalismo (2012). Seguindo a linha interpretativa que predominou na década de 2000, a “bancada da bala”, para os autores da matéria jornalística, seria formada e se caracterizaria por políticos que foram financiados em suas campanhas eleitorais por empresas de armas, munições e outros equipamentos de segurança – sendo players de destaque no ramo a Taurus, a indústria de cartuchos CBC e a Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições.

Como consequência do financiamento de empresas do ramo da segurança, estes parlamentares orientariam sua atuação na Câmara dos Deputados para a defesa de projetos e pautas de interesse das mesmas – notadamente o relaxamento ou revogação de medidas de controle ou proibição do uso de armas, implantadas pelo Estatuto do Desarmamento.

À época, a reportagem identificou quatorze parlamentares financiados pelas empresas acima citadas: onze deputados federais (Abelardo Luiz Lupion Neto, Fernando Francischini, Luiz Gonzaga Patriota, Guilherme Campos Júnior; Rubens Moreira Mendes Filho, Sandro Mabel, João Campos, Lael Varella, Marcos Montes, Onyx Lorenzoni e Ronaldo José Benedet, dois senadores (Ana Amélia Lemos e Roberto Requião) e um deputado estadual (Fernando Capez – SP).

Após as eleições de 2014 e a definição dos membros da 55ª Legislatura, aumentou a atenção do jornalismo especializado e pela academia em identificar um grupo de parlamentares como integrantes de uma “bancada da bala”.

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar identificou, em sua publicação “Radiografia do Novo Congresso: Legislatura 2015-2019” (2014), uma bancada da segurança pública em sentido amplo, que incluiria “tanto os defensores da legislação educativa e preventiva para proteger a vida quanto aqueles que representam os interesses da indústria armamentista e também os adeptos de punição severa para casos de violência” (DIAP, 2014, p. 135) , seria composta por cerca de 50 parlamentares.

Entre estes, entretanto, ao menos 22 parlamentares teriam como prioridade “a redução da maioridade penal, a permissão de porte de arma, o fim das penas alternativas, a modificação do Estatuto do Desarmamento e também do Estatuto da Criança e do Adolescente” (DIAP. 2014, p. 135), e comporiam a chamada bancada da bala. A publicação deu destaque para os deputados Delegado Waldir, Eder Mauro, Alberto Fraga e Jair Bolsonaro.

Quadros (2015), ao se debruçar em longo estudo das vertentes político-filosóficas conservadoras no Brasil, bem como suas variações e vertentes, analisou de forma breve o fenômeno da consolidação da “bancada da bala” – em sua visão, uma forma específica de manifestação do conservadorismo na política. O autor indicou aqueles que, em sua visão, seriam os principais expoentes do grupo, bem como as pautas políticas primordiais do mesmo.

A Agência Pública, que havia realizado matéria em 2012 sobre a bancada, retomou ao tema em uma série de reportagens que procurou mapear as maiores e mais relevantes bancadas temáticas da Câmara dos Deputados – as quais, na visão da agência de jornalismo, seriam grupos de parlamentares que se associariam na defesa de interesses comuns, de cunho corporativo, setorial ou ideológico. O critério central para identificar e selecionar quais parlamentares comporiam cada uma dessas bancadas seria “a atuação

diária de cada parlamentar em temas relacionados aos segmentos específicos”

(MEDEIROS, FONSECA, 2016).

Étore Medeiros e Bruno Fonseca (2016) foram os autores da matéria jornalística dedicada à bancada da bala. Nesta reportagem, houve uma mudança de perspectiva para conceituar e identificar o grupo.

A “bancada da bala”, que na visão dos autores teria força e influência no parlamento mesmo com um menor número de integrantes – considerando o “teor dos conteúdos que defendem” (FONSECA, MEDEIROS, 2016), seria composta por 35 deputados: Alberto Fraga, Alceu Moreira, Arnaldo Faria de Sá, Arthur Oliveira Maia, Cabo Sabino, Capitão Augusto, Carlos Zaratini, Daniel Vilela, Delegado Éder Mauro, Delegado Edson Moreira, Delegado Waldir, Edio Lopes, Efraim Filho, Fábio Reis, Gonzaga Patriota, Jair Bolsonaro, Jerônimo Goergen, João Campos, João Rodrigues, Laerte Bessa, Laudívio Carvalho, Major Olímpio, Marcos Montes, Misael Varella, Moroni Torgan, Nelson Marchezan Júnior, Onyx Lorenzoni, Pompeo de Mattos, Rogério Peninha Mendonça, Ronaldo Benedet, Silas Freire e Subtenente Gonzaga.

também compõe outras bancadas de destaque na Câmara. 18 dos 35 deputados também comporiam a bancada da Agropecuária (também chamada de Ruralista), 15 fariam parte da bancada Evangélica, 14 a das Empreiteiras e construtoras e 9 da bancada Empresarial (FONSECA, MEDEIROS, 2016).

Um detalhe relevante identificado pela reportagem foi o fato de, diferentemente de momentos anteriores, o termo ter sido associado e reapropriado por uma parcela dos próprios parlamentares, que se identificaram com o nome e rechaçaram a intenção depreciativa ou crítica sob a qual a denominação teria surgido (FONSECA, MEDEIROS, 2016).

Na ciência política, os primeiros esforços de maior fôlego destinados a estudar de forma analítica, criteriosa e compreensiva a “bancada da bala” vieram dos trabalhos de Marco Antônio Faganello (2015; 2017a; 2017b) – já mencionado anteriormente. Em artigos e em sua dissertação de mestrado, Faganello procurou definir um significado da Bancada da Bala e realizar uma investigação exploratória de suas raízes ideológicas e eleitorais.

Suas análises se voltaram, na sequência, para a geografia do voto dos parlamentares da bancada na cidade de São Paulo. O autor buscou, ainda, conceituar o grupo dentre os diversos outros que compõem o espectro político-ideológico da direita no Legislativo brasileiro, e compreender seu processo de crescimento, numa conjuntura de fortalecimento, na opinião pública e nos resultados eleitorais, de posições políticas conservadoras.

De forma correlata, também foi identificados estudos que indicam uma maior atenção da área em analisar o fenômeno da inserção de profissionais das forças de segurança do Estado na política institucional – fenômeno que, se não se confunde com a bancada bala, está relacionado com o mesmo.

Em pesquisa destinada a identificar o perfil dos membros das Forças de Repressão e Segurança que se candidataram à Câmara dos Deputados, Berlatto, Codato e Bolognesi (2016) analisaram o número de candidatos que identificaram suas profissões como “policial” ou “militar” entre as eleições de 1998 e 2014. Nela, encontraram um pico no número absoluto e na proporção relativa de policiais entre o total de candidatos no ano de 2006 – 254 (5,1% do total). Estes números decresceram nas eleições seguintes, chegando a 221 (4,5% do total) em 2010 e 209 (3,6% do total) em 2014. Entretanto, devido a dificuldades logísticas e metodológicas, os autores não puderam identificar candidatos que foram policiais, mas não colocaram tal informação no TSE; assim como não inseriu

outras profissões ligadas à segurança pública (como policiais federais). Ainda, não pôde obter o número de candidatos eleitos com esse perfil nas eleições em questão.

Eveline Santos, em dissertação de mestrado recente, realizou uma pesquisa de maior fôlego voltada à investigação da chamada bancada da bala, tendo como lócus de análise, assim como o presente trabalho, a Câmara dos Deputados.

Em sua pesquisa, Santos (2018) chegou ao número de 18 deputados federais integrantes de tal bancada na 55ª Legislatura: Alberto Fraga; Cabo Daciolo; Cabo Sabino; Capitão Augusto; Delegado Éder Mauro; Delegado Edson Moreira; Delegado Francischini; Delegado Waldir; Eduardo Bolsonaro; Gilberto Nascimento; Jair Bolsonaro; João Campos; Laerte Bessa; Major Olimpio; Marcos Reategui; Moroni Torgan; Rocha; e Subtenente Gonzaga.

Em seguida, a autora realizou um perfil dos dezoito deputados selecionados, procedendo com um perfil dos integrantes selecionados – o gênero, a faixa etária, a região do país que representa e o histórico profissional dos mesmos. A trajetória política dos dezoito parlamentares foi investigada, assim como o histórico de filiação partidária dos mesmos – sendo avaliado, com base na definição de Berlatto, Codato e Bolognesi (2016) a ideologia e a magnitude dos partidos que abrigam ou abrigavam os deputados da bancada.

Muitos dos tópicos pesquisados por Santos (2018) também serão objeto de análise por parte da presente dissertação. Não haverá repetição de esforços, porém, devido às diferenças na abordagem do fenômeno e a divergências teóricas – a serem desenvolvidas no subcapítulo 2.3 – em relação à definição conceitual e os critérios de definição da bancada da bala. As entrevistas realizadas pela autora com alguns dos deputados do grupo que foram inseridos em ambos os trabalhos foram gentilmente cedidos pela pesquisadora, e apresentadas no capítulo 4.3.

2.2. Das bancadas partidárias tradicionais até as bancadas temáticas informais na